quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Opinião do dia - Fernando Henrique Cardoso*

Não desejo nem posso precipitar o andamento do processo político. É melhor esperar que se escoe o tempo de duração constitucional dos mandatos e, principalmente, que apareçam “bons candidatos”. Para tal não é suficiente ser “bom de voto” e de palavras. Precisamos de líderes que entendam melhor o que acontece na produção e no mercado de trabalho, daqui e do mundo. Mais ainda que sejam capazes de falar à população, passar confiança e esperança em dias melhores. Voz e mensagem movem montanhas. Mobilizam energias e vontades.

Enquanto isso... Sei que não há fórmulas mágicas e acho necessário dar meios de vida aos que precisam. Sei que foi o Congresso, mais do que o Executivo, quem cuidou de dá-los. O presidente atual vai trombetear que fez o que os parlamentares fizeram; não importa, está feito e teria de o ser. Não tenhamos dúvidas, contudo: o nível do endividamento público, que já é elevado, vai piorar.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. “Dias sombrios”, O Estado de S. Paulo / O Globo, 4/10/2020.

Merval Pereira - Me dá um dinheiro aí

- O Globo

Seria simplificação atribuir à incompetência política do governo o novo adiamento do anúncio do programa social de renda que ampliará o Bolsa Família para abrigar os quase 40 milhões de “invisíveis” que vieram nos assombrar na pandemia.  

Tirem-se os que não deveriam receber, os bandidos que receberam na cadeia, os fraudadores. Sobram ainda milhões de “invisíveis”. Esse número assombroso de pessoas que dependem do apoio do governo no momento em que o país parou de girar sua economia é formado na maioria por trabalhadores autônomos informais que entraram em situação de miserabilidade por absoluta falta de trabalho.  

São ambulantes, biscateiros, flanelinhas que perderam na pandemia seus clientes habituais, e hoje dependem do governo para a transição econômica, que promete ser mais demorada do que se esperava. Onde achar dinheiro para alimentar esses milhões de bocas?  

Não há solução sem que alguma categoria sofra prejuízos, sem que interesses de castas sejam feridos. Não é impressionante que existam cerca de R$ 15 bilhões por ano no pagamento indevido de salários acima do máximo de R$ 39 mil?  

Mas para cortar esses supersalários e outras distorções da gestão pública, é preciso encarar desafios que só mesmo um presidente reformista poderia fazer. Mas Bolsonaro não é reformista, apenas finge. Os adiamentos do anúncio das reformas e do Renda Cidadã só refletem essa dificuldade: como arranjar dinheiro para garantir a reeleição sem prejudicar as corporações que o apóiam?  

Rosângela Bittar - Arranjos de mão dupla

- O Estado de S.Paulo

Um arranjo de mão dupla demonstrará o efeito do apoio de Bolsonaro a Russomanno

Que Jair Bolsonaro tem rara capacidade de transferir votos, não há dúvida. Elegeu três filhos em colégios eleitorais distintos e um sem-número de desconhecidos coronéis, capitães e majores, País afora. O outro líder nacional com essa capacidade é Lula, provisoriamente contido pelas circunstâncias.

A disputa pela Prefeitura de São Paulo tornou-se campo ideal para efeito demonstração deste bolsonarismo por patrocínio. Será um verdadeiro recenseamento, com precisão estatística. Não importa a falta de homogeneidade, cada bolsonarista sabe precisamente o seu tipo.

Alguns são remanescentes do encantamento pelo já superado discurso de combate à corrupção; outros por serem apaixonados pelo porte e potência das armas; uns da direita sectária; outros, terrivelmente militantes religiosos. Todos pela adesão irrestrita ao seu profeta.

Celso Russomanno (Republicanos), cansado de insistir em derrotas sucessivas, precedidas por triunfais pole positions em pesquisas eleitorais, viu no apoio do presidente a chance de dar uma identidade à sua candidatura. O esquema agradou a Bolsonaro, que havia liquidado seus grupos organizados em São Paulo de quem se afastou com desdém ao chegar à Presidência.

