sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Fernando Gabeira - Beco sem saída

- O Estado de S.Paulo

O que o Brasil precisa, no meu entender, os economistas do governo não conseguem oferecer

A economia, para mim, é apenas uma disciplina fascinante. Ainda assim, em certas biografias dos grandes economistas, como a de Keynes por Robert Skidelsky, outros traços intelectuais acabam me atraindo mais do que o próprio talento econômico.

Como leigo me interrogo sobre as grandes opções pós-pandemia no Brasil. Uma delas é a retomada da produção. Já escrevi aqui que um dos mistérios, para mim, é o sentido da retomada.

Sobretudo após a pandemia, ficou evidente que uma das tendências internacionais é valorizar a natureza, escapar da velha concepção de que o progresso significa necessariamente o esgotamento dos recursos naturais. De certa forma, a pandemia acentuou outra tendência que poderia ser um dos fundamentos da reforma do Estado: o crescimento do mundo virtual.

Os projetos de recuperação econômica do governo passam longe das duas tendências. No caso da natureza, então, a perspectiva é radicalmente reacionária: destruir rapidamente, antes que percebam, como manda a teoria de passar a boiada enquanto todos se concentram na pandemia.

Não se sabe o que será da economia quando recuperada, se isso realmente ocorrer. O que se discute hoje é principalmente uma continuidade da ajuda emergencial.

A pandemia revelou 11 milhões de invisíveis, que nem estavam nos registros do governo. Isso implica a necessidade de ampliar um programa como o Bolsa Família, até aumentando a quantia mínima para a sobrevivência. Como resolver? O governo elegeu-se com plataforma ultraliberal. Foi atropelado pela pandemia. O ministro Paulo Guedes passou a pensar com outras coordenadas.

Bolsonaro, com medo de perder a reeleição, tende a desejar um projeto de renda cidadã, que já se chamou Renda Brasil. No passado os nomes iam sendo trocados até chegar a Brasil: Vera Cruz, Santa Cruz. Agora decrescem a partir de Brasil.

O ultraliberalismo de Guedes não aprova esse tipo de programa. O próprio Bolsonaro chamava o Bolsa Família de “bolsa farinha” e dizia que seu objetivo era criar um eleitorado de cabresto.

Estão perdidos no seu labirinto. Guedes tentou tirar dinheiro dos pobres para cobrir os gastos. Uma heresia eleitoral, e Bolsonaro não quis. Outra tentativa era dar o calote nos precatórios, que já são uma dívida em atraso. Ou, quem sabe, tirar dinheiro do fundo da educação.

Não há saída, porque não há dinheiro legalmente disponível. Certamente vão rodar em torno de si próprios. Possivelmente vão até desistir parcialmente do projeto. Bolsonaro já ensaiou uma retirada do tipo raposa e as uvas: ajuda permanente é coisa que só interessa a comunistas, disse.

Merval Pereira - O controle da Justiça


- O Globo

Controlar os tribunais, especialmente os superiores, é o sonho de todo presidente, para moldar as leis do país à sua semelhança. Os presidentes Bolsonaro, do Brasil, e Trump, dos Estados Unidos, estão empenhados no momento nesta tarefa, com maior possibilidade de acerto do americano, que pode vir a ter seis ministros conservadores na Corte Suprema, contra apenas três progressistas.  

Mas nem sempre a manobra dá certo, como se pode constatar no Brasil no caso dos governos Lula e Dilma, que nomearam 8 dos 11 ministros do Supremo e, mesmo assim, o PT sofreu sérias derrotas, tanto no mensalão quanto no petrolão.  

A mesma coisa acontece nos Estados Unidos, onde John Roberts, Chefe da Justiça Americana, equivalente ao presidente do Supremo Tribunal Federal, mas com mandato vitalício no cargo, mesmo tendo sido nomeado pelo presidente George W. Bush, em 2005, tem dado votos de minerva nem sempre a favor do governo republicano de Trump.  

O presidente Bolsonaro acaba de indicar seu primeiro ministro do Supremo, o desembargador Kassio Nunes, para a vaga do decano Celso de Mello. Até o ano que vem, o ministro Marco Aurélio Mello se aposentará. Se não houver nenhuma aposentadoria antecipada, somente se reeleger o presidente Bolsonaro poderá indicar mais dois ministros do STF, pois os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski se aposentam em 2023.  

