segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Opinião do dia - Eduardo Paes*

 

“As pessoas precisam entender que, todo dia, estamos perdendo muitas vidas, há gente sendo internada. Isso depende muito da atitude de cada um de nós, independentemente de restrições criadas pelo governo.

Meu apelo desde já como prefeito eleito é que as pessoas mais velhas não saiam de casa, se preservem, não mantenham contato, isso é fundamental. Pessoas com comorbidade, com doenças, tomem cuidado.

Todos nós e aqueles que são mais jovens, que eventualmente já tenham sido contaminados, devem usar máscara, zelar pelo distanciamento social. Não adianta achar que um governo vai entrar no dia 1º de janeiro e fazer milagre, ou impor uma série de restrições que, se a população não colaborar, não valem de nada.”

 *Eduardo Paes, prefeito eleito do Rio de Janeiro, O Globo, 14/12/2020

Fernando Gabeira - Aquele abraço

- O Globo

O general que confunde invernos e entraria em mais frias que Napoleão não se lembrou de comprar seringas

Quando William Shakespeare tomou sua vacina no histórico 8 de dezembro, confesso que o invejei. A primeira coisa que me veio à cabeça foi abraçar, depois de tantos meses, minha filha que vive longe daqui. Imaginei imediatamente quantos abraços e beijos estão congelados a 70 graus negativos, esperando o momento da vacina.

Mas aqui, caro Shakespeare, a vacina ainda é sonho de uma noite de verão. Gostaria também de voltar à estrada, passar longos dias no mato, voltar ao escurecer, com os curiangos voando diante do para-brisa, as primeiras luzes se acendendo na periferia da pequena cidade.

Aqui, William, somos reféns de um governo obscurantista, que não só negou a Covid-19, como o governo britânico no início, mas, ao contrário dele, nunca mudou de posição.

Não vou te cansar com detalhes biográficos. Para quem conheceu Hamlet, o nome Bolsonaro e seus dramas acabariam aborrecendo pela vulgaridade.

O fato é que ele acredita mais num remédio do que na vacina contra o coronavírus. Primeiro, importou da Índia insumos para hidroxicloroquina, e ela encalhou nos laboratórios do Exército. Depois, ao lado um astronauta, investiu milhões em pesquisa sobre um vermífugo chamado Anitta. Fracasso.

Ele escolheu um general para comandar essa guerra. É um especialista em logística que deixa milhões de testes contra Covid-19 adormecidos num galpão de São Paulo.

Esse general talvez fosse um personagem. Ele acha que o inverno brasileiro do Nordeste coincide com o europeu. E promete comprar vacinas se houver demanda, como se nenhum de nós sonhasse com o seu 8 de dezembro, William.

Marcus André Melo - Balanço político da pandemia

- Folha de S. Paulo

A pandemia revela o tipo real de político que temos

Um balanço das previsões feitas sobre a pandemia sugere que a expectativa inicial de uma hecatombe econômica foi superestimada e deflagrou respostas que reduziram ainda mais a magnitude do impacto esperado. E produziram efeitos não antecipados, estes sim de grande impacto. O principal deles —o auxílio emergencial— alavancou a popularidade de um governo que entrara em modo sobrevivência.

O descompasso entre expectativa e realidade é notável: esperava-se que o colapso da economia seria sistemicamente desestabilizador para o governo, que não sobreviveria ao saldo cumulativo de mortes e do desemprego.

Havia expectativas sobre quem seria responsabilizado politicamente pela catástrofe. Já discuti anteriormente duas conjeturas rivais. A primeira é que a pandemia seria um choque que produziria efeitos negativos que afetariam a popularidade dos governos, em qualquer nível federativo. O eleitor aqui seria míope e reagiria, em “retrospecção cega” para usar o jargão, ao mal-estar social produzido pelo choque.

Demétrio Magnoli - 2 + 2 = 5

- O Globo

A polarização política saltou um degrau, convertendo-se em polarização cognitiva

A pandemia “é uma coisa política”. A Covid-19 “não é tão grave”. As UTIs “não correm risco de colapso”. As quarentenas “destinam-se a quebrar a economia”. Você, como eu, ouve teorias da conspiração desse tipo quase todos os dias. São bolsonaristas? Sim, mas não apenas. Ignorantes? Claro, mas também indivíduos com diplomas universitários — e de instituições prestigiosas. Não se (auto)engane: uma cisão cognitiva profunda atravessa a sociedade.

