quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Entrevista | Luiz Werneck Vianna*: “É muito atraso. É preciso um novo despertar”.

Por: Patricia Fachin e João Vitor Santos | IHU On-Line, 18 Novembro 2020

Eleições municipais não trataram do fundamental: renda básica e emergência climática

Apesar de ainda não ser predominante em termos de números, a "mensagem espiritual" do "aleluia, aleluia e a luta continua com Crivella" é a que tem atraído pessoas com inúmeras frustrações para os "cultos materialistas dos neopentecostais". Numa sociedade “hedonista e consumista”, cuja parcela significativa das pessoas vive para garantir a “sobrevivência material do cotidiano”, não é de se surpreender que a política seja exatamente o que é: atrasada, e que a religião, aos poucos, deturpe não só o cristianismo, como a realidade para manter tudo como está.

Diante desse cenário, o sociólogo Luiz Werneck Vianna, que da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio observa a realidade política brasileira, faz um alerta: "É preciso, sim, uma revisão profunda na orientação dos que cultuam valores mais permanentes, mais humanos, mais universais. É preciso encontrar algum espaço". Nas eleições municipais deste ano, destaca, não vimos nada nesse sentido. Ao contrário, "a eleição foi a representação de um sentimento de inconformidade da população com tudo que aí está".

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o sociólogo chama a atenção para o atraso da política brasileira, completamente alheia às urgências do país do ponto de vista social, ambiental e de saneamento. A superação do atraso político no país, adverte, virá somente se dermos um passo de cada vez e, nessa caminhada, sugere, "precisamos de uma jovem inteligência da qual se pode esperar alguma coisa nova, especialmente com origem nas universidades".

 Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que o resultado das eleições municipais deste ano revela sobre a política e a democracia de nossos tempos?

Luiz Werneck Vianna – As eleições foram um banho de saúde na política brasileira. Revelam um pouco da verdade excessivamente existente no nosso mundo político; o que também não é nada de espetacular. Num país conservador, com voto conservador, o DEM aparece como um partido forte, com outras credenciais para a disputa presidencial mais à frente, em 2022. A esquerda foi dividida, está sem programa. A eleição foi a representação de um sentimento de inconformidade da população com tudo que aí está. Há uma esperança de que algo melhore com os candidatos de esquerda, mas eles não têm programa, não têm capacidade de articulação, não têm alianças.

No Rio de Janeiro, se juntarmos os três candidatos de esquerda, cria-se um segundo turno, dada a divisão entre PTPDT e PSOL. Essa divisão levou ao segundo turno, de modo que há alguns presságios no ar: nada de espetacular, mas terra à vista. É possível seguir nesta direção em que estamos e chegarmos a um porto, passo a passo. Essa eleição foi mais um passo.

Ela também precisa ser vista no contexto das eleições americanas, que produz uma certa animação dos setores democráticos a partir do que se passa na potência hegemônica. A influência do governo Trump no mundo embaraçava as forças democráticas e impedia as possibilidades de avanço. A remoção [de Trump], que ocorrerá em breve, abre uma bela janela de oportunidades.

IHU On-Line – O que tende a mudar nas relações do governo brasileiro com o novo governo americano de Joe Biden?

Luiz Werneck Vianna – Abre uma janela de oportunidades imensa. Uma coisa interessante a ver nessa eleição é que, apesar de o tema ambiental ter tido um papel muito importante nas eleições americanas e nas eleições europeias recentes, essa questão em particular não ocupou papel relevante na agenda dos candidatos brasileiros. Nenhum partido levantou essa bandeira, em que pese a situação da Amazônia e o que ocorre em matéria de saneamento básico.

Os partidos brasileiros ambientalistas se dissolveram, a própria Marina está num lugar remoto nessa política. A ausência da agenda ambiental nessas eleições é um dado importante. A esquerda precisa descobrir temas, se comportar de forma inovadora. A esquerda está completamente defasada.

Vamos ver se receberemos algum alento a partir de agora para ver se avança e melhora. Mas não há que se pensar numa esquerda exercendo um papel de protagonismo nas eleições.

