domingo, 10 de janeiro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - A República na América

“(...) Pois os fatos são renitentes; não desaparecem quando os historiadores ou sociólogos se recusam a tirar algum ensinamento deles, embora isso possa ocorrer quando todos os esquecem(...)”. (Hannah Arendt, “Da Revolução”)

É paradoxal que a traumática experiência dos quatro anos de agressiva passagem de Donald Trump pela Presidência dos Estados Unidos tenha feito com que o destino daquele país passasse a importar mais ao mundo do que já importava antes. Assim como tornou os EUA menos auto centrados e mais permeáveis e sensíveis ao que acontece fora dele. A pretensão isolacionista de Trump produziu efeito oposto. Ele não entregou o muro que prometeu, contra o México e o mundo. Contra o seu muro, construíram-se pontes e pistas que atravessaram continentes para ajudar a república norte-americana a se defender.

Uso de propósito o termo república e não democracia – embora esteja entre os que não conseguem pensar uma instituição sem a outra – porque vejo na instituição republicana, tal como se firmou nos EUA, a fonte principal da empatia que a fórmula norte-americana suscita, mesmo em presença de crise em vários aspectos de sua democracia e de tantos motivos de antipatia historicamente enraizados por ações da política externa de seu Estado.  Hannah Arendt, cujo pensamento serve não só de epígrafe como de inspiração para este breve texto, frisou a originalidade da experiência fundacional norte-americana, a um só tempo revolucionária e criadora de um tipo de governo fiel ao espirito da revolução da qual partiu, isto é, governo limitado pela lei. A proteção de direitos de cidadãos contra a opressão do poder político institucionaliza a liberdade, causa da revolução.

Contraste significativo, mostra Arendt, com rebeliões modernas que libertaram povos de opressões - como a do Antigo Regime da bastilha e a da grande Rússia dos czares (e às quais podemos acrescentar a de títeres cubanos de plutocratas e mafiosos e tantos outros exemplos) – mas após as quais o sentido de revolução foi perdido quando seus processos políticos não construíram a liberdade, seu fundamento. Cair sob o jugo de algum tipo de “Conquistador” seria a sina de rebeliões que não se fazem acompanhar de uma revolução, no sentido político de restauração/recriação da liberdade como experiência e/ou razão.

Merval Pereira - Contrapesos democráticos

- O Globo

Mesmo que considerem importante chamar a atenção do fato de o presidente dos Estados Unidos Donald Trump não ter tido o apoio dos militares, como destacou o professor Steven Levitz, e a necessidade do controle civil dos militares para a prevalência e estabilidade da democracia tanto nos EUA como no Brasil, como enfatizou o cientista político Octavio Amorim Neto em colunas anteriores esta semana, dois analistas das questões da democracia consideram que fatores relevantes existem hoje no Brasil para impedir que iniciativas golpistas de populistas extremados tenham sucesso.

 O cientista político da FGV do Rio, Carlos Pereira, destaca a independência e a atuação das organizações de pesos e contrapesos (checks & balance) da democracia. O advogado e ex-deputado federal Marcelo Cerqueira, com o conhecimento de quem viveu intensamente os acontecimentos políticos, inclusive com o prestígio que a UNE desfrutava à época e, depois, como Deputado, ao lado de Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, participou das negociações para a transição democrática, afinal exitosa, não acredita em golpe militar.  

Carlos Pereira lembra que tanto os EUA como o Brasil possuem “um leque muito sofisticado e descentralizado dessas instituições democráticas”, como Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladorias, Polícia Federal, que garantem o equilíbrio de poderes. “Além do mais, dispõem de uma mídia diversa e extremamente vigilante contra qualquer desvio do populista de plantão. As sociedades brasileira e americana também são muito sofisticadas, ativas e atentas com relação ao comportamento de seus governantes”.

Para Pereira, as análises partem do pressuposto de que estas organizações de controle, e a própria sociedade, seriam vítimas indefesas da atuação oportunista e golpista de governos populistas extremos. “Bastaria apenas capturar os militares para que a democracia sucumbisse”.