A extrema-direita não monopoliza as teorias da conspiração. O governo dos EUA sabia de antemão sobre os atentados do 11 de setembro (e talvez até tenha sido responsável por eles). Os EUA deflagraram a guerra na Síria para fortalecer Israel. Os judeus, donos do dinheiro, controlam Wall Street e dirigem a política americana no Oriente Médio. Sergio Moro perseguiu Lula, pois é agente do FBI ou do Departamento de Justiça dos EUA. 2 + 2 = 5: em certas circunstâncias, a esquerda compartilha a paixão pelo pensamento mágico.

Ricardo Noblat - Era Bolsonaro marca mais uma fase de fechamento político

- Blog do Noblat /Veja 

A reabertura virá, só não se sabe quando

Ideias, princípios e valores que catapultaram Jair Bolsonaro para o cargo que ocupa foram convalidados na eleição municipal deste ano que deu a vitória às forças da direita e do centro, e outra vez assim será em fevereiro próximo quando a Câmara dos Deputados e o Senado escolherem seus novos dirigentes.

Candidatos a prefeito e a vereador apoiados por Bolsonaro podem ter sido derrotados, mas ele não foi. E disso também informam as pesquisas mais recentes de avaliação do governo, do presidente, e de intenção de votos para 2022. Com mais de 180 mil mortos pela pandemia, a aprovação de Bolsonaro permanece estável.

Os que apostam no seu eventual fracasso nas urnas daqui a dois anos argumentam que a economia em 2021 atravessará seu pior momento. Aumentará o número de desempregados e faltará dinheiro para quase tudo, inclusive para o pagamento do auxílio emergencial contra o vírus, tenha ele o nome que tiver.

Carlos Pereira* - Bolsonaro se curvou e a democracia não quebrou

- O Estado de S. Paulo

O engajamento do governo na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado é sinal de aprendizado

Jair Bolsonaro, eleito presidente com uma plataforma antipolítica e antiestablishment, resolveu se engajar diretamente no processo político de escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado. O que explica essa mudança aparentemente contraditória no comportamento do presidente? 

Muito está em jogo com a eleição dos novos presidentes das duas Casas Legislativas. Tanto o presidente da Câmara dos Deputados como o do Senado são verdadeiros gatekeepers. Ou seja, têm o poder de vetar ex ante iniciativas que julguem indesejáveis ou de promover ações estratégicas que mudem o status quo de acordo com seus interesses. 

Esses poderes procedimentais e de agenda não são triviais. As regras internas da Câmara garantem a seu presidente um papel central na condução do processo legislativo e na definição e funcionamento do sistema de comissões permanentes e especiais. Em legislativos muito centralizados e fortemente hierarquizados, como o brasileiro, o papel do gatekeeper se torna ainda mais relevante, pois pode, inclusive, decidir unilateralmente a sorte do próprio governo de plantão ao, por exemplo, dar prosseguimento a pedidos de impeachment de presidentes. 

Cacá Diegues - A conquista do Brasil

- O Globo

Um dos mitos que alimentam com fartura a mistificação está nas mentiras sobre o caráter dos nossos indígenas

Temos alimentado uma imagem do povo brasileiro que nunca correspondeu à realidade. A gente doce e cordial, de permanente bom humor, que olha a vida e o mundo como uma aventura divertida que só aos outros faz sofrer, foi uma criação de intelectuais do século XIX. Eles inventaram o entendimento desde o início, a paz fraterna entre indígenas e portugueses, consagrada pelo famoso e popular quadro de Pedro Américo sobre a Primeira Missa inaugural. Como foram os colaboradores de Pedro II que, por iniciativa e incentivo do imperador, mandaram destacar, na carta de Caminha, que “em se plantando, tudo dá”.

Esse núcleo forte da inteligência brasileira talvez estivesse disfarçando seu sentimento de culpa por trás do mito. Um mito por meio do qual saudou com ensaio, ficção e poesia a Abolição, uma farsa que mal mudou a vida dos escravizados, a República, um golpe de Estado dos senhores de terras, e a própria passagem progressista para o século XX, com a certeza de que, apesar da fome e da miséria, da extrema desigualdade social, o Brasil estava destinado a dar certo.

A prova disso, apesar de tudo, era a visível felicidade do povo traduzida no carnaval, no samba e no futebol. Vivemos o século XX com essa certeza. Em nome dela, estivemos indiferentes a golpes de Estado e ditaduras muitas vezes sanguinárias, não demos bola a intervenções urbanísticas autoritárias que derrubaram as moradias populares, a mudanças compulsórias de costumes alimentadas pelo soft power dos poderosos, ao aumento constante da desigualdade provocada por políticas econômicas que nunca levaram em consideração a existência e as necessidades do povo.