Merval Pereira - Contra a democracia

- O Globo

O presidente Bolsonaro entrou em um terreno perigoso ao insinuar, tendo como pretexto o atraso da apuração da eleição municipal pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não temos um sistema confiável. “Temos que ter um sistema de apuração que não deixe dúvidas”, afirmou a seus seguidores na porta do Palácio da Alvorada. O presidente já havia feito uma afirmação irresponsável em março, denunciando que houvera fraude na eleição de 2018, que ele venceu, e prometeu apresentar as provas.

Agora, ele volta a insinuar irregularidades, e nem se lembra de mostrar as supostas provas que disse que tinha. Com a declaração do ministro Luis Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do TSE, de que os ataques cibernéticos que teriam sido repelidos pelo sistema de segurança do tribunal teriam sido praticados pelos mesmos grupos que estão sendo investigados em inquéritos no Supremo sobre distribuição de fake news e manifestações antidemocráticas ao Congresso e ao próprio Supremo, ganha uma dimensão maior a insinuação do presidente Bolsonaro.

Rosângela Bittar - Entre na roda

- O Estado de S. Paulo

Projetando-se do presente ao futuro, dominam a cena as forças moderadas

Daqui a pouco passa. Vitoriosos (muitos) e ressentidos (poucos) terão de voltar à vida política não eleitoral: crise econômica, desemprego, agravamento da pandemia, fome, desigualdade. O calendário de 2022 ficará suspenso. Porém, as marcas dos acontecimentos do momento não se apagam.

A fotografia: o presidente Jair Bolsonaro domina a cena do momento estático. Com derrotas em série, só se têm dele flagrantes desarticulados. Em menos de dois anos da introdução de sua era política foi desautorizado em pensamentos, palavras e obras. Seu mundo, lá fora, também ruiu, o que torna ilusão tudo o que representa. Mas não convém esquecê-lo. No comando do governo, prosseguindo no seu fazer nada, será um populista incompetente e descompromissado com a realidade. Porém, se quiser, recupera-se. E não tem só dois minutos, são mais dois anos inteiros. Tempo suficiente para criar um salário emergencial para todos e transferir as suas culpas ao Congresso, como é de costume. Não precisa de condições políticas para voltar à roda, já deixou claro que não é piloto nem passageiro de sua própria nave.

O filme: em movimento dinâmico, projetando-se do presente ao futuro, dominam a cena as forças moderadas, os democratas da esquerda à direita que conquistaram a adesão popular na condenação aos extremos.

Vera Magalhães - Novo começo de era?

- O Estado de S. Paulo

Disputa em São Paulo mostra que tutela de padrinhos é dispensável

É redutor atribuir o bom nível do debate entre Bruno Covas e Guilherme Boulos ao fato de serem dois políticos moderados. O adjetivo é impreciso para rotular dois políticos com características, trajetórias e propostas tão distintas.

Além do que, avaliar suas chances e seus projetos para São Paulo a partir de uma palavra tão vaga não faz jus ao momento rico e importante que a improvável eleição da pandemia acabou por provocar.

Covas é um político de centro. As circunstâncias dos diferentes momentos de sua carreira política – deputado, vice-prefeito, prefeito – mexeram esse ponteiro ora para a centro-esquerda, ora para a centro-direita.

Apostou, quando assumiu a cadeira de prefeito, que, no embalo da eleição de Jair Bolsonaro e do próprio João Doria, enfrentaria um adversário da direita neste ano.

Vestiu um figurino de social-democrata a partir dessa avaliação, e procurou se distinguir do “Bolsodoria”, o personagem que seu correligionário vestiu em 2018, e rapidamente caiu em desuso depois da posse.

O drama pessoal que viveu e a pandemia foram novas oportunidades para Covas procurar mostrar personalidade dentro do PSDB paulista, resgatando a imagem do avô, inclusive. 

Luiz Carlos Azedo - Efeitos colaterais

- Correio Braziliense

Lucena (duas vezes), ACM (duas), Sarney (quatro) e Renan (quatro) presidiram o Senado mais de uma vez, mas nunca foram reeleitos na mesma legislatura; existe, porém, precedentes na Câmara

O primeiro impacto das eleições municipais na política nacional se dará nas disputas pelas Mesas do Congresso, principalmente a da Câmara. Do ponto de vista da composição das duas Casas, não houve grande mudança na correlação de forças, apesar dos suplentes que deverão assumir, porém, o desempenho dos partidos na eleição de prefeitos e vereadores, que estão na base da reprodução e renovação dos mandatos dos deputados, influencia — e muito — os humores dos congressistas. As articulações para o comando do Senado e da Câmara ganharam nova dinâmica já a partir desta semana.