Um arranjo de mão dupla demonstrará o efeito deste apoio. No primeiro, Russomanno é o beneficiário. Tenta empurrar Bolsonaro, em seu lugar, no ataque ao seu adversário direto, Bruno Covas (PSDB), ao mesmo tempo em que força a transformação do presidente em alvo. Nas últimas 48 horas, Russomanno insistiu mil vezes que a coligação de Covas é a frente paulista anti-Bolsonaro. O presidente, popular e fortão, segue na frente, e o candidato a prefeito fica um passo atrás, livre das escaramuças.

Vera Magalhães - Vacina em novembro

- O Estado de S.Paulo

Erradicação da loucura que assola o mundo tem de começar pela eleição dos EUA

Parecia impossível que algum líder mundial fosse superar o festival de loucuras que Jair Bolsonaro protagonizou durante a pandemia do novo coronavírus, subindo em lombo de cavalo, promovendo aglomerações, indo a atos antidemocráticos, mostrando cloroquina para as emas, etc.

Mas aconteceu. Desde que foi diagnosticado com covid-19, na semana passada, Donald Trump deixou o pupilo brasileiro no chinelo em termos de impostura e inadequação não apenas ao cargo que ocupa e ao qual se agarra com unhas e dentes, mas também aos princípios básicos de civilidade e convívio público no curso de uma emergência sanitária.

O homem mais poderoso do planeta foi internado na sexta-feira com muitas dúvidas pairando quanto à data exata de seu diagnóstico, se ele promoveu eventos já sabendo que estava doente ou a gravidade do quadro antes e depois de ser hospitalizado. 

À falta de transparência inimaginável para um País que se gaba de ser o berço e o guardião da democracia ocidental se somou a boçalidade desvairada.

Desesperado diante do revés da doença quando fazia questão de zombar dela, vender tratamentos mandrakes e defender e praticar comportamentos sociais irresponsáveis, Trump quis se mostrar forte. 

Para isso, expôs assessores, seguranças e equipe do hospital a risco de contaminação. O carro em que ele fez o desfile patético é blindado inclusive para ataques químicos e biológicos, o que significa dizer que, se nada entra, tampouco sai. A carga viral de um presidente doente ficou toda concentrada no interior do carro, sujeitando os demais ocupantes a riscos.

Luiz Carlos Azedo - De bem com o teto

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Parece incrível, a velha política de conciliação começa a dar o ar de sua graça novamente, nas articulações de bastidor, envolvendo o governo Bolsonaro, o Congresso e o Supremo 

Um dos períodos mais turbulentos da História do Brasil foi o regencial, entre a abdicação de D. Pedro I, em 1831, e o Golpe da Maioridade de D. Pedro II, então com 15 anos, em 1840. Os liberais reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador. Foi um período em que a integridade territorial do Brasil e a monarquia andaram ameaçadas por rebeliões sangrentas: Cabanada (1832-1835), em Pernambuco; Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul (República Rio-grandense) e em Santa Catarina (República Juliana); Cabanagem (1835-1840), no Pará; Revolta dos Malês (1835); Sabinada (1837-1838), na Bahia; Balaiada (1838-1841), no Maranhão.

Nesse ambiente, ao assumir o governo, o jovem imperador D. Pedro II foi apoiado e prestigiou a presença de liberais no ministério, mas os escândalos de violência e corrupção nas eleições provocaram a dissolução do gabinete liberal e convocação dos conservadores de volta ao poder. Como as disputas entre ambos continuaram, a alternativa foi D. Pedro II buscar uma posição de equidistância e formar um gabinete com figuras ilustres das duas correntes políticas. Foi assim que nasceu o Ministério da Conciliação, em 1853, encabeçado pelo mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná. Apesar de ter-se extinguido formalmente em 1858, esse sistema de alianças se manteve até a década de 1870, marcando o apogeu do período imperial, financiado pelos recursos advindos da exportação do café. As pressões decorrentes da Guerra do Paraguai (1864-1870) e o crescimento das lutas pela abolição da escravidão levariam à ruptura da conciliação, resultando na criação do Partido Republicano por setores liberais mais radicais, em 1870.

