sábado, 19 de dezembro de 2020

Paulo Fábio Dantas Neto* - Congresso Nacional, 2021: manter sempre teso o arco da promessa

A notícia da incorporação, ontem, dia 18.12, de cinco partidos de esquerda (PT, PDT, PSB, REDE, PCdoB) à frente, já anteriormente formada pelo chamado “Centro Democrático” (DEM, MDB, PSDB, Cidadania, PSL, PV), que o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, articula para disputar sua sucessão, marca uma aliança política de grande significado. Independente dessa aliança levar ou não a uma candidatura única, importa que se torna bem mais robusto um movimento de amplas dimensões pela independência daquela casa legislativa e de reação à tentativa do Poder Executivo de instrumentalizar o seu comando. Nesse momento o deputado Artur Lira, candidato apoiado pelo Planalto, passa, em tese, à condição de candidato minoritário, se somados como seus adversários os deputados integrantes das bancadas daqueles onze partidos.

Vários tópicos entram em pauta para se analisar as implicações desse fato político. Dentre eles é possível citar o grau de correspondência efetiva que haverá entre as decisões das direções partidárias e o comportamento das bancadas, as repercussões, nas bancadas dos partidos do bloco “centro democrático”, especialmente o PSL e o DEM, dessa aliança com a esquerda, PT incluído e a nova relação que se poderá estabelecer entre as eleições na Câmara e no Senado, por vezes vistas como partes de uma “operação casada”.  Cedo para compreender tudo isso. Mais produtivo analisar o contexto mais geral dos processos sucessórios nas duas casas do Congresso, ao qual o fato de ontem se incorpora.  Parto da premissa de que o referido processo teve sua dinâmica afetada pelo timing de uma decisão judicial provocada por adversários do movimento unitário que se robustece na Câmara.

Judicialização como refração de um processo político

Como sabido e já bastante comentado, as urnas de 2020 trouxeram más notícias aos bolsonarismo e ao lavajatismo, os grandes vencedores de 2018. É menos evidente, devendo ser salientado, que essas duas faces da direita negativa não metabolizaram a nova disposição do eleitorado, que valorizou a eficácia da política na gestão de municípios e deu sinal verde a políticas de frente democrática de um centro moderado. Poucos dias após a apuração dos votos, juntaram-se para tentar armar a mão do STF contra esse impulso agregador. Tiverem êxito, ainda que por apertada maioria. O tribunal interceptou o processo político que se esboçava nas duas casas do Congresso para a renovação de suas mesas diretoras. Processo que mal começara a entrar em sua fase mais importante, a fixação de candidaturas expressivas de um realinhamento de forças no Legislativo, que só poderia mesmo avançar a partir do resultado eleitoral, como se requer numa democracia.

- Merval Pereira - Com a boca na botija

- O Globo

 “Prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa”. Essa é a lista de crimes e ações administrativas ilegais que o suposto auxílio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) à defesa do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente da República, pode acarretar, na opinião da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, que mandou que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, saísse de sua inércia para investigar o caso.

Aras havia considerado “grave” a denúncia do repórter Guilherme Amado, da revista Época, confirmada por outros órgãos de imprensa, mas disse que não era possível tomar providências, pois não havia provas. Foi o que a ministra Carmem Lucia mandou que fizesse: investigar para tentar descobrir tais provas, ou demonstrar que a denúncia é inepta.

A situação é muito grave, as próprias advogadas de defesa do senador Flavio confirmaram que receberam dois relatórios sobre como atuar na tentativa de invalidar as provas conseguidas pelo Ministério Público do Rio sobre a “rachadinha” no gabinete de Flavio da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, coordenada pelo notório Fabricio Queiroz.

Elas alegam que não seguiram nenhuma das sugestões, pois estariam fora de sua capacidade de intervenção. Da mesma maneira que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, admitiu que participou de uma reunião no gabinete do presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto, ao lado do diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, e das advogadas de Flávio Bolsonaro para tratar do assunto.

Ricardo Noblat - O dia em que auxiliares de Bolsonaro se ocuparam em corrigi-lo

- Blog do Noblat / Veja

Vexame!

Na última quinta-feira à noite, depois de amargar uma série de derrotas no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou sua live semanal no Facebook para responder aos seus seguidores nas redes sociais que cobravam o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família como ele prometeu na campanha eleitoral de 2018.