A premissa a se resolver é a questão da reeleição na mesma legislatura, que a Constituição de 1988 proíbe. Um parecer da consultoria jurídica do Senado diz que o assunto é regimental e que, portanto, dependeria apenas de decisão dos senadores. Essa questão, porém, será dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As articulações para que os ministros do Supremo lavem as mãos, como Pilatos, seguem o percurso que todos conhecem: as relações entre senadores e ministros, tecidas ao longo do tempo. Entretanto, não dá para apostar que o Supremo aceitará a mudança das regras de jogo, pelo precedente que abre.

Vinicius Torres Freire – Eleição municipal enterra a polarização?

- Folha de S. Paulo

Resultado das urnas torna ainda mais difícil a ideia de criar 'frente ampla' contra Bolsonaro

Quem ganhou a eleição municipal? A mera massa de números de conquistas locais de cada partido não diz grande coisa.

Além do mais, as reviravoltas de Junho de 2013 e a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 deveriam incentivar alguma modéstia na especulação e dos politólogos. Mas os resultados das municipais já motivam rearticulações, reavaliação de estratégias e reivindicações de poder.

O que parece menos incerto?

Em termos de prefeituras conquistadas, a esquerda se tornou nanica e mais fragmentada. PT, PC do B e PSB (esquerda rosa-chá) perderam muitas prefeituras; nesse quesito, o PSOL ainda praticamente inexiste. O PDT se manteve mal e mal.

A esquerda teve e pode ter outras vitórias simbólicas relevantes, abrindo uma fresta para respirar na tumba em que está metida. Terá disputas duras em Recife, Porto Alegre, Belém e Vitória e uma quase impossível, em São Paulo.

Ainda assim: 1) ficou evidente que o eleitorado de grandes cidades está disposto a caminhar no “campo progressista”; 2) partidos como o PSOL voltaram a fazer o papel da esquerda, que é levar o povo miúdo para o governo, como o PT já fez de modo extensivo um dia.

Bruno Boghossian – O carimbo da negligência

- Folha de S. Paulo

Presidente fala grosso com compradores estrangeiros, mas facilita vida de desmatadores

Jair Bolsonaro quase fingiu interesse na preservação ambiental. Durante a cúpula dos Brics, o presidente prometeu divulgar "nos próximos dias" uma lista de países que recebem madeira extraída ilegalmente no Brasil. O objetivo do discurso era alimentar uma picuinha internacional, mas a ameaça expôs ainda mais a negligência do governo no combate ao desmatamento.

Seria uma boa notícia se as autoridades brasileiras fechassem o cerco ao mercado milionário de extração ilegal na Amazônia. Bolsonaro, no entanto, só parece interessado numa das pontas dessa cadeia. O presidente quer falar grosso com os compradores estrangeiros, enquanto facilita o trabalho dos vendedores.

Desde o início do mandato, o governo sabotou operações contra o desmatamento. Bolsonaro trabalhou para impedir a destruição de máquinas usadas em atividades criminosas. No ano passado, ele ouviu uma queixa de madeireiros e gravou um vídeo em que prometia dificultar o cumprimento dessa norma.

Ricardo Noblat - Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa

- Blog do Noblat | Veja

Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo

Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.

Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.

O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.

Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.

Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.

Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.

Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.

Monica De Bolle* - Estupidez brutal

- O Estado de S.Paulo

Brutal e renitente. O melhor a fazer, por certo, é ignorá-la com a leveza do mais absoluto descaso

Daqui dos EUA de onde escrevo, a bruma da estupidez, do negacionismo, da incompetência já começou a se dissipar. Sim, Trump ainda é presidente, mas ele e seus asseclas não dominam mais as páginas dos jornais. De um lado, isso acontece porque Trump, apesar de sua frívola judicialização eleitoral, já desistiu de presidir o país dois meses antes da posse de Joe Biden. De outro porque o presidente eleito tem ocupado os espaços com anúncios sobre quem vai compor o seu governo, quais serão as medidas prioritárias, o que fará para combater a terceira e a mais terrível onda da pandemia, e como pretende resguardar a economia. No Brasil, ao contrário do que ocorre ao Norte, a estupidez brutal corre sem rédeas.