Ricardo Noblat - Bolsonaro infecta o Supremo com a nomeação de Kassio Nunes

- Blog do Noblat | Veja

Os danos colaterais serão enormes

Algumas perguntas a respeito da surpreendente nomeação do desembargador Kassio Nunes Marques para ministro do Supremo Tribunal Federal já havia sido respondidas. Como o nome dele chegou ao presidente Jair Bolsonaro? Foi levado pelo advogado Frederick Wassef, aquele que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa de Atibaia, e avalizado pelo senador Flávio Bolsonaro.

Quem conduziu Kassio pela mão para audiência no Palácio da Alvorada com Bolsonaro? Foi o senador Ciro Nogueira, presidente do Partido Progressista, um dos líderes do Centrão, e alvo de ações da Lava Jato. Kassio apresentou-se como candidato a uma vaga de ministro no Superior Tribunal de Justiça, que é o que ele era. Bolsonaro gostou da conversa e decidiu: “Vai para o Supremo”.

Faltava resposta pelo menos a uma pergunta: por que a pressa de Bolsonaro em nomear Kassio se a vaga do ministro Celso de Mello, o decano do Supremo, se ele só se aposentará na próxima semana? Seria uma descortesia, mas não só. Seria romper com a praxe seguida pelos presidentes anteriores de gastar algum tempo para refletir melhor sobre os nomes de aspirantes à vaga.

Bruno Boghossian - Bolsonaro nos extremos

- Folha de S. Paulo

Reação do presidente a ataques da ultradireita é sinal político relevante

Sob fogo, Jair Bolsonaro correu para fazer um aceno aos segmentos mais conservadores de seu eleitorado. No púlpito de um templo da Assembleia de Deus, o presidente dobrou a aposta: prometeu nomear para o Supremo no ano que vem não apenas um ministro terrivelmente evangélico, mas um pastor, e sugeriu que as sessões do tribunal deveriam começar com uma oração.

O recado não era direcionado só a líderes e fiéis que acompanhavam o evento, na última segunda (5). Bolsonaro tenta mostrar aos militantes de sua base ideológica mais agressiva que mantém um compromisso com sua agenda, apesar da aproximação do governo com o centrão e da escolha de Kassio Nunes para o STF.

Apesar da aparente troca de pele, Bolsonaro sabe que não pode abrir mão nem dos 30% de brasileiros que se declaram evangélicos, nem dos líderes radicais que mobilizam as franjas dessa base. Não foi coincidência ele ter dito que está especialmente chateado com o pastor Silas Malafaia, autor recorrente de campanhas de mentira e ódio nas redes.

Fernando Exman - Guedes continua sob ataque especulativo

- Valor Econômico

Modelo de superministérios é alvo de críticas

Brasília enfrenta por estes dias aquela época do ano marcada pela extenuante transição entre a seca e o início da temporada de chuvas. A estiagem chega ao seu ápice, pelo menos do ponto de vista de quem habita a capital federal construída no meio do cerrado, com taxas de umidade relativa do ar que se aproximam dos 10%. A torcida geral é para que qualquer chuvisco seja o prenúncio de um período mais fértil, mas o tempo é traiçoeiro e pode decepcionar os mais ansiosos. Neste clima insistentemente árido se desenrolou o jantar de segunda-feira promovido para reaproximar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes, da Economia.

Para quem desejava ter notícias positivas, até que chuviscou. Gestos públicos foram feitos: o presidente da Câmara desculpou-se por chamar o chefe da equipe econômica de “desequilibrado”. Guedes, por sua vez, reconheceu os trabalhos prestados por Maia desde fevereiro do ano passado para assegurar a aprovação de itens da agenda econômica e outros projetos de interesse do governo.