Celso Rocha de Barros - Novo é partido liberal ou de ricos?

- Folha de S. Paulo

Potencial político que a direita construiu pode ter sido desperdiçado

Na semana passada, o Partido Novo votou contra a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, alegando que ela abria as portas para cotas raciais no Parlamento. Poucos dias depois, o Novo também aprovou uma emenda que permite usar dinheiro do Fundeb para pagar funcionários de escolas privadas.

São posições que reforçam a ideia de que o liberalismo é só uma racionalização dos interesses dos ricos, inteiramente confortável com a mais extrema desigualdade e com a perpetuação de injustiças históricas, sempre pronto a acomodar o fascismo quando a esquerda se fortalece.

Aparentemente, os caras foram pesquisar o que é liberalismo no livro do Losurdo.

Há mesmo uma certa intersecção entre o interesse dos ricos e o liberalismo. Os ricos querem o máximo de limites para a ação do Estado, que é mais poderoso do que eles. E querem o mínimo de regulação do contrato de trabalho, porque são mais poderosos do que seus empregados. Olhando de longe, depois de umas cachaças, dá pra confundir isso com liberalismo.

Mas liberalismo deveria ser mais do que isso. Deveria ser uma defesa da liberdade das minorias contra as maiorias, de um país em que o mais humilde brasileiro não precise temer abusos da polícia, da etnia dominante ou de pessoas com crenças religiosas diferentes.

Catarina Rochamonte - Centrão e Flávio acima de todos

- Folha de S. Paulo

A preocupação de Bolsonaro tem sido evitar o impeachment e blindar seu filho, duas coisas que se complicaram após a denúncia de que a Abin produziu relatórios com orientações para que o caso Queiroz fosse anulado

 O envolvimento de Bolsonaro na campanha de Arthur Lira (líder do Centrão e réu por corrupção) para a presidência da Câmara Federal é grande. Tão grande quanto o preço com que a sua eleição está sendo negociada. Para eleger o candidato que coleciona processos judiciais e denúncias que vão de violência doméstica à cobrança de propina, passando por operação de “rachadinha”, a máquina governista trabalha a todo vapor, oferecendo liberação bilionária de emendas parlamentares e generosa distribuição de cargos, com promessa de descartar alguns ministros para acomodar nomes do Centrão.

Bruno Carazza* - A sobrevivência dos mais gordos

- Valor Econômico

STF perpetua privilégios e contribui para a crise fiscal

Em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, repousa a escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti. “Repousa”, aliás, é uma boa palavra para descrever o estado da obra do artista belo-horizontino: afinal, são raras as representações artísticas em que a deusa da Justiça está sentada. Mas este não é seu único detalhe simbólico.

Através dos séculos, a deusa romana Iustitia aparece em pinturas e esculturas com três componentes praticamente inseparáveis: a venda nos olhos (destacando a impessoalidade), a balança (fazendo referência à isonomia no tratamento das partes) e a espada (realçando a força para impor o direito sobre todos).

A escultura que simboliza o Judiciário brasileiro, porém, não possui balança - como se por lá não fosse necessário contrabalançar argumentos, sopesar direitos, medir consequências e equilibrar a teoria e a prática.

Sergio Lamucci - O equilíbrio difícil para 2021

- Valor Econômico

Incerteza fiscal, fim do auxílio e piora da covid afetam cenário para a economia brasileira no ano que vem

A economia brasileira caminha para entrar em 2021 com o cenário fiscal em aberto, sem o auxílio emergencial e com um quadro de recrudescimento da covid-19. Há dúvidas sobre como ficará o orçamento do ano que vem, com o risco de o teto de gastos não ser respeitado e incertezas quanto ao avanço das reformas para conter a expansão das despesas obrigatórias. Já a retirada abrupta dos estímulos fiscais deverá ter impacto negativo sobre a atividade, num ambiente de desemprego elevado. A evolução recente da doença também preocupa, o que poderá ter impacto negativo sobre a economia.

O Brasil enfrenta uma situação complicada, que exigiria habilidade e liderança do governo para encontrar uma solução razoável. De um lado, houve uma deterioração expressiva das contas públicas em 2020, por causa do aumento dos gastos para combater os efeitos da pandemia e da queda de receitas causada pela recessão. De outro, a perspectiva para o ano que vem é de um corte significativo nas medidas de estímulo, depois de o país ter adotado um pacote de apoio expressivo neste ano.