Que a estupidez brutal impere não é uma surpresa. Ninguém espera que esse governo que está aí aprenda o que quer que seja, até porque sua incapacidade já se revelou tamanha que todas as máscaras caíram. As eleições municipais deram sinais – ainda tênues, é verdade – de que a população pode estar começando a se cansar das gritarias, dos absurdos, dos desditos. 

As pessoas querem políticas públicas, clamam por uma agenda, uma estratégia, um plano, qualquer coisa, enfim, que permita um vislumbre dos rumos do País e da vida de cada um quando 2021 chegar. E 2021 é o ano em que o Brasil estará lidando com desafios simultâneos: o de uma campanha eleitoral precoce para 2022 e o de uma segunda onda da pandemia. A segunda onda da pandemia é tão certa quanto a existência do vírus que a provoca. Ela já está evidente em vários números: o de leitos ocupados nos hospitais, o de novos casos, o de óbitos. Mesmo assim, há quem a negue.

Fernando Exman - Frente de prefeitos contra o isolamento

- Valor Econômico

Bolsonaro quer apoio para pressionar governos estaduais

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Anda reclamando da vida até mesmo em eventos públicos e conversas informais com os apoiadores que fazem plantão em frente ao Palácio da Alvorada.

O presidente tinha confiança no peso do seu voto e achou que poderia fazer uma entrada triunfal no fim da campanha. Fracassou. Elegeu poucos aliados e agora terá que observar, pacientemente, adversários questionarem seu prestígio político. No entanto, neste momento preocupa-o, sobretudo, como os prefeitos eleitos enfrentarão a pandemia a partir de 2021. Desenha-se a tentativa do presidente de construir uma frente municipalista formada por prefeitos dispostos a promover a reabertura das atividades econômicas, a despeito de eventuais orientações partidárias ou determinações dos governadores.

Esta é uma questão crucial para o governo federal. Pouco se sabe o que o ministro da Saúde pensa a respeito, mas na equipe econômica já se fala de imunidade de rebanho. No Planalto, teme-se que uma segunda onda de covid-19 leve os entes subnacionais a adotarem novas medidas de isolamento social, o que atrapalharia a retomada da atividade econômica.

Também por isso o presidente ignorou a recomendação de alguns auxiliares e acabou decidindo ampliar a campanha para além do seu grupo político mais próximo. Mal sabia o número ou a legenda daqueles que estava promovendo. Insistia, por outro lado, que os eleitores escolhessem quem estivesse disposto a pressionar os governadores contra a adoção de novas medidas de isolamento social.

Cristiano Romero - A nova onda

- Valor Econômico

Enfrentamento da pandemia agora será muito mais difícil

A segunda onda da pandemia no Brasil já é uma realidade. Em São Paulo, segundo revelou a esta coluna o secretário de Fazenda do governo estadual, Henrique Meirelles, o número de internações nas redes hospitalares pública e privada em São Paulo cresceu 18% neste mês. Isso já caracteriza uma retomada forte do contágio da população pelo novo coronavírus. Aparentemente, a faixa da população mais afetada tem sido as classes A e B, mas não surpreenderá ninguém se, em breve, as estatísticas mostrarem o aparecimento massivo de casos de covid-19 também entre as camadas menos favorecidas da população.

O que é ruim para os Estados Unidos, onde a segunda onda da pandemia tem feito a nação mais rica do planeta bater recordes seguidos de novos casos por dia e mortes, não deveria sê-lo para o Brasil, o vice-campeão no desonroso torneio de quem dá mais vexame nesta crise sanitária. Meirelles afiança que São Paulo adotou os mais rigorosos protocolos de segurança do país, antes de autorizar o relaxamento do isolamento social, especialmente, para as empresas interessadas em voltar o mais rapidamente possível às atividades normais, o que inclui o trabalho presencial.