Poucas horas depois do encontro, não se fala em vencedor ou derrotado. O jantar serviu a ambos, que buscavam um reposicionamento no jogo e podem ter percebido que, juntos, têm mais a ganhar neste momento.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira* - O tratado da mentira ou como Pinóquio foi superado

- O Estado de S.Paulo

Não deve haver quem diga ao presidente o que deveria ouvir em prol de seu governo e do Brasil

Nós sabemos que a política, pela voz de seus agentes, não é o melhor veículo da verdade. A fidelidade à realidade não se apresenta como sua característica mais marcante. Assim é, sempre foi e será. 

No entanto, existem limites claros e bem definidos. Há uma ética também no campo da mentira. Aquele que em seu nome infringe regras comezinhas da ética geral e da própria política não pode usar a política como escudo de proteção.

É mais ou menos como a isenção penal dada pela lei ao advogado que pratica os crimes de injúria ou de difamação, na discussão da causa; ao crítico literário que ofende numa crítica literária ou científica; ou ao funcionário público que fornece uma informação ou apreciação ofensiva no cumprimento de um dever de ofício.

Há nesses casos, também, fronteiras que, se ultrapassadas, obrigam ou permitem a punição pelo cometimento de crimes contra a honra. As ofensas do advogado devem estar em sintonia com a causa e com a necessidade para a sua discussão. A crítica literária não fica isenta de censura penal se extrapola o seu campo natural e denota intenção meramente ofensiva. Quanto ao agente público, o mesmo se dá, pois se as apreciações mostrarem o escopo de ofender, e não só de informar, ele deverá responder pelos excessos. 

Assim é em relação à atividade política. O homem público perde a sua imunidade se comete exageros e usa expressões infamantes. Nessas hipóteses, sim, ele perde a sua imunidade.

Zuenir Ventura - A inveja do ministro

- O Globo

Salles deve se corroer ao comparar sua biografia com a de Chico Mendes

Comentando a possível fusão do Ibama com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pretendida pelo ministro Ricardo Salles, o leitor Mario Barilá Filho escreve para advertir que é preciso garantir que o nome do líder seringueiro seja mantido na instituição que resultar dessa operação, cujo objetivo seria apagar qualquer memória da luta do ambientalista pela Amazônia, que causou o seu assassinato. “O ódio de Ricardo Salles por Chico Mendes é comparável ao ódio que os grandes fazendeiros sempre sentiram pela Princesa Isabel.”

Na véspera, Bernardo Mello Franco escrevia em sua coluna o artigo “A segunda morte de Chico Mendes”, em que falava também desse desejo de eliminar o nome do seringueiro da estrutura do governo. E lembrava que Salles, com um mês no cargo, classificou o símbolo da luta pela preservação da Amazônia como “irrelevante”. “Que diferença faz quem é o Chico Mendes neste momento?”

Bernardo Mello Franco - Um Nobel para Raoni

- O Globo

O Comitê Norueguês divulgará na sexta-feira o vencedor do prêmio Nobel da Paz. A edição deste ano tem 318 candidatos. Como reza a tradição, a lista completa é mantida em segredo. Nela está o nome do cacique Raoni Metuktire.

O líder caiapó tem cerca de 90 anos de idade. Sabe-se que ele nasceu no início da década de 1930 na antiga aldeia Kraimopry-yaka, em Mato Grosso. Em 1954, conheceu os irmãos Villas-Bôas e virou porta-voz da causa indígena. Tornou-se um dos principais defensores dos povos da floresta.

Raoni virou celebridade global em 1989, quando fez uma turnê ao lado do cantor Sting. Eles visitaram 17 países em busca de apoio a duas bandeiras: a preservação da Amazônia e a demarcação de terras. Antes disso, o cacique já havia ajudado a inscrever os direitos dos índios na Constituição.