Até 2022, Jair Bolsonaro terá feito pelo menos 14 indicações para os tribunais superiores, com a abertura prematura da vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) com a aposentadoria de José Mucio. É possível que o presidente indique para essa vaga seu atual chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que teria chance de ter experiência no cargo antes de poder ser indicado para o Supremo.  

Bolsonaro já fez uma nomeação para o TST, quatro no TSE e três no STM. Poderá indicar durante seu mandato dois ministros para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), três para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mais um para o Superior Tribunal Militar.  

Alon Feuerwerker - Troca no STF

Revista Veja

Um fanático pela Carta faria bem ao tribunal, ao governo e ao país

Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.

Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira de futebol, mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso se inverteu. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.

Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.

Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à Suprema Corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.

E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.

Mesma coisa o “Q.I.” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição, o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.

O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.

Dora Kramer - Arte do impossível

- Revista Veja

O que quer o presidente é que lhe apresentem uma fórmula mágica imune a prejuízos eleitorais

Seguia o Bolsa Família sua vidinha de filho mais ou menos enjeitado até que veio a pandemia e revelou-se a prodigalidade do rebento: forte produtor de votos, ao qual Jair Bolsonaro se dispôs de imediato a oferecer paternidade. A conta do custo-benefício a princípio pareceu simples, baseada na proverbial lógica de que é dando (aos pobres) que se recebe (também dos paupérrimos).

No entanto, a realidade, esta madrasta, revelou que as coisas são bem mais complicadas. Lá se vão mais de quarenta dias desde que o presidente manifestou intenção de imprimir sua marca em programa de transferência de renda robustecido e ampliado, e até agora não conseguiu achar uma solução. Pegou vários atalhos, trilhou diversos caminhos e hoje se vê perdido no labirinto por onde enveredou por vontade própria, no afã de construir uma porta de entrada na luta pela reeleição em condições ultravantajosas.

Sua equipe econômica faz esforços inúteis para agradar ao chefe, cuja noção de aritmética não leva em conta as relações de perdas e ganhos contidas nas operações de soma, subtração, multiplicação e divisão. Isso não apenas no tocante a números, mas também a implicações legais e políticas.

O presidente da República quer dispor de mais recursos sem cortar despesas, dar mais a quem precisa sem desagradar a quem de tantos benefícios não necessita. Não pretende enfrentar estruturas arraigadas com reformas profundas nem encarar questões espinhosas como extinção de auxílios ineficientes ou revisão do teto de gastos. Portanto, o que quer o presidente é que lhe apresentem uma fórmula mágica imune a prejuízos eleitorais. Em resumo, almeja o impossível, e aí Bolsonaro tromba com a política, a arte do possível.

Eliane Cantanhêde* - ‘Não tem de onde tirar’

- O Estado de S.Paulo

Num redemoinho, Guedes não agrada a Bolsonaro, ao Congresso, ao mercado e à opinião pública

 O ministro Paulo Guedes se debate em mares revoltos, ora emerge, ora afunda, fazendo tudo para sobreviver, numa situação comum em Brasília, quando autoridades entram no redemoinho, sem forças para sair, e raramente chegam a um porto seguro. De superministro, ele agora luta para se manter à tona, com o desafio de cumprir as ordens e fazer as vontades, quase impossíveis, do chefe Jair Bolsonaro.

Com a mesma obsessão com que defende os filhos da PF, do MP, da mídia e da verdade, o presidente agora trata da sua própria campanha e mandou Guedes se virar e arranjar recursos para o “seu” Bolsa Família, com o nome de Renda Cidadã, maior valor e mais abrangência, sem mexer no teto de gastos nem criar novo imposto. Dinheiro, porém, não cai do céu nem dá em árvore – mesmo que desse, as árvores estão virando carvão.