Eliane Cantanhêde - No pântano da irracionalidade

- O Estado de S. Paulo

Até o Twitter baniu Trump, mas Bolsonaro insiste em afundar com ele, levando o Brasil junto

"Errar é humano, mas insistir no erro é burrice." Esta velha máxima pode ser usada para o governo Jair Bolsonaro diante da ebulição política dos Estados Unidos, mas com acréscimos. Insistir no erro de apoiar Donald Trump acima de tudo e da razão não é burrice, ou não apenas burrice, é irresponsabilidade com o País e sugere más intenções.

Trump vem sendo condenado pelo mundo democrático por ter incitado sua milícia a atacar a maior democracia, maior economia e maior potência militar do planeta. Foi sob seu comando que a turba se armou, se fantasiou e se animou a ocupar o Capitólio, quebrando, destruindo, ameaçando os representantes do povo.

Até Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e legítimo líder de direita, condenou a inconsequência de Trump, um homem incapaz de conviver com algo inerente à vida: derrotas. Isso mostra o quanto a condenação a Trump não é questão de ideologia, é mais do que isso. Não se trata de direita versus esquerda, mas sim de democracia versus barbárie, até de sanidade versus insanidade.

Um líder mundial banido do Twitter por incitação à violência! Foi isso que aconteceu a Trump, na reação em série que inclui Joe Biden falando em "terrorismo doméstico" (aliás, como escrevi na primeira hora) e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, advertindo que Trump tem acesso até o dia 20 à "bola de futebol" e ao "biscoito" que podem acionar uma guerra nuclear. Até isso teme-se de Trump!

Janio de Freitas – Os sonhos dementes no poder

- Folha de S. Paulo

Se não for enfrentado, um poder enlouquecido será cada vez mais autoritário

 “Tirar Donald Trump com um impeachment veloz é o único meio de talvez evitar o que seria seu maior feito: aproximar ainda mais os Estados Unidos de uma convulsão. Até a prevista posse de Joe Biden em 20 de janeiro, serão mais de dois meses concedidos a um presidente ensandecido, que acusa de roubo e corrupção o sistema eleitoral e avisa o país de que resistirá ‘até o fim’.”

Aí estão a primeira e a terceira frases do artigo “Trump até o fim”, transmitido à Folha em 6 de novembro, ou três dias depois de encerrada a eleição americana, e publicado no domingo 8. Trump e Joe Biden
esperariam ainda um mês e sete dias para ver a vitória e a derrota respectivas.

Quatro anos antes, Trump vencera Hillary Clinton no Colégio Eleitoral, mas perdera na preferência (inútil) do eleitorado, iniciando aí as acusações de fraude que prometia provar, e nem estranhezas superficiais apontou. O desespero alucinado da contestação à vitória de Biden, explodindo já na apuração inicial, atualizava e exacerbava quatro anos de mentiras, acusações e ameaças sobre a eleição presidencial. Não precisaria de mais para justificar uma reação altiva das instituições feridas em sua moralidade e do ameaçado teor democrático do regime.

Bruno Boghossian – Bolsonaro tem medo de perder

- Folha de S. Paulo

Campanha falsa sobre urnas eletrônicas carrega receio o evidente de sofrer uma derrota na próxima disputa

Jair Bolsonaro nunca falou tanto sobre o risco de perder a próxima eleição quanto nos últimos meses. A campanha do presidente para desacreditar o sistema de votação com falsas suspeitas de fraude carrega o aparente receio de sofrer uma derrota nas urnas em 2022.

A aliança de Bolsonaro com o centrão e a redução dos atritos com outros Poderes diminuíram as chances de um processo para removê-lo do cargo antes do fim do mandato. Seu foco exclusivo de sobrevivência política passou a ser a reeleição.

Se tivesse a expectativa de uma vitória arrasadora em 2022, o presidente não precisaria alimentar semanalmente teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas. Ele mesmo, afinal, já disse que venceu uma eleição que considera enganosa porque teve "muito voto" em 2018.