Ruy Castro* - Trump, a bomba humana

- Folha de S. Paulo

Não sejamos cínicos. O mundo não torceu pela recuperação dele

Milhões perderam seus empregos por causa do coronavírus. Donald Trump não. A pandemia não obrigou a Casa Branca a fechar as portas. Em consequência, Trump continuou batendo o ponto, recebendo o salário e contando com as benesses de seu cargo, inclusive a de ter sua vida salva.

Não sejamos cínicos. Foi com euforia que o mundo recebeu a notícia de que ele caíra vítima da doença que já afetou 35 milhões de pessoas e cuja gravidade sempre negou. Nada de condolências ou preces hipócritas pela sua recuperação. Multidões torceram para que ele passasse pelos mesmos horrores que nossos parentes e amigos, como o de ser entubado, e, quem sabe, se juntasse ao mais de um milhão de pessoas que o vírus levou. Entre outros motivos, para que alguém menos irresponsável tomasse as rédeas nos EUA e interrompesse o nefasto exemplo que Trump dá a governantes beócios.

Elio Gaspari - Uma tesourada nos supersalários

- Folha de S. Paulo / O Globo

Teto salarial tem mais buracos do que queijo suíço

A boa notícia foi trazida pela repórter Geralda Doca: a ekipekonômika quer criar recursos para financiar o programa de amparo social impondo um teto salarial para os servidores públicos: R$ 39,2 mil mensais e nem um tostão acima disso. A medida resultaria numa economia de pelo menos R$ 10 bilhões anuais para a bolsa da Viúva. Se essa ideia for em frente, Jair Bolsonaro poderá custear uma parte de seu projeto. Hoje o programa Bolsa Família protege 13,5 milhões de famílias e custa R$ 29,5 bilhões anuais.

O governo é obrigado a respeitar um teto de gastos. No entanto há um teto salarial para os servidores, e ele tem mais buracos do que queijo suíço. Entre setembro de 2017 e abril deste ano, 8.226 magistrados receberam pelo menos um contracheque com valor superior a R$ 100 mil. Em 565 ocasiões, 507 afortunados faturaram mais de R$ 200 mil. Há universidades onde professores sacam salários de R$ 60 mil. Dois ministros de Bolsonaro conseguiram mais de R$ 50 mil mensais.

Vinicius Torres Freire - Sobra dinheiro na poupança

- Folha de S. Paulo

Reservas podem compensar fim dos auxílios, mas não se sabe se todo mundo volta a gastar

Está sobrando dinheiro na caderneta de poupança e aumentou a poupança no país durante a epidemia, como bem se sabe. O que vai ser feito desse dinheiro nos próximos meses vai influenciar o ritmo da despiora da atividade econômica.

Supõe-se que o gasto dessa poupança extra possa compensar, em parte, uma baixa no consumo provocada pela redução do valor do auxílio emergencial e de seu fim, previsto para dezembro. Mas pode ser que as coisas não funcionem assim, como em uma balança de pratos; o que sai por uma porta talvez não seja compensado pelo que entra pela outra.

Antes de mais nada, note-se que o valor dos recursos depositados na caderneta de poupança aumentou R$ 163,7 bilhões de setembro de 2019 para setembro de 2020 (em termos reais, considerada a inflação). Desconte-se desse total o valor dos depósitos que teriam ocorrido “normalmente” (no ritmo em que vinham no anterior ao do início da pandemia). Ainda seriam R$ 143,6 bilhões a mais, em um ano. Equivale a 2% do PIB. É muito dinheiro.

Poupança, ocioso dizer, não significa “depósitos na caderneta de poupança”, mas o que deixou de ser consumido, dada a renda disponível. Além do mais, as pessoas podem ter deixado o dinheiro no até no colchão. Mais provável, o guardaram em um fundo de renda fixa ou em alguns tipos de título do Tesouro Direto, para citar duas versões mais “pop” de uma espécie de conta remunerada. Os mais remediados ou ricos, em investimentos mais complexos.