Luiz Carlos Azedo - O melhor negócio do mundo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A venda de refinarias servirá para reduzir o endividamento da Petrobras, que consome 35% do caixa gerado por suas operações. Em juros, isso equivale a um sistema completo de exploração

O famoso magnata norte-americano John Davison Rockefeller começou a trabalhar com 16 anos, em 1855, como contabilista de um armazém de retalhos. De família modesta e religiosa, quando completou 19 anos, pediu demissão e partiu para seu próprio negócio: abastecer o Exército da União. Durante a Guerra Civil americana (1861-1865), vendeu uniformes, farinha, sal, sementes e carne de porco, concorrendo com o antigo patrão. Com o fim da guerra, mudou de ramo e comprou uma refinaria de petróleo, na qual fabricava querosene para iluminação. Em 1985, fundou a Standart Oil Company.

Chegou a controlar 90% das refinarias dos Estados Unidos, mas a Suprema Corte, em 1911, resolveu acabar com o monopólio da empresa e ordenou a criação de mais 30 companhias petrolíferas, origem das gigantes Exxon, Chevron, Atlantic, Mobil e Amoco, que continuaram sob seu controle acionário. Nessa época, Rockefeller era o homem mais rico do mundo, com uma fortuna pessoal de US$ 318 bilhões, transformando-se num mecenas das artes e patrono da educação e da pesquisa. Criou a Universidade de Chicago, museus, bibliotecas e um instituto de pesquisas médicas que leva seu nome. É dele a frase “o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada; o segundo melhor negócio, uma empresa de petróleo mal administrada”.

A Petrobras, durante o governo Lula, conseguiu transformar uma refinaria de petróleo num péssimo negócio, com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, segundo depoimento da ex-presidente da empresa Maria das Graças Foster, no Senado, quando a operação virou mais um caso do escândalo do petrolão.  A ex-presidente Dilma Rousseff, que presidia o Conselho de Administração da Petrobras por ocasião da compra, alegou que aprovou a decisão sem saber dos anexos do contrato, com cláusulas muito desvantajosas para o comprador, negociadas pelo então diretor Nestor Cerveró, um dos condenados na Lava-Jato.

Ricardo Noblat - Bolsonaro é desmentido em tempo quase real

- Blog do Noblat | Veja

Retratos de um desgoverno

Bolsonaro disse que estava proibida a discussão sobre o programa Renda Cidadã até o fim do seu governo. Depois anunciou que o programa será enviado em breve para votação no Congresso. Então o ministro Paulo Guedes, da Economia, vetou as fontes de financiamento do programa – dinheiro da Educação e calote no pagamento de precatórios.

Em menos de uma semana, descobriu-se que por enquanto não há como se lançar o programa e que é melhor deixar para fazê-lo depois das eleições ou em 2021 Quer retrato melhor do desgoverno Bolsonaro? Tem outro também que acabou de ser revelado. A Amazônia teve o segundo pior setembro de queimadas da última década, e o Pantanal o pior mês de sua história.

O presidente conseguiu ser desmentido quase que em tempo real. Na última quarta-feira, em vídeo destinado à Cúpula da Biodiversidade das Organizações das Nações Unidas, ele disse que não pode aceitar o que classifica de “informações falsas e irresponsáveis” que desconsideram “as importantes conquistas ambientais” alcançadas pelo Brasil em benefício do mundo.

Pois é. Quem nega realidade passa vergonha, mas ele não liga. Está acostumado.

Nosso Kássio virou um peão na mão dos seus patrocinadores

Bolsonaro é obrigado a defender-se nas redes sociais

Bom de faro, o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista (PP) e um dos líderes do Centrão, aliado de todos os governos que passaram por ele e os que um dia ainda possam passar, conterrâneo e avalista número um do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal, Kássio Nunes Marques.

César Felício - Relações carnais

- Valor Econômico

 Eleição nos EUA mexe no jogo político brasileiro

 Se alguma evidência ainda precisava ser apresentada para comprovar a extrema importância da eleição americana no processo político brasileira, essa necessidade desapareceu com o debate da última terça-feira entre Joe Biden e Donald Trump.

Sem ser provocado, Biden de moto próprio afirmou que faria uma proposta para o Brasil na área ambiental, que mais soa a um ultimato. Ou Bolsonaro aceita US$ 20 bilhões de ajuda para preservar a Floresta Amazônica, ou arcará com consequências econômicas.