Luiz Carlos Azedo - Muitas tensões à vista

- Correio Braziliense

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso foram amortecedores dos conflitos gerados pela mentalidade castrense e centralizadora que predomina no Palácio do Planalto

O ano de 2021 começa com sinais fortes de que será marcado por muitas tensões políticas e poucas entregas do governo Jair Bolsonaro. Dois episódios apontam nessa direção: um é a guerra das vacinas, na qual o governo federal, por meio de medida provisória, tentou requisitar vacinas, seringas e agulhas já adquiridas pelos estados para viabilizar a campanha nacional de vacinação; o outro, o jogo bruto do Palácio do Planalto para eleger os presidentes da Câmara e do Senado, com apoio ostensivo, a base de liberação de verbas e loteamento de cargos, ao deputado Arthur Lira (PP-AL), e  ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente. Vamos por partes:

A medida provisória que pongava vacinas, seringas e agulhas dos estados foi uma saída do ministro da Saúde,  Eduardo Pazuello, para resolver um problema criado por sua própria equipe: a não-aquisição dos insumos básicos para a campanha nacional da vacinação em tempo hábil e a aposta numa única vacina, a de Oxford, que será produzida pela Fiocruz. São tarefas que as equipes do Ministério da Saúde, em todos os governos, e todos os ministros que o antecederam, tiravam de letra, porque havia expertise de gestão no setor para vacinar até 10 milhões de pessoas por dia. Essas equipes foram desmanteladas e substituídas por militares arrogantes e inexperientes, a começar pelo secretário-executivo da pasta, aquele que anda com uma faça ensangüentada na lapela, o broche de ex-integrante de unidade de operações especiais do Exército.

O papel de Robin Hood ensaiado pelo general Pazuello — tirar dos estados com vacinas para dar aos sem vacinas — foi frustrado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que proibiu a requisição das vacinas, seringas e agulhas já adquiridas por alguns governos estaduais e prefeituras, entre os quais o de São Paulo. Por ironia, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com os chineses, a CoronaVac, que o presidente Jair Bolsonaro tentou desacreditar, acabou sendo comprada pelo Ministério da Saúde. São 100 milhões de doses que salvarão o governo federal do vexame de não ter como começar a vacinar imediatamente a população.

Ricardo Noblat - Rodrigo Maia eleva o tom e chama Bolsonaro de covarde

- Blog do Noblat / Veja

E o impeachment, hein?

Ou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) está convencido de que elegerá Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo na presidência da Câmara, e por isso elevou o tom de suas críticas ao governo e a Jair Bolsonaro, ou teme perder a parada, e por isso decidiu ir para o tudo ou nada. A primeira hipótese é a mais provável.

Maia diz estar acostumado a viver sob pressão desde que dividiu o útero de sua mãe com uma irmã gêmea. Ela nasceu primeiro. Ele atrasou-se um pouco. Desde então parece sempre apressado. De mais a mais, não gosta de levar desaforos para casa – e costuma respondê-los de bate pronto.

Bolsonaro está jogando pesado para derrotar Maia, elegendo para o seu lugar o deputado Arthur Lira (PP-AL). Não perde uma ocasião de fustigá-lo, nem Maia deixa passar a ocasião de dar o troco. Foi o que voltou a fazer em defesa do ministro da Saúde de quem, por sinal, não gosta nem um pouco.

Baleia Rossi* - Câmara livre

- O Globo

Parlamento tem de ser independente para estar à altura de suas missões

A Câmara dos Deputados precisa ser independente. Essa sentença já foi repetida a ponto de ter ganhado a condição de aforismo. Está no discurso de todos — inclusive daqueles a quem não interessa que a Casa seja independente. Como tudo que é dado como certo, o conceito parece ter se perdido. É necessário que fique claro por que onze partidos representando 54% dos deputados se uniram em torno dessa ideia e de uma candidatura única para a presidência da Câmara.

O Parlamento tem de ser independente para estar à altura de suas missões. A mais óbvia, a de legislar, deve ser cumprida com autonomia, mas também em harmonia com o Executivo e o Judiciário. As demais tarefas exigem um distanciamento maior dos outros poderes.

É atribuição do Parlamento fiscalizar o Executivo. A Câmara tem, inclusive, uma comissão permanente para monitorar os gastos federais. A função de vigilância desaparece se a direção da Câmara for subserviente ao governo.