E o que ele disse logo se espalhou com cheiro de queimado entre os principais ministros do governo. Bolsonaro culpou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, por ter deixado caducar a Medida Provisória que garantia o pagamento este ano. Para variar, mentiu. Foi a pedido dele que a Medida Provisória deixou de ser votada. Faltou dinheiro para honrar o compromisso.

Maia reagiu chamando Bolsonaro de mentiroso e anunciou que no dia seguinte poria a Medida Provisória em votação. Tocou o Deus nos acuda dentro do governo. E a fórmula encontrada para reparar o estrago foi escalar auxiliares do presidente para corrigi-lo. Em entrevista coletiva, a pretexto de fazer um balanço do ano, o ministro Paulo Guedes, da Economia, admitiu:

Oscar Vilhena Vieira* - Desafios para 2021

- Folha de S. Paulo

Precisamos abrir espaço para a ciência, o bom governo e a solidariedade social

Em 2020, o futuro resolveu nos pregar uma peça e fazer uma visita inesperada e perturbadora, revelando sua face distópica e arbitrária, mas também destacando uma série de virtudes que serão indispensáveis para sobreviver em um mundo cada vez mais instável, inseguro e complexo.

Quem imaginaria, às vésperas das festas de final de ano de 2019, que mais de 1,6 milhão de pessoas perderiam a vida e as rotinas de todos os demais seriam profundamente afetadas pela pandemia? A angústia do isolamento, para os que tiveram recursos e perseverança para se protegerem, e o medo e a contaminação, para aqueles que foram obrigados a permanecer nas trincheiras, foram incorporados à vida de cada um. Exceto, é claro, para aqueles que vivem em delirante negação, ou que veem a pandemia como oportunidade para perseguir objetivos inomináveis.

O encontro da pandemia com a onda de populismo não poderia ter sido mais trágico. Como era de se esperar, onde prevaleceu a polarização, o obscurantismo, o negacionismo e a desconfiança, como no Brasil, México, Estados Unidos ou na Índia o vírus se propagou de forma mais ampla e matou mais pessoas. Dada a natureza amoral e oportunista do vírus, o impacto da pandemia sobre a população tem sido uma consequência, sobretudo, da capacidade e dos esforços coletivos para a prevenção e o tratamento da doença.

Hélio Schwartsman - A culpa é do brasileiro

- Folha de S. Paulo

Um dos problemas com a democracia é que ela realiza as preferências do eleitorado

Juro que tento pautar-me pelo humanismo e pela compaixão nas avaliações que faço da epidemia de Covid-19 no Brasil, mas às vezes é difícil. O último Datafolha foi uma ducha de água fria em meus pendores filantrópicos.

Sim, Jair Bolsonaro é um dos grandes responsáveis pela situação de descalabro que vivemos, mas receio que a população brasileira não fique muito atrás. E não o afirmo apenas porque caiu a disposição do brasileiro em ser vacinado (ela agora é de 73%, contra 89% em agosto) e porque a maioria (52%) considera que o presidente não tem nenhuma culpa pelas mais de 180 mil mortes, resultado que já comentei no início da semana. Novos achados da mesma pesquisa contribuem para derrubar minha fé, senão na humanidade, ao menos no brasileiro.

Cristina Serra - Sobreviver até 2022

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro ainda tem 742 dias no poder para executar seu projeto de dissolver o país; resta-nos morrer de inveja de quem tem a vacina

O mundo da ciência e das luzes pode se orgulhar de uma façanha que vai beneficiar toda a humanidade: a produção de vacinas contra o coronavírus apenas um ano depois do registro dos primeiros casos de contaminação. Os países que se adiantaram para comprar os imunizantes comemoram, autoridades se vacinam em público para dar exemplo, as populações felizardas respiram aliviadas e se preparam para um Natal cheio de esperança.

Mas isso é lá fora. No Brasil, comandado pela personificação do mal, a torcida é contra o antídoto, seja qual for a sua origem. Quem tomá-lo pode virar "jacaré"; se for homem vai "falar fino", se for mulher, pode "nascer barba". E você, que está ansioso esperando pela vacina, pode tirar o cavalinho da chuva porque "não vai ter para todo mundo".