Foi um aceno de Biden à ala mais radical do Partido Democrata, que precisa ser compensada de alguma maneira por todos os gestos centristas já feitos pelo candidato. Mas sinalizou para um isolamento maior do governo brasileiro no futuro. Será o fim das relações carnais entre Brasil e Estados Unidos, como o próprio Bolsonaro deixou claro ao refutar no dia seguinte a proposta de “plata o plomo” feita pelo democrata. Afora Rússia e China, o Brasil foi o único país mencionado no debate.

A reeleição de Trump empoderaria o bolsonarismo não pelo que as relações com os Estados Unidos poderiam proporcionar ao país do ponto de vista comercial, econômico. Há uma sintonia política que não passa por isso, e motiva o Brasil a se submeter a uma equação desigual, em que o alinhamento brasileiro claramente não tem retribuição.

Por Trump, o Brasil aceita condições menos favorecidas no comércio de etanol e o chanceler se abala até Roraima para servir de escada a um gesto político do secretário de Estado.

José de Souza Martins* - Índios e caboclos no fogaréu

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Discurso de Bolsonaro na ONU foi uma costura malfeita de retalhos de informações mutiladas. Não foi para informar, mas apenas para encobrir as próprias insuficiências e os erros do governo

O discurso do presidente Jair Bolsonaro, na abertura da assembleia das Nações Unidas, no dia 22, foi um discurso revelador do que é, nele, a fabricação do governante na conjuntura política inaugurada no dia 1º de janeiro de 2019.

Os presidentes, os reis, os papas são construções imaginárias que os fazem diferentes do que são em carne e osso, por nascimento e educação, para que se tornem a outra pessoa que devem ser quando chamados ao exercício da função impessoal do poder.

O aspecto fascinante da apresentação pública da pessoa que hoje ocupa a Presidência da República está no que nos revela e pode revelar a arqueologia que lhe expõe os acertos e erros, incoerências e contradições à luz do que deveria personificar e não consegue.

Na ONU, ele se apresentou perante o mundo como réu. Defendeu-se, acusando. Fê-lo mal porque as fragilidades de seu governo não têm defesa. Foi um discurso de província, aos coadjuvantes e não às nações. Sua palavra não foi expressão de consciência dos dilemas da sociedade contemporânea. Não falou como estadista e conselheiro a partir da difícil e problemática experiência brasileira de país cada vez mais rico e cada vez mais pobre ao mesmo tempo.

A pandemia exige rupturas, diz a economista Monica de Bolle

Para Monica de Bolle, a crise sanitária impõe desafios aos dogmas econômicos e demanda um programa de renda básica

Por Diego Viana | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - Um gosto antigo pela medicina fez da economista Monica Baumgarten de Bolle uma das primeiras pessoas a alertar para o tamanho da crise que viria em 2020. A luz amarela foi acendida em janeiro, com a leitura do artigo em que o Sars-Cov-2 foi nomeado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus. “Pude perceber que seria uma calamidade absoluta, porque o novo vírus era muito mais transmissível que o Sars original. E era imprevisível, levando 20% dos contaminados para o hospital e muitos desses para a UTI”, diz a pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins.

“No caso de um país como o Brasil, ficou claro que o golpe seria ainda mais brutal”, afirma Monica. Com mais de 60% da população em situação vulnerável, fora do mercado formal de trabalho ou com grande risco de ser expulsa dele, “essas pessoas seriam imediatamente atingidas quando começassem as medidas de isolamento”. Esse raciocínio levou à conclusão de que “o Brasil não sobreviveria sem um programa de renda básica”.

Nos meses seguintes, em artigos de imprensa, “lives” e postagens de redes sociais, a economista defendeu com afinco a necessidade do auxílio emergencial. A pressão de intelectuais e entidades da sociedade civil teve efeito: o Congresso aprovou o auxílio de R$ 600 em março. Mas o problema não parava aí: à medida em que chegavam novos artigos de virologistas e epidemiólogos, ficou claro para Monica que transformações muito mais profundas seriam necessárias.

No livro “Ruptura” (Intrínseca, 320 págs.), a economista retoma os debates que a pandemia suscitou no campo da política, das medidas de mitigação à expansão dos gastos públicos, incluindo a reconversão industrial (fábricas que passaram a produzir equipamentos médicos), o papel do BNDES e a emissão de moeda. Mas as rupturas vão além. A crise sanitária deixa em seu rastro um mundo mudado. Ideias parcamente discutidas há poucos anos ganham tração. Poucos duvidam que os governos terão de conviver com níveis mais elevados de endividamento, que será necessário investir pesadamente na recuperação das economias e que a transição energética será acelerada.