Ruy Castro - Saída para Trump: matar-se

- Folha de S. Paulo

Nós, brasileiros, sabemos que é uma boa ideia

Enquanto não entregar as chaves da Casa Branca no próximo dia 20, Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos em exercício, continua na posse de seus poderes. E isso é o que muitos temem. Trump é hoje um perdedor ainda com o dedo no gatilho. Se quiser jogar uma bomba no Irã, dispõe dos códigos necessários. A esperança é que esteja tão deprimido que não reúna forças nem para se olhar ao espelho. Pois, se for o caso, Trump teria uma saída capaz de fazer dele um herói, um mártir, um ícone eterno para seus seguidores idiotizados. Matar-se.

Nós, brasileiros, sabemos que é uma boa ideia. Ao suicidar-se, em 1954, Getulio Vargas zerou sua antiga imagem de torturador e sanguinário, simpático ao fascismo, e se eternizou como o velhinho bonachão e progressista vítima do capitalismo internacional assassino. Getulio soube fazer --escreveu uma carta-testamento com a frase "Deixo a vida para entrar na história" e deu um tiro no coração. Infalível para produzir milhões de viúvas.

Míriam Leitão - Incutir a dúvida, colher a certeza

- O Globo

Quando o presidente da República diz que houve fraude nas eleições de 2018, ele está acusando a Justiça Eleitoral de cumplicidade ou negligência com o crime. Ou a Justiça fez parte da fraude ou não foi capaz de garantir a lisura do processo eleitoral. Diante disso, o que fazer? A Procuradoria- Geral da República (PGR) teria que notificar o presidente para a apresentação das provas, dado que ele está publicamente dando a notícia de um crime. O PGR nada faz que incomode o presidente.

Tudo se passa no Brasil como se a democracia não pudesse se defender de um ataque que está sendo preparado lenta e consistentemente. Em parte, me explicou uma autoridade do Judiciário, “porque tudo é muito inusitado”. Em parte, porque o PGR foi neutralizado. O presidente Jair Bolsonaro não está agindo por impulso. Está repetindo há dois anos fatos sem comprovação. Ele está incutindo a dúvida para colher a certeza. E nada se faz, além das notas de repúdio, porque é inusitado que um presidente da República conspire contra a democracia. Só que está acontecendo. Aqui e nos Estados Unidos.

Bolsonaro age de caso pensado e de forma coerente. Ele tem um plano e dois anos pela frente para executá-lo usufruindo da imunidade que o cargo lhe dá. O objetivo dele no final todos conhecem. A democracia brasileira não tem sabido usar os instrumentos para se defender. Esta semana ele deu um passo adiante ao fazer uma ameaça. A de que ocorreria aqui algo mais grave do que o que houve nos Estados Unidos caso o voto não seja impresso.

Pedro S. Malan* - 2021, ano 2 da era Covid, ano 3 da era Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

É difícil imaginar o que seriam mais quatro anos do mesmo a partir de 2023

É Eduardo Giannetti quem aponta a importância de distinguir as três modalidades fundamentais de catástrofes humanas. Duas são bem conhecidas: os desastres puramente naturais, como terremotos e tsunamis, e as calamidades que o ser humano impõe ao próprio ser humano, como guerras e ataques terroristas. A terceira categoria é feita dos eventos que resultam da ação humana, mas não da intenção humana. Este artigo se propõe a discutir uma vertente deste último tipo de catástrofe: os desastres provocados por consequências não intencionais de ações e omissões de governos, combinados com excesso de complacência e desinteresse pela coisa pública por parte expressiva da sociedade.