Míriam Leitão - Governo dá voltas e não sai do lugar

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

O governo adiou mais uma vez o anúncio do Renda Cidadã. Segundo o relator Márcio Bittar, ficará para a semana que vem, mas há quem diga que Bolsonaro prefere decidir somente após as eleições municipais, no final de novembro. Sem dar uma solução para o financiamento do novo Bolsa Família, o clima continuará de volatilidade no mercado, com pressão sobre o câmbio e aumento dos juros da dívida. Nem o encontro de Paulo Guedes com Rodrigo Maia animou o mercado. A bolsa abriu em ligeira alta mas, nas palavras de um investidor, “ninguém acredita mais em historinhas”. É preciso colocar os números na planilha e provar que não haverá estouro do teto de gastos.

Quem participou do jantar com Guedes e Maia na noite de segunda-feira disse que o clima no encontro foi de franqueza e de que “não havia tempo a perder” na agenda de reformas. Mas faltou combinar com o presidente Bolsonaro, que está mais preocupado com as eleições e não quer correr o risco de perder apoio ao cortar benefícios de outros programas sociais. Por ora, o auxílio emergencial é suficiente para garantir sua popularidade, especialmente no Nordeste, até o dia da votação, e na visão de Bolsonaro a crise fiscal pode esperar.

Monica De Bolle* - Trump e o vírus

- O Estado de S.Paulo

O embate travado entre Trump e o vírus poderá, portanto, ser a batalha decisiva dessas eleições

Há uma semana estava eu escrevendo a coluna antes do primeiro debate entre Trump e Biden. Embora não soubesse que seria o show de deselegância, truculência, e falta de educação que foi, disse que o debate em si pouco mudaria o cenário eleitoral nos EUA por duas razões: muitos eleitores já estavam decididos e a eleição de fato já havia começado – em alguns Estados, é possível votar antes do dia 3 de novembro, assim como se pode enviar o voto por correio. No dia seguinte, quando a coluna foi publicada no jornal, fiz um post-mortem do debate no meu canal do YouTube. Mal sabia que tudo estava prestes a virar de ponta cabeça já que àquela altura – do pouco que se sabe sobre a linha do tempo – Trump já estava infectado. De lá para cá, soubemos que a Casa Branca se tornou um “covidário”, que no evento de nomeação da indicada para a Suprema Corte várias pessoas do círculo íntimo de Trump se infectaram, que o homem inabalável – imagem que adora projetar de si – passou três dias no hospital com o que parece ser um quadro mais grave de covid-19 do que os médicos estão dispostos a revelar.

Tiago Cavalcanti* - O valor da biodiversidade

- Valor Econômico

Como qualquer gestor de riscos temos o dever de minimizar a possibilidade de perdas irrecuperáveis

A minha família é de ativistas ambientais. Eu, apesar de ser amante da natureza e das atividades integradas à mesma, nunca fui ativista ambiental. Escrever sobre a questão para mim não é fácil. Mas o tema é importantíssimo e não podemos nos omitir.

De acordo com os cientistas, nunca na história da humanidade a biosfera, que é o conjunto de todos ecossistemas a garantir e sustentar a vida humana, esteve tão ameaçada.

A natureza, de forma geral, provê a energia necessária para as nossas atividades, os alimentos para o consumo e as matérias primas para os bens que produzimos. Além disso, a natureza regula nosso clima e a degradação do meio ambiente está intimamente ligada à proliferação de vírus que podem ser transmitidos dos animais para os humanos.

Assim, a destruição crescente da biosfera implica risco sistêmico à nossa existência. Representa pelo menos grave ameaça à forma de vida que atualmente conhecemos, levando em conta que o progresso econômico trouxe vários benefícios para a humanidade.

Dada a pandemia que estamos vivendo e a confirmação de mais de 1 milhão de mortos no mundo pelo novo coronavírus, em menos de um ano, parece até inverídico falar sobre a transformação que tivemos na nossa saúde nos últimos 100 anos.