Bernardo Mello Franco - Faroeste carioca

- O Globo

O chefe da polícia, pelo jornal de domingo, mandou avisar: Wilson Witzel caiu, mas a política do bangue-bangue continuará em vigor no Rio.

Em entrevista ao GLOBO, o delegado Allan Turnowski exibiu um catálogo de velhas ideias para a segurança pública. Ele deixou claro que pretende insistir nas operações espetaculares, com direito ao uso de helicópteros e tanques de guerra.

O novo secretário da Polícia Civil explicou seu plano para as favelas como se estivesse diante de um tabuleiro de War. “Se eu pudesse, não usava o blindado, mas tanques. Pois os colocaria no alto de uma comunidade e dali tomaria de cima para baixo”, disse.

O delegado acrescentou que vai reforçar o ataque aéreo a territórios vistos como inimigos. “Não usaria só um helicóptero, mas dois ou três”, empolgou-se. Faltou dizer se ele pretende imitar o coronel Kilgore de “Apocalypse Now”. No filme, o personagem instala alto-falantes nos helicópteros e toca Wagner enquanto os soldados bombardeiam uma aldeia do Vietnã.

Flávia Oliveira - Antirracismo é atitude

- O Globo

Poucos grupos são mais eficientes em manter privilégios que os homens brancos

Em fins de maio, quando o Brasil voltou os olhos para manifestações nos EUA contra o assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial branco, fazia dez dias que uma operação das polícias Civil e Federal em São Gonçalo (RJ) abreviara a vida de João Pedro Matos Pinto. O estudante de 14 anos estava na casa da família, no Complexo do Salgueiro, e seu corpo ferido foi levado de helicóptero pelos agentes que o fuzilaram, no dia 18 daquele mês. Mas foi a comoção pela vítima americana que respingou no Brasil, não o contrário, embora aqui a letalidade pelo Estado seja mais assombrosa. Em 2019, o Rio de Janeiro contabilizou mais mortes decorrentes de intervenção policial do que os Estados Unidos inteiros.

Por causa de Floyd, porções da sociedade brasileira se deram conta do racismo que, desde sempre, se materializa em homicídios de pessoas negras, escassez de oportunidades de educação e postos de trabalho, más condições de habitação, transporte e acesso à saúde no país. Reivindicações históricas das entidades do movimento negro brasileiro ganharam eco em perfis de A a Z na forma das hashtags #blacklivesmatter, na versão em inglês, ou #vidasnegrasimportam, traduzida. Sob quadrados pretos nas redes sociais multiplicaram-se compromissos com equidade de raça e gênero sob o slogan “Não basta não ser racista, tem de ser antirracista”, retirado da teoria crítica da filósofa americana Angela Davis.

Reinaldo Azevedo - O Kássio com K e teóricos da conspiração

- Folha de S. Paulo

Indicação de juiz para o Supremo junta interesses de Lula e Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro decidiu indicar Kássio Nunes para o Supremo. O que resta de lavajatismo na imprensa e em sites de "notícias & negócios especulativos" transformou o "Kássio com K" num super-Cássio com C, o da peça "Júlio César", de Shakespeare. É a personagem-símbolo da conspiração e da traição.

Aquele traiu um só. A conspirata deu certo no curto prazo e matou a República no médio. O conspirador quebrou a cara. O Kássio com K teria de se dar bem traindo uma penca de gente.

"Não entendi, Reinaldo!" Os criadores de fábulas também não. Eles ainda tentam inventar um roteiro de ficção para justificar as frustrações de Sergio Moro.

Segundo o mercado de conspirações, o ainda juiz federal do TRF-1 teria de fazer as vontades de vários padrinhos, além do próprio Bolsonaro: Gilmar Mendes, Wellington Dias, Dilma Rousseff, a juíza federal Maria do Carmo Cardoso (também do TRF-1), Flávio Bolsonaro, Davi Alcolumbre, todo o centrão, o PT, o PSDB, o PMDB, a OAB, advogados de pessoas investigadas pela Lava Jato e, bem..., ainda não se pronunciou a palavra mágica, mas é questão de tempo: "LULA". Deve-se escandir o nome com a baba do ódio nos cantos da boca.