Míriam Leitão - Erro amazônico de Bolsonaro

- O Globo

Oitenta por cento da madeira que sai da Amazônia é comprada pelo próprio Brasil. Há muitos anos o Imazon vem acompanhando o destino do que é extraído da floresta, e a exportação chega no máximo a 20%. Esse é o primeiro erro, mas não o único, da fala do presidente Bolsonaro ontem na reunião dos Brics. Seu próprio governo é responsável por ter facilitado a exportação de madeira ilegal ao eliminar exigências de verificações portuárias. O trabalho da Polícia Federal de desenvolver tecnologia para identificar a origem da madeira é excelente notícia, mas ela aumenta a responsabilidade do Brasil, ao contrário do que imagina Bolsonaro.

A imensidão amazônica do que o presidente da República desconhece da questão ambiental e climática se vê nas próprias palavras dele. Na frente dos chefes de Estado dos Brics ele exibiu seus complexos de perseguição e suas obsessões:

— Estamos comprometidos no tocante à emissão de carbono, um assunto muito particular do Brasil, tendo em vista os injustificáveis ataques que nós sofremos no tocante à nossa região amazônica.

O Brasil não tem sido atacado. O governo dele é que tem errado completamente na questão ambiental — entre outras áreas — por não ter entendido o tempo presente. Um tempo em que o Brasil só tem a ganhar se proteger o patrimônio ambiental. O que se perde de riqueza para o acúmulo de fortunas de bandidos é uma enormidade.

Elio Gaspari - Foi o dedo de Frei Orlando

- O Globo | Folha de S. Paulo

A fala de Pujol, acompanhada por manifestações dos comandantes da Marinha e da Força Aérea, foi um sinal necessário

Três dias antes do naufrágio eleitoral da jangada de Jair Bolsonaro, o comandante do Exército, general Edson Pujol, disse que a tropa não se mete na política e que a política não deve entrar nos quartéis. Essa coincidência só pode ser atribuída a uma interferência de Frei Orlando, o capelão franciscano do 11º Regimento de Infantaria que tomou um tiro na Itália em fevereiro de 1945, dias antes do ataque a Monte Castelo, e tornou-se patrono da assistência religiosa do Exército. Se Pujol tivesse dito o que disse quatro dias depois da eleição de domingo, a leitura seria toda outra.

Em dois anos de governo, Bolsonaro levou as Forças Armadas do paraíso ao purgatório. Décadas de distanciamento e relativo silêncio foram substituídas por militâncias desconexas em torno de um presidente errático, nepotista, com um pé na superstição. Laboratórios do Exército receberam ordem para fabricar cloroquina. Felizmente, o capitão desistiu da promessa de visitar, nos Estados Unidos, a empresa de militares aposentados que pesquisava a transmissão de energia elétrica sem fio. Para quem acredita em lendas da floresta, essa mágica teria impedido o apagão do Amapá.

A fala de Pujol, acompanhada por manifestações dos comandantes da Marinha e da Força Aérea, foi um sinal necessário, cuja eficácia dependerá do prosseguimento de um exercício diário de chefia e disciplina.

Zuenir Ventura -A hora da autocrítica

- O Globo

No segundo turno, parece que vai predominar o pragmatismo

Nesses oito meses de confinamento, saí de casa três vezes: uma para ir ao dentista, outra para consulta médica e a terceira, no domingo, para votar. Não era obrigado, por causa da idade, mas fiz questão. Pertenço a uma geração em que o ato de votar foi até proibido. Por isso, mais do que dever, eleição para mim é um prazer cívico, principalmente quando se trata de nossa cidade.

Adriana Calcanhotto cantou: “Cariocas são bonitos/ Cariocas são bacanas/ Cariocas são sacanas/Cariocas são dourados”. Ela poderia acrescentar: “Cariocas não sabem votar”. Na história recente do Rio de Janeiro, há pelo menos o caso de cinco ex-governadores que chegaram a ser presos acusados de corrupção: Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Moreira Franco. O mais recente, Wilson Witzel, foi afastado e está sob ameaça de impeachment. Embora tenha levado o Rio ao fundo do poço, Marcelo Crivella não foi preso e, graças a uma Câmara de vereadores amigos, escapou do impeachment. Agora, ele vai tentar a reeleição com o apoio reticente de Bolsonaro e de sua base evangélica, ou seja, neopentecostal.