A língua malsã de Bolsonaro reverbera no submundo digital por meio de uma rede de seguidores extremistas, jornalistas, pastores, políticos e médicos vigaristas. O vírus da desinformação se propaga tão rapidamente quanto a pandemia e se hospeda comodamente em parcela significativa da sociedade, que se reconhece e se vê representada em Bolsonaro.

Demétrio Magnoli – A hora e a vez de Lênin

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro utiliza uma versão vulgarizada de Lênin para praticar seu nacionalismo de extrema direita

 “Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo”, publicado em 1917, inaugurou o chamado marxismo-leninismo. Marx enxergava a luta de classes como motor da história. No seu livro, Lênin flexionou o conceito, introduzindo a ideia de que as burguesias das nações industriais exploravam não só o próprio proletariado mas, ainda, os “países atrasados” coloniais e semicoloniais.

Bolsonaro não deve ter lido nem Marx nem Lênin, mas utiliza uma versão vulgarizada do segundo para praticar seu nacionalismo de extrema direita.

Segundo Lênin, no “estágio supremo” do capitalismo, as burguesias imperialistas deflagrariam guerras incessantes pela partilha de esferas de influência, abrindo caminho à revolução mundial. Os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, fundaram a Terceira Internacional e mobilizaram a teoria leninista para definir a linha dos partidos comunistas nos “países atrasados”.

Neles, os comunistas deveriam forjar “frentes nacionais” —ou seja, alianças anti-imperialistas com as elites locais. Nascia, no pensamento de esquerda, o argumento de legitimação de regimes autoritários apoiados na bengala retórica do nacionalismo.

Pretexto perfeito. Os regimes autoritários pós-coloniais na África culparam as potências coloniais do passado e os imperialistas do presente por seus fracassos. Fidel Castro alegou que as carências cubanas derivavam da sabotagem imperialista dos EUA.

A ditadura de Suharto na Indonésia exigiu fidelidade à Pancasila, uma “filosofia oficial” destinada a preservar a nação das “influências ocidentais” (o liberalismo e o comunismo).

Partidos de esquerda fecham apoio ao bloco de Maia

Siglas têm juntas 281 deputados; nome de candidato da frente ainda será decidido

Camila Turtelli, Anne Warth e Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

Numa ofensiva contra o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou nesta sexta-feira, 18,  a entrada de cinco partidos de esquerda no bloco que formou para a disputa do comando da Casa, marcada para 1.º de fevereiro. Agora, seu grupo conta com 11 legendas, que somam 281 deputados, mais do que os 257 necessários para um candidato se eleger. Não foi desta vez, porém, que Maia anunciou o nome do parlamentar que será o seu candidato.

A intenção de Maia é derrotar o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão que conta com o apoio do governo de Jair Bolsonaro. Lira tem o apoio de dez partidos, que somam 203 parlamentares.

A adesão da esquerda ao bloco de Maia foi puxada pelo PT, maior bancada da Câmara, com 54 deputados, que decidiu na noite de anteontem apoiar um nome do grupo liderado pelo atual presidente da Casa. Em 2019, a sigla decidiu não apoiar o deputado do DEM na disputa, o que lhe custou cargos no comando do legislativo.

Além do PT, PSB, PDT, PCdoB e Rede entraram no bloco que já tinha DEM, PSL, MDB, PSDB, Cidadania e PV. Como o voto para a presidência da Câmara é secreto, o apoio do partido não significa necessariamente que todos os deputados da sigla vão votar no mesmo candidato. A “traição” neste tipo de disputa, por sinal, costuma ser comum.

Bolsonaro instiga policiais contra imprensa: 'Fábrica de fake de news sempre estará contra vocês'

Presidente participou de formatura de soldados da Polícia Militar do Rio nesta sexta, acompanhado dos ministros Ricardo Salles e Braga Netto

Caio Sartori e Emilly Benhke | O Estado de S. Paulo

RIO E BRASÍLIA - Diante de 485 novos soldados da Polícia Militar do Rio e seus familiares, o presidente Jair Bolsonaro atacou há pouco a imprensa e estimulou os novos agentes a não acreditarem no que está na mídia. "Não esperemos da imprensa a verdade. As mídias sociais, essas sim, trazem a verdade, e não a fábrica de fake news que é a imprensa brasileira", disse, em tom inflamado, para aplausos dos presentes. "Pensem nisso na hora de agir."