"Ah, mas é isso mesmo! Trata-se do velho sistema". Assim, o Kássio com K conseguiria juntar num mesmo feixe de interesses Lula e Bolsonaro, o petismo e o bolsonarismo.

Bruno Boghossian – Guedes ficou no chão

- Folha de S. Paulo

Nem os pilares da equipe econômica têm sido levados muito a sério dentro do governo

Paulo Guedes pode até completar mais uma semana no cargo, mas o governo já deixou o ministro no chão. Nas últimas 24 horas, Jair Bolsonaro e seus aliados tocaram a vida como se o chefe da equipe econômica nem estivesse mais por ali.

Pela manhã, o presidente embarcou para o Nordeste pela sétima vez desde junho. A agenda era parte de uma turnê pela reeleição coordenada pelo ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Ele se tornou o antípoda de Guedes no governo ao formar uma aliança a favor do aumento de gastos com obras.

Os dois ministros já se estranharam em reuniões fechadas e trocaram hostilidades em público. Interessado em extrair ganhos políticos da máquina do governo, o chefe da dupla se mostra inclinado a escolher o lado de um deles.

Claudia Safatle - Deixa como está para ver como é que fica

- Valor Econômico

Discussão sobre novo programa social do governo Bolsonaro deve ficar para depois das eleições municipais

Depois da grande confusão patrocinada pelo governo e pelas lideranças políticas em torno do financiamento do programa de renda básica por uma limitação do pagamento de precatórios, a ideia que ocorre à equipe econômica, agora, é: “Vamos deixar como está pra ver como é que fica,” sintetizou uma fonte qualificada.

Isso porque o presidente Jair Bolsonaro está focado nas eleições e tem como um objetivo político superar o prestígio do ex-presidente Lula no Nordeste. Passadas as eleições, volta-se a discutir como financiar o Renda Cidadã ou Renda Brasil, que o governo quer criar para ter sua marca, advogam assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na quarta-feira, Guedes jogou um balde de água fria na pretensão de financiar o programa social com dinheiro economizado com o não pagamento de precatórios. A proposta de dar um calote nos credores do Estado foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada na segunda-feira e soou mais como um “gigantesco bode na sala” do que uma real alternativa para o novo programa de renda. A reação do mercado foi péssima e o pai da ideia desapareceu.

Se depender da área econômica, agora, nenhuma decisão será tomada no calor da campanha eleitoral. Resolvida essa questão política, a expectativa predominante é de Guedes ainda tentar voltar à proposição original do Renda Brasil, que seria criado com a fusão de 27 programas sociais dispersos (abono salarial, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, entre outros).

Isso, porém, não reúne uma massa de recursos suficientes para financiar as 14 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família e mais umas 20 milhões de pessoas colhidas entre os mais de 60 milhões de brasileiros que estão recebendo o auxílio emergencial. A ideia seria de garantir uma renda de cerca de R$ 300 por mês.

Celso Ming - O capitão parece sem rumo

- O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro não sabe para onde quer ir ou está perdido

 Basta alinhar um fato atrás do outro para concluir que o capitão Bolsonaro ou não sabe o que quer ou está perdido.

Para o dia 25 de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia agendado o que chamou de “big bang”, aquilo que seria um ato de recriação da economia. Haveria o anúncio do Renda Brasil, um avanço sobre o Bolsa Família, que distribuiria mais renda. O ministro Paulo Guedes avisou que teria como principal fonte orçamentária a extinção de programas sociais pouco eficazes: o abono salarial, que concede um salário mínimo por ano para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês; o seguro-defeso, distribuído aos pescadores artesanais nos períodos de desova dos peixes, em que teriam de permanecer inativos; e o próprio Bolsa Família, cujos recursos seriam incorporados ao novo programa.

O presidente Bolsonaro fulminou a proposta. Disse que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. O “big bang” não passou de um estourinho de pipoca dentro da panela. 