Nos EUA, o húbris de Donald Trump encontrou sua nêmesis em Joe Biden. A arrogância, imoderação, ganância e audácia excessiva de Trump perderam a eleição para Biden, que personifica o oposto simétrico dessas características: ausência de arrogância e ganância, moderação, audácia sem excessos. Mas Trump resta um fenômeno cuja compreensão justifica esforço detido. Seus quatro anos culminaram, em 6 de janeiro, com a inacreditável invasão do Congresso por uma turba por ele insuflada. Bolsonaro, também ele um fenômeno, perde agora seu ídolo e modelo político. Talvez tenha registrado o repúdio claro das instituições norte-americanas ao inédito desvario de Trump e seus fiéis, cujo comportamento mostra absoluta falta de espírito democrático e deixa clara a propensão ao autoritarismo. Que poderia funcionar, como já funcionou, em dezenas de países desprovidos de freios, filtros e contrapesos institucionais, e de uma mídia profissional independente, como há nos EUA. E como esperamos manter no Brasil, apesar de tudo.

Elio Gaspari - Os últimos dias de Trump

- Folha de S. Paulo / O Globo

O mundo está diante de um espetáculo constrangedor: o presidente dos Estados Unidos pirou

Em julho de 2016, o bilionário Michael Bloomberg, disse durante a convenção do partido Democrata: “Eu reconheço um vigarista quando o vejo”. Referia-se a Donald Trump. Passaram-se quatro anos, e a questão da vigarice do doutor foi para a mesa da procuradora-geral do estado de Nova York. Em Washington, a questão tornou-se outra: a eventual aplicação do dispositivo constitucional que permite empossar o vice caso o titular esteja incapacitado. Quando essa emenda foi aprovada, pensava-se num cenário no qual o presidente está sob intensos cuidados médicos. No espetáculo da série “Os últimos dias de Trump”, a invocação do dispositivo nada tem a ver com uma anestesia geral, por exemplo. Trata-se de incapacidade por maluquice.

Trump é visto como um narcisista psicótico por muita gente que não gosta dele. Em julho passado, sua sobrinha Mary (psicóloga) publicou um livro com o subtítulo “O homem mais perigoso do mundo”. Parecia futrica familiar.

Desde novembro, Trump sustenta que venceu a eleição “de lavada”. Na terça-feira, os candidatos republicanos perderam a eleição na Geórgia. No dia seguinte, seus guardiões fizeram o que fizeram. (“We love you”, disse Trump.) Os senadores e deputados americanos foram obrigados a deixar o prédio. Numa decisão histórica, voltaram aos plenários horas depois. Na quinta-feira, confirmaram o resultado eleitoral. A senadora republicana que perdeu a cadeira tirou sua assinatura do pedido de recontagem dos votos da eleição presidencial na Geórgia. Duas integrantes do primeiro escalão de seu governo foram-se embora, e seu fiel ex-procurador-geral acusa-o de ter traído o cargo.

Dorrit Harazim - Fim ou começo

- O Globo

A mera abertura de impeachment de Trump seria registrada de forma indelével e educativa

Karen Attiah é editora de Opinião Global do “Washington Post”. Publicou uma coluna insólita depois que bandos radicalizados em quatro anos de governo Trump tomaram de assalto o Congresso dos EUA. Seu texto simula a forma como a mídia ocidental noticia violência política em países conturbados. De cara, a jornalista descreve Donald Trump não como “presidente”, mas como “líder”. Aponta para a esculhambação geral, informando que os invasores haviam anunciado seus planos on-line ostentando camisetas com os dizeres “Guerra Civil”. Faz referência à peculiaridade dessa “ex-colônia britânica”, onde “há séculos a violência política e racial desempenha papel preeminente”. E noticia a reação inicial do presidente recém-eleito Joe Biden ao ato de sedição no Capitólio — “não representam a América real, não representam quem somos”. Recorrendo a um personagem fictício finamente criado para a ocasião, Attiah reserva sua estocada para o final do seu artigo:

A frase “isso não é quem somos” tornou-se um refrão comum em inglês falado nos Estados Unidos, diz o liberiano Alphus Huxly, professor de Literatura e Estudos Americanos. Trata-se de uma resposta automática, usada sempre que há volumosa evidência de violência dos brancos e de ataques à democracia.

A partir da lealdade de 74 milhões de eleitores a um presidente demagogo que anunciara previamente sua sedição, o mantra “não é isso quem somos” não basta mais. O próprio conciliador-em-chefe Biden, que tomará posse no dia 20 sob medidas de proteção marciais, já endureceu o tom. E mais não faz para, seguindo sua índole, não dilacerar ainda mais a nação que herdará.