Bernardo Mello Franco - Derrotados sem concorrer

- O Globo

É possível perder uma eleição sem disputá-la? No domingo, Jair Bolsonaro não foi o único a mostrar que sim. No Rio e em São Paulo, dois líderes do campo progressista abriram mão de se candidatar a prefeito. Ao fugir da raia, eles frustraram aliados e levaram seus partidos a encolher nas urnas.

Marcelo Freixo, do PSOL, tinha boas chances de se eleger no Rio. Em maio, surpreendeu ao desistir da candidatura. O deputado alegou que a esquerda não se uniu para apoiá-lo. Era uma meia verdade. O PT já havia topado uma aliança, com Benedita da Silva como vice.

Freixo indicou o pastor Henrique Vieira para substitui-lo. Foi uma operação desastrada. O escolhido não havia transferido o domicílio eleitoral de Niterói para o Rio. A chapa sobrou para Renata Souza, que não teve tempo para se tornar conhecida.

Em setembro, Freixo ensaiou um retorno depois que operações policiais atingiram Eduardo Paes e Marcelo Crivella. Era tarde demais. Num partido em que a questão identitária fala alto, não havia espaço para retirar uma candidata negra e feminista.

Cristovam Buarque* - Apagão invisível

Certos apagões são mais visíveis que outros. Quem sobrevoa, à noite, ou caminha, de dia, pelas cidades do Amapá, percebe o apagão de energia elétrica, mas quem anda pelas ruas brasileiras não enxerga o apagão educacional que amarra o progresso econômico e a justiça social no Brasil inteiro ao impedir o desenvolvimento e o uso da energia potencial que há em cada cérebro. O apagão educacional é invisível, porque ele impede tanto sua percepção, quanto a identificação de suas causas. No Amapá, foi um raio, no resto do Brasil foi desprezo histórico à educação.

Recentemente, um trabalho acadêmico mostrou como a cor da pele vai escurecendo na medida em que se segue da Zona Sul para a periferia no Rio de Janeiro. Mas o estudo não diz que o número de anos de escolaridade vai diminuindo quando se caminha dos bairros nobres para os bairros pobres. Não é apenas a cor que escurece, é também o apagão educacional que vai se intensificando. Não deve haver analfabeto entre jovens de Ipanema e a maior parte deles estuda ou já concluiu algum curso superior. Na periferia, ainda é grande o número de analfabetos plenos ou funcionais, e são raros os que fazem cursos universitários, especialmente os mais demandados. A perversa geografia do racismo se sobrepõe e decorre da geografia e do apagão educacional. As pessoas veem a geografia do racismo sem perceberem que ela deriva do nível educacional a que as populações pobres foram condenadas. Além dos resquícios da escravidão, a geografia das raças é consequência da geografia da educação.

Aylê-Salassié F. Quintão* - O Governo está à procura de quem vai pagar a conta

Circulava esta semana, pelo WhatsUpp, um vídeo do pessoal da escola de samba da Portela (Rio) ensaiando para o carnaval. Será?!... Passadas as eleições municipais, entra-se no período de festas de fim de ano. Chega dezembro e, com ele, o Natal. Depois a virada para o ano novo e, em seguida, vem o carnaval.

Teria sido nessa passagem festiva do 2019 para o 2020 que o Covid se espalhou, contaminando cidadãos distraídos pela alegria nas   praças, nas ruas, em clubes, nos estádios e até em residências particulares. Gente chegando e saindo. Resultado, no Brasil: dos mais de 5,8 milhões diagnosticados, 160 mil morreram. Com o isolamento, 5 milhões de empregos desapareceram. O Produto Interno Bruto caiu 9,7 %, e o endividamento público aproxima-se de 100% desse mesmo PIB. Os investimentos despencaram em 73%, e a Lei do Orçamento de 2021 encontra-se presa no Congresso. Anuncia-se para abril sua aprovação. Há um vácuo aí nesse meio.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Como agem os inimigos da democracia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Inconformados com a redemocratização não descansarão enquanto não realizarem sua obra deletéria.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, disse que “milícias digitais entraram em ação tentando desacreditar o sistema” de votação e apuração eleitoral, referindo-se aos ataques virtuais sofridos pela Justiça Eleitoral no primeiro turno das eleições municipais. E o ministro foi além: disse que “há suspeita de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo Supremo Tribunal Federal”.