O economista escocês Angus Deaton, prêmio Nobel de economia de 2015, caracteriza esses últimos dois séculos da história humana como a “grande fuga”, em que pudemos superar diversos obstáculos que ameaçavam a vida humana (ex., doenças e conflitos) e estender de maneira notável a vida média de cada cidadão na terra.

Hélio Schwartsman - O fim da epidemia

- Folha de S. Paulo

Será um fenômeno muito mais psicológico do que físico

A pandemia foi deflagrada por uma causa muito concreta, o Sars-CoV-2, mas seu fim será um fenômeno muito mais psicológico do que físico. A esta altura, acho que ninguém mais acredita que o vírus possa ser eliminado. Ele está se tornando endêmico e deve permanecer entre nós por muito tempo, cada vez menos perigoso, espera-se. E é a sensação de segurança que ditará o ritmo da volta ao normal pré-pandêmico.

Há motivos para cautelosa esperança. Os médicos vão aprendendo a tratar os diferentes quadros críticos que a doença é capaz de provocar. A mortalidade do paciente grave já caiu significativamente do início da epidemia para cá.

Lígia Bahia - Consensos e omissões na saúde

- O Globo

Programas de candidatos são imprecisos e medrosos

As cidades são responsáveis diretas por parte da oferta de serviços e financiamento das ações de saúde. Em 2019, 23% das internações, 44% dos procedimentos ambulatoriais e 30% dos recursos financeiros para o SUS foram originados nos municípios brasileiros. Além da geração de atividades e receitas próprias, os municípios recebem repasses da União e estados e realizam convênios com instituições públicas, filantrópicas e privadas.

Como a procura por cuidados e a insatisfação com o atendimento ocorrem nos municípios, as eleições para prefeitos e vereadores propiciam um debate objetivo sobre saúde, especialmente ao coincidirem com uma crise sanitária global. A maioria dos 14 programas que concorrem à prefeitura do Rio de Janeiro menciona consequências da transmissão da Covid-19 e contém propostas concretas e coincidentes para ampliar a saúde pública.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

O alarme contra a crise fiscal – Opinião | O Estado de S. Paulo

O alarme soa com instabilidade do dólar e dos juros futuros, mas se dissipa na Praça dos Três Poderes.

Um novo desastre fiscal, com as contas públicas em frangalhos e a dívida pública disparada, pode levar o País a uma crise mais funda, alertam grandes bancos, investidores, analistas de mercado e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O alarme soa no dia a dia, com o sobe e desce do dólar e a instabilidade dos juros futuros, mas o barulho se dissipa, quase sem efeito, na Praça dos Três Poderes. Nesse estranho enclave no centro do País, alguém se lembra de vez em quando, ou é lembrado, de preceitos meio cabalísticos, como uma estranha regra de ouro e um inoportuno teto de gastos.

Relatórios do Deutsche Bank, do Itaú Unibanco e do Bradesco, citados em reportagem do Estado, chamam a atenção, mais uma vez, para o desafio de conter a expansão do buraco fiscal e da enorme dívida pública. Mas o presidente Jair Bolsonaro parece ter pouco tempo – quase nenhum – para preocupações desse tipo. Cuidar da reeleição tem sido sua atividade principal, e uma fonte de sustos e inquietações para o mercado e para muitos analistas da economia brasileira.

Discussões sobre como financiar a Renda Cidadã, concebida como grande bandeira eleitoral, têm ocasionado frequentes sobressaltos. Brigas entre ministros por causa da gestão do dinheiro público também inquietam investidores e analistas. Além disso, o mercado reage mal quando se fala de investimentos eleitoreiros, obviamente imaginados como pretextos para viagens presidenciais. Não se trata, é claro, de planos de obras estratégicas para o desenvolvimento, até porque esses conceitos são estranhos ao mundo bolsonariano.

Dólar mais caro, aumento de custos e expectativa de juros mais altos no médio e no longo prazos são alguns dos efeitos dessa inquietação. O Banco Central (BC) tem chamado a atenção, em seus comunicados, para o risco de juros em alta se o mercado perder confiança na gestão das contas públicas.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto oco


Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.