The Economist - Invasão do Capitólio é retrato de como Trump mudou o Partido Republicano

As cenas dantescas revelam como os republicanos ficaram reféns do presidente, e como será difícil se livrar de sua influência e dos extremistas em um futuro próximo

The Economist / O Estado de S. Paulo

O livro mais importante da era Donald Trump não foi Medo, de Bob Woodward, nem Fogo e Fúria, de Michael Wolff, nem qualquer um dos outros best-sellers que expuseram o circo da Casa Branca. Indiscutivelmente, o livro mais importante da era Trump foi a obra instigante de dois cientistas políticos de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, publicada um ano após a ascensão de Trump à presidência e intitulada Como as democracias morrem.

Depois de muitos anos pesquisando derrapagens democráticas no Leste Europeu e na América Latina, a dupla admitiu ter ficado surpresa ao voltar os olhos para seu próprio país: “Sentimos pavor (...) bem agora que estamos tentando nos tranquilizar, dizendo que as coisas não podem ser tão ruins assim por aqui”. A invasão do edifício do Capitólio em 6 de janeiro por milhares de seguidores de Trump brandindo tacos de beisebol e a bandeira dos confederadas mostrou que as coisas estão bem ruins, sim.

Convocados a Washington pelo presidente derrotado para protestar contra a sessão parlamentar que iria confirmar os resultados do colégio eleitoral, eles ocuparam o prédio por mais de quatro horas, obrigaram o vice-presidente Mike Pence e outros congressistas a fugir em busca de segurança e vandalizaram o escritório da presidente da Câmara dos Representantes.

Quatro pessoas morreram durante a violência, entre elas uma mulher baleada pela polícia. Jornalistas foram acossados e suas câmeras foram destruídas por delinquentes adeptos do Make America Great Again (MAGA) vestidos em trajes de camuflagem. Enquanto isso, Trump tuitava seu “amor” pelos insurgentes. “Pessoas muito especiais”, ele os chamou em um vídeo gravado na Casa Branca. Suas contas no Twitter e no Facebook foram suspensas pouco depois. Bombas caseiras foram encontradas perto das sedes dos partidos Republicano e Democrata.

Fareed Zakaria - Caos pode evidenciar uma sociedade que passa por mudança

- The Washington Post / O Estado de S. Paulo

As más notícias a respeito dos Estados Unidos estão por todo lado. Esta semana foi certamente uma das mais sombrias da história do país. Mas há boas novas ocultas aí – ou pelo menos uma chance para a renovação da promessa americana.

Não quero mascarar a realidade. Acabamos de sofrer a mais séria ameaça à democracia americana em 150 anos – e isso ainda não acabou. Para todos aqueles que duvidavam que Donald Trump fosse perigoso para a democracia, esta semana finalmente forneceu a prova concreta. Na verdade, as evidências eram claras havia algum tempo.

Os editoriais do Wall Street Journal, o guardião do conservadorismo americano, ridicularizavam com regularidade as preocupações com as tendências autocráticas de Trump. Quando ele completou o primeiro ano na presidência, o jornal disse que seu mandato “deve ser terrivelmente decepcionante para as elites progressistas que, um ano atrás, previram os EUA como um país autoritário, porque Trump representava uma ameaça singular às normas democráticas”.

O texto alegava que a única coisa de que Trump poderia ser acusado realmente era por seus “excessivos” ataques retóricos contra a mídia. Republicanos veteranos se recusavam até a fazer essas brandas objeções. Alguns, como Lindsey Graham, rapidamente se transformaram em aduladores, sedentos por encorajar seus piores impulsos.

Depois que a pandemia começou, conservadores apontaram que Trump não usou o cargo para expandir seu poder presidencial, o que provava que ele não tinha nenhum tipo de tendência autoritária. Mas isso é um profundo equívoco em relação ao que é o autoritarismo.

Lourival Sant'Anna –Democracias expostas

- O Estado de S. Paulo

Líderes que desprezam as instituições e seus seguidores representam uma ameaça

A ocupação do Congresso americano foi a maior demonstração da fragilidade da democracia na minha geração. Cobri muitas guerras civis e golpes, mas não em países onde a democracia estivesse enraizada.