Trata-se de grave revelação, que demanda investigação policial e punição exemplar dos envolvidos. A suspeita levantada pelo ministro Barroso mostra que estamos diante de um atrevido repto à democracia.

A estratégia desses criminosos é simples: semear a dúvida sobre as instituições democráticas para desmoralizá-las aos olhos dos cidadãos, fortalecendo o discurso autoritário dos que pretendem governar diretamente com o “povo”, sem a intermediação do establishment político-partidário.

A suspeita sobre a lisura do sistema de votação é central nessa estratégia. Os inimigos da democracia a levantam para questionar a legitimidade do resultado da eleição se este lhes for desfavorável. A rigor, segundo essa narrativa, nem haveria necessidade de eleição, pois o único resultado possível de qualquer consulta popular, desde que não haja “fraude”, é a vitória incontestável dos liberticidas.

Ou seja, se o vencedor da eleição não fizer parte dessa gangue será imediatamente desqualificado como representante do povo e será denunciado como preposto do “sistema”, supostamente desenhado para impedir, por meio de maquinações e conspirações, que a vontade popular seja realizada.

Esse embuste obviamente nada tem a ver com democracia. Oposição é fundamental num regime democrático, mas deixar de reconhecer a legitimidade da vitória eleitoral de um adversário é coisa bem diferente: significa negar a alternância do poder, sem a qual tiranos se perpetuam.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade – Rio em flor de janeiro

A gente passa, a gente olha, a gente para
e se extasia.
Que aconteceu com esta cidade
da noite para o dia?
O Rio de Janeiro virou flor
nas praças, nos jardins dos edifícios,
no Parque do Flamengo nem se fala:
é flor é flor é flor,
uma soberba flor por sobre todas,
e a ela rendo meu tributo apaixonado.
Pergunto o nome, ninguém sabe. Quem responde
é Baby Vignoli, é Léa Távora.
(Homem nenhum sabe nomes vegetais,
porém mulher se liga à natureza
em raízes, semente, fruto e ninho.)
Iúca! Iúca, meu amor deste verão
que melhor se chamara primavera.
Yucca gloriosa, mexicana
dádiva aos canteiros cariocas.
Em toda parte a vejo. Em Botafogo,
Tijuca, Centro, Ipanema, Paquetá,
a ostentar panículas de pérola,
eretos lampadários, urnas santas,
de majestade simples. Tão rainha,
deixa-se florir no alto, coroando
folhas pontiagudas e pungentes.
A gente olha, a gente estaca
e logo uma porção de nomes populares
brota da ignorância de nós todos.
Essa gorda baiana me sorri:
? Círio de Nossa Senhora? (ou de Iemanjá?)
? Vela de pureza, outra acrescenta.
? Lanceta é que se chama. ? Não, baioneta.
? Baioneta espanhola, não sabia?
E a flor, que era anônima em sua glória,
toda se entreflora de etiquetas.
Deixemo-la reinar. Sua presença
é mel e pão de sonho para os olhos.
Não esqueçamos, gente, os flamboyants
que em toda sua pompa se engalanam
aqui, ali, no Rio flóreo.
Nem a dourada acácia,
nem a mimosa nívea ou rósea espirradeira,
esse adágio lilás do manacá,
esse luxo do ipê que nem-te-conto,
mais a vermelha aparição
dos brincos-de-princesa nos jardins
onde a banida cor volta a imperar.
Isto é janeiro e é Rio de Janeiro
janeiramente flor por todo lado.
Você já viu? Você já reparou?
Andou mais devagar para curtir
essa inefável fonte de prazer:
a forma organizada
rigorosa
esculpintura da natureza em festa, puro agrado
da Terra para os homens e mulheres
que faz do mundo obra de arte
total universal, para quem sabe
(e é tão simples)
ver?