Gustavo Loyola* - Brasil flerta com o desastre fiscal

- Valor Econômico

Ausentes medidas de ajuste estrutural, o desempenho da economia em 2021 continuará a ser pífio

No comunicado divulgado pelo Banco Central após a última reunião do Copom, a instituição alertou que “um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco”. Declarou ainda que “o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.

Trata-se de mais uma advertência, desta feita vinda da Autoridade Monetária, de que a situação fiscal brasileira está exigindo resposta imediata. Lastimavelmente, com raras exceções, os políticos eleitos parecem que continuam subestimando os riscos fiscais que rondam o Brasil e que, se materializados, poderão jogar o país numa crise econômica de repercussões potencialmente desastrosas para a sociedade. Falta apoio, na classe política, a iniciativas para eliminar o déficit estrutural das contas públicas, ao tempo em que sobram apoios a iniciativas que aumentam o gasto público ou estendem benesses tributárias a grupos de contribuintes.

Morre aos 80 anos o ex-deputado Carlos Eduardo Cadoca, vítima da covid-19

Cadoca morreu na madrugada deste domingo, após mais de um mês internado no Hospital Português de Recife; pelas redes sociais, diversos políticos prestaram homenagens a ele

Redação / O Estado de S. Paulo

Após mais de um mês internado no Hospital Português do Recife, o ex-deputado federal Carlos Eduardo Cadoca morreu na madrugada deste domingo, 13, aos 80 anos, vítima da covid-19. A informação foi divulgada por sua mulher, Berenice Andrade Lima, e confirmada pelo hospital. 

“Trago, aqui, a notícia que eu mais temia e que, em nenhuma hipótese, queria dar para vocês. Depois de mais de um mês internado, Cadoca perdeu, hoje, a luta contra a Covid-19. Ele resistiu bravamente. Foi um forte guerreiro, típico de alguém que ama a vida, mas essa doença é terrível, misteriosa e, infelizmente, foi mais forte”, escreveu Berenice no Facebook. 

Ela frisou ainda a gravidade da pandemia e a necessidade de reforçar medidas que evitem o contágio. “A Covid-19 segue latente, como um imenso desafio para as autoridades e para a sociedade. Enquanto a vacina não chegar, garantindo uma cobertura universal, é urgente que todos redobrem os cuidados”, disse Berenice. 

O Real Hospital Português informou que "confirma o falecimento do paciente Carlos Eduardo Cintra da Costa Pereira (Cadoca) às 00h30min deste domingo (13/12)".

Cadoca, como era conhecido, nasceu em abril de 1940, no Recife. Formado em Direito, teve longa trajetória política. Atuou como vereador na capital pernambucana, foi deputado estadual em Pernambuco e também foi eleito deputado federal pelo Estado por quatro vezes seguidas, nas eleições de 1998, 2002, 2006 e 2010. Ainda assumiu, como suplente, o mandato de deputado federal na legislatura iniciada em 2015. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Agenda profícua, governo indiferente – Opinião | O Estado de S. Paulo

O governo Bolsonaro não apenas releva os dados relativos à covid-19, como ignora reflexões sobre políticas públicas que surgiram por ocasião da pandemia

Ao expor e potencializar uma série de desafios do Estado em sua tarefa de prover as condições para o desenvolvimento social e econômico do País, a pandemia do novo coronavírus suscitou na sociedade um profícuo debate sobre políticas públicas. Nos últimos meses, surgiram interessantes reflexões e propostas sobre saúde pública, formação e educação das novas gerações, aprimoramento de programas e gastos sociais, caminhos para o reequilíbrio fiscal, entre outros temas. O País viu florescer aquilo que é considerado elemento essencial de uma sociedade madura e responsável: a participação ativa da população, com suas variadas especialidades e capacidades, no debate público.

Na discussão das políticas públicas, é sempre necessário um pluralismo de ideias e perspectivas. Nunca há, tampouco é desejável, consenso absoluto sobre os caminhos a serem seguidos. De toda forma, deve-se reconhecer que existe hoje um panorama claro das prioridades do País que só não é percebido pelo presidente Bolsonaro e vários de seus ministros. Por exemplo, é urgente assegurar a capacidade de investimento do Estado no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas redes públicas de ensino, que atendem cerca de 80% das crianças e adolescentes. Por ocasião das eleições deste ano, entidades civis apresentaram propostas consistentes para as próximas gestões municipais sobre saúde e educação; por exemplo, a Agenda Saúde na Cidade, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, e o estudo Educação Já Municípios, do Todos Pela Educação.