A 2.ª Emenda da Constituição assegura o acesso dos cidadãos às armas para formar milícias e defender-se, entre outras ameaças, de um eventual Estado opressor. As medidas adotadas pelos governos estaduais, sobretudo democratas, para conter a pandemia, mobilizaram esses grupos, que viram nelas a opressão contra liberdades individuais. 

O presidente Donald Trump se opôs a essas imposições e atacou, entre outros, a governadora Gretchen Whitmer, do Michigan, alvo de protestos que incluíram militantes armados. Em outubro, o FBI prendeu 13 ativistas, que planejavam sequestrar, “julgar” e executar Whitmer. 

As milícias enfrentaram manifestantes antirracistas, denunciados por Trump como “terroristas”. Esses ativistas adotam o slogan “Vidas azuis importam”, em referência à cor da farda da polícia. Alguns são veteranos. Todos nutrem forte identificação com as Forças Armadas. 

Luiz Paulo Costa* - Na democracia, todos são vitoriosos


 - O VALE-SP 9 a 15/1/2021

O 1º de janeiro de 2021 foi o dia da democracia representativa brasileira se fortalecer com a posse dos prefeitos e vereadores reeleitos e eleitos na maior eleição do País. Na majoritária de prefeitos escolhe-se aqueles que vão ocupar a Prefeitura para governar para todos os munícipes. E na proporcional de vereadores os representantes da soberania popular na Câmara Municipal.

Mesmo os não eleitos concorreram com os votos recebidos para o fortalecimento de seus partidos que, ao contrário dos prognósticos, saíram fortalecidos com a proibição das coligações para vereadores. O que é bom para a adoção do voto distrital.

De qualquer forma, embora aos eleitos caberá chefiar o Poder Executivo ou representar a soberania popular no Poder Legislativo municipal, aos não eleitos ou reeleitos que derem continuidade ao trabalho político junto aos seus eleitores haverá a possibilidade de concorrerem com maior sucesso nas próximas eleições. Precisam para tanto cultivar a representatividade que obtiveram.

Aliás na vida, como nos ensina Antoine de Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe”, todos passam a ser responsáveis por aqueles que cativarem, neste caso também para a obtenção do voto popular.

Portanto, todos na democracia são vitoriosos! Mas, principalmente, o eleitor (a) com o exercício do direito de escolher na democracia representativa os seus próprios representantes nos Poderes Executivo e Legislativo com suas ações submetidas apenas às leis sob jurisdição do Poder Judiciário.

*Jornalista e escritor

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Esperança e cuidado – Opinião | O Estado de S. Paulo

Seria equívoco achar que cuidados e protocolos podem ser flexibilizados por 'termos vacina'. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para vencer a pandemia

Depois de longos e ansiosos meses de espera, o País está próximo do início do processo de vacinação contra a covid-19. Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan e a Fiocruz pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o uso emergencial de suas vacinas, a Coronavac e a AstraZeneca/Oxford.

No ofício à Anvisa, a Fiocruz solicitou autorização para importar 2 milhões de doses da vacina, bem como para produzir aqui 100 milhões de doses no primeiro semestre e mais 110 milhões no segundo semestre. No caso da Coronavac, há previsão de que ela seja utilizada para imunizar toda a população do Estado de São Paulo, segundo o Plano Estadual de Imunização. Além disso, estão em curso negociações para sua utilização em todo o País.

As notícias sobre as vacinas são excelentes. Desde o ano passado, a covid-19 já matou mais de 1,9 milhão de pessoas e provocou enormes estragos sociais e econômicos no mundo inteiro. No Brasil, já são mais de 200 mil mortes.

Os pedidos de autorização à Anvisa são, portanto, motivo de grande esperança. É especialmente alvissareiro, por exemplo, saber que os brasileiros poderão, muito em breve, ser imunizados com uma vacina com 78% de eficácia contra casos leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que precisam de internação hospitalar. Essas são as taxas de eficácia da Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

Poesia | Charles Baudelaire - O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.