Nessa linha, o mandatário também pediu para os policiais terem cuidado em operações. "Se preparem cada vez mais, simulem as operações que podem aparecer, porque em uma fração de segundo está em risco sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira", orientou. "Não se esqueça disso, essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês, pensem dessa forma para poderem agir", emendou".

A polícia do Rio matou 1.810 pessoas em 2019, segundo dados oficiais. "Trabalho de vocês (policiais) é um dos mais sublimes do Brasil. Vocês (policiais) oferecem a vida pela vida de terceiros e pelo patrimônio", afirmou o presidente.

Na última terça-feira, 15, Bolsonaro defendeu retomar o debate da ampliação do excludente de ilicitude para forças policiais em operação. Proposta neste sentido foi rejeitada pelo Congresso na época do debate do pacote anticrime. O chamado excludente de ilicitude é previsto na Constituição e elimina a punição, em casos específicos, para aquele que pratica algo que pode ser considerado ilícito.

João Gabriel de Lima - A onda que nos engole e os guarás-vermelhos de Cubatão


- O Estado de S. Paulo

Covid e recessão são problemas pequenos quando comparados à mudança climática

Um cartum desenhado pelo canadense Graeme MacKay mostra uma cidade pequena sendo engolida por uma enorme onda vermelha, batizada de “covid-19”. “Lave as mãos e tudo ficará bem”, lê-se no balão. Atrás da onda vermelha, o desenho mostra uma onda azul, ainda maior: a recessão econômica. E, atrás da azul, monumental, assustadora, está a onda verde: a mudança climática. Moral do cartum: a pandemia é um problema enorme, com o qual tivemos que lidar em 2020 – e seus efeitos econômicos irão perdurar, de alguma forma, em 2021. Covid e recessão, no entanto, são problemas pequenos quando comparados à mudança climática que virá por aí, se não começarmos desde já a conter seus efeitos.

O cartum abre as aulas e palestras de João Mourato, pesquisador do tema na Universidade de Lisboa. O que se segue é ainda mais aterrador. A apresentação de Mourato mostra como a mudança climática afetará a todos, mas com rigor especial os países mais pobres. A área que mais sofrerá com o desequilíbrio do clima será o sul da Ásia – MyanmarTailândiaVietnã, Camboja. Depois vem a África. Na América do Sul, os efeitos serão desiguais – entre os piores está a destruição parcial da hoje pujante agricultura brasileira. Os diversos acordos e desacordos mostram como é difícil criar uma governança global sobre o tema. A notícia boa é que, no âmbito local, vários municípios vêm desenvolvendo iniciativas dignas de aplauso.

Adriana Fernandes - Vacinação para todos

- O Estado de S. Paulo

Guedes reconhece que vacina é essencial à sustentação da retomada em 2021

 “Saúde e vacinação para todo mundo!” Foi com essa despedida que Paulo Guedes encerrou a entrevista virtual que concedeu para fazer um balanço geral de 2020. Guedes sai de férias (ele volta ao trabalho no dia 8 de janeiro) não sem antes reconhecer o que todos cobravam: a vacinação em massa dos brasileiros é essencial para a sustentação da retomada econômica em 2021. 

A fala do ministro se segue à do presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, que defendeu também as vacinas. Sem uma vacinação rápida, mais vidas serão perdidas. Ponto. Não há nem o que se discutir. A economia naufraga e o ministro sabe que as condições para uma nova rodada de expansão de gastos na mesma magnitude da de 2020 inexistem. 

“Se há uma vacina aí, com duas sociedades extraordinariamente avançadas e civilizadas vacinando, vou olhar e falar ‘quero essa aí, rápido’”, reconheceu, sem revelar se vai se vacinar. Alegou privacidade, mas com 71 anos, ninguém ao seu redor tem dúvidas de que o fará. Aliás, como deve ser feito. O Brasil precisa vacinar a maior quantidade possível de pessoas. Para eliminar a doença, mais de 70% da população teria de ser vacinada.

Ascânio Seleme - Quem vai pagar a conta?