Do “big bang” fariam parte duas outras providências: a desindexação total da economia (inexistência de reajustes), que alcançaria salários, aposentadorias e pensões; e o anúncio de um programa estimulador de empregos, a desoneração dos encargos sociais, a que estão obrigados os empregadores. A arrecadação que deixaria de ser obtida com a redução dos encargos sociais seria coberta com um novo imposto, que incidiria sobre transações financeiras, em quase nada diferente da extinta CPMF

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro sobreviver na selva que cria

- Folha de S. Paulo

Certo é que presidente mostra capacidade de sobrevivência, favorecido pela inexistência de oposição

 Bancar o Renda Cidadã com aumento de imposto é de fato uma conversa entre deputados governistas. Alguns ainda parecem não entender que o governo apenas poderia gastar essa receita extra caso fosse alterado o teto de gastos. A pergunta mais importante, no entanto, é se Jair Bolsonaro arrumaria de fato alguma dessas encrencas.

Pode sair aumento de imposto? Ou pode se armar outro arranjo com o Congresso? Por exemplo, uma extensão do estado de calamidade casado com “reformas” grandes de cortes de despesas, uma gambiarra de alto nível, por assim dizer. Assim, seria possível pagar algum auxílio emergencial a mais, haveria sobra de dinheiro advinda de arrochos (sobre servidores, por exemplo) e algum tempo para arrumar financiamento permanente para um Renda Cidadã. Até mesmo neste governo, algum pouco de organização política poderia parir uma solução dessa espécie.

Na política, Bolsonaro se desdiz sem vergonha, o que tem saído de graça. Na economia, apesar dos arreganhos por si só daninhos, não chegou a tomar ou patrocinar nenhuma decisão final contra o teto ou a favor de aumento de impostos. É omisso, inepto ou avacalha projetos de “reformas” política e socialmente mais sensíveis, mas até agora não ultrapassou de fato o sinal vermelho dos donos do dinheiro grosso, apesar da baderna financeira que seu governo causa.

O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais

Barafunda- Opinião | O Estado de S. Paulo

Quando o ministro da Economia afirma que o cerne de uma proposta como o tal “Renda Cidadã” simplesmente não vale, tem-se a dimensão da barafunda.

Que confiança pode inspirar um governo que anuncia algo num dia para desmentir categoricamente no dia seguinte? Que palavra vale, a de ontem ou a de hoje? Como investidores devem avaliar um país que tem no presidente da República, ninguém menos, a principal fonte de instabilidade?

Quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, informa que o cerne de uma proposta apresentada com estardalhaço pelo próprio presidente Jair Bolsonaro dois dias antes simplesmente não vale, como foi o caso do tal “Renda Cidadã” – programa de transferência de renda tido e havido como a maior realização de um governo que até agora fez quase nada –, tem-se a dimensão da barafunda.

O governo não se entende nem a respeito do nome do programa. Já foi “Renda Brasil”, tornado assunto proibido por Bolsonaro depois que a equipe econômica sugeriu que a única maneira de financiá-lo seria congelando aposentadorias. Poucos dias depois, surgiu o tal “Renda Cidadã”, bancado pelo calote em precatórios e por dinheiro tomado indevidamente do Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica.

Do Fundeb, Paulo Guedes nada falou, mas nem precisava: é a segunda tentativa do governo de tirar verba da educação para, como disse o ministro da Economia em outra ocasião, “injetar dinheiro na veia dos pobres”. A primeira tentativa, como se sabe, foi barrada no Congresso, por ser um drible tosco no teto de gastos, ao qual o Fundeb não está submetido.

Já a respeito da limitação dos recursos destinados ao pagamento de precatórios para financiar o “Renda Cidadã”, o ministro Guedes foi didático: disse que o novo programa não pode ter a arquitetura de um “puxadinho” e que o dinheiro destinado aos precatórios “não é uma fonte saudável, limpa, permanente e previsível”. E explicou que o “Renda Cidadã”, por ser uma despesa permanente, “tem que ser financiado com uma receita permanente”.

O fato embaraçoso é que o próprio ministro Guedes estava presente no solene anúncio do novo programa e ouviu tudo sem se manifestar. Segundo gente do governo, a ideia de usar os precatórios foi de Guedes. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, declarou, em meio ao espanto do mercado com as ideias francamente irresponsáveis que nortearam o plano, que uma proposta como essa jamais teria sido apresentada sem a chancela de Bolsonaro e Guedes.

Poesia | Vinicius de Moraes - O velho e a flor

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.