- O Globo

Custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo, por causa e entre os negacionistas

Não se preocupe, se você se vacinar direitinho, tomar as duas doses como recomendado, não vai ser infectado por negacionistas, seja um vizinho, um parente, um amigo ou um desconhecido com quem esbarrar na rua. Você estará imune. Do ponto de vista da sua saúde ou da sua família, não precisa fazer mais nada, embora seja conveniente manter o uso de máscaras por ainda algum tempo. Também não custa nada lavar sempre as mãos com bastante água e sabão. Seu problema será outro e terá natureza financeira. Você vai solidariamente pagar a conta que os que se negaram a tomar a vacina contra a Covid acabarão gerando para os cofres públicos. E ela não será pequena.

Imagine o cenário final, pós-vacinação. Neste momento, 46 milhões de brasileiros, ou 22% da população, não estarão imunizados e continuarão a exercer pressão sobre a rede pública de saúde. Se hoje os leitos dos hospitais estão quase 100% ocupados por pacientes com Covid, no futuro terão 22% da sua capacidade tomada por pessoas infectadas por uma doença que poderia ser evitada. Quem vai pagar esta conta? Você e eu. Na verdade, este volume pode ser maior, se os planos de saúde corretamente se recusarem a pagar internações hospitalares e remédios de quem se recusou a se vacinar. Se a doença era evitável, os planos vão recorrer e os pacientes com planos poderão acabar na rede pública.

Marcus Pestana* - Sobre conservadores, liberais, progressistas e reacionários

Apesar dos efeitos paralisantes ocasionados pela pandemia da Covid-19, fatos importantes marcaram o cenário internacional em 2020, oferecendo pistas sobre o futuro e as ideias que o presidirão. O mais importante foi a vitória do democrata Joe Biden nos EUA e a derrota de Donald Trump. Parece uma sinalização clara de esvaziamento da onda de crescimento do populismo autoritário. O sentimento anti-globalista, xenófobo, racista, iliberal, antidemocrático, anti-humanista, vai dando lugar novamente a um mundo mais integrado, solidário e comprometido com a liberdade e a tolerância. Também os tropeços da concretização do Brexit, numa complexa negociação entre a Inglaterra e a União Europeia, indicam que a escolha da população inglesa talvez não tenha sido a melhor.

A China continua sua longa marcha rumo à hegemonia econômica, e mesmo servindo de espantalho ideológico para a guerra cultural dos reacionários, nunca esteve tão distante, com seu capitalismo de Estado ou seu socialismo de mercado, da matriz de pensamento marxista-leninista-maoísta. O resíduo que existe de socialismo real agoniza nas experiências de Cuba, Venezuela, Nicarágua e na exótica presença da Coreia do Norte no cenário mundial. Líderes do centro democrático, como Ângela Merkel e Macron, procuram manter posição de equilíbrio, diálogo e defesa da democracia.  A esquerda moderna e democrática procura respostas para o futuro no reposicionamento permanente do PD italiano, do PS português, do PSOE espanhol, dos socialdemocratas alemães em crise e do enfraquecido PS francês.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Contra a egolatria, a lei – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ao se manifestar sobre se a vacinação deve ou não ser compulsória, o STF voltou a lembrar a Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil

Ao se manifestar sobre se a futura vacinação contra a covid-19 deve ou não ser compulsória, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou a lembrar ao presidente Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil – e que estas, ao contrário do que sustenta o buliçoso presidente, não permitem que a vontade de ególatras como ele, violentamente contrários à obrigatoriedade, se sobreponha à saúde da coletividade. 

Uma dessas leis, a 6.259, de 1975, determina que toda vacinação realizada em programas nacionais de imunização é obrigatória e que “o cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado através de Atestado de Vacinação”, conforme se lê no artigo 5.º. 

Se o presidente considerar essa lei antiga demais, há uma bem mais recente, assinada por ele mesmo: é a Lei 13.979, de fevereiro de 2020, que estabelece em seu artigo 3.º que, para enfrentamento da pandemia, “as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências”, diversas medidas, entre as quais a “realização compulsória” de “vacinação e outras medidas profiláticas”.

Assim, não havia necessidade de mobilizar o Supremo para que se manifestasse acerca de tema tão plenamente pacificado por uma legislação tão clara. Mas os ministros do STF provavelmente sabiam que sua decisão não tinha caráter apenas jurídico: diante da campanha insana movida por Bolsonaro contra a vacina, era necessário expressar com clareza meridiana que a vontade do presidente e de seus camisas pardas ainda não é a lei.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.