sábado, 6 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Obtuso e autoritário – Opinião / Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro usa intimidação descabida contra professores universitários

É sabido que as universidades públicas estão entre os principais campos de batalha ideológica do bolsonarismo. Entretanto o governo de turno não trava nessa seara um embate à base de ideias e argumentos, como seria legítimo, mas de intimidações, não raro formais.

A mais recente delas foi a investigação por parte da Controladoria-Geral da União (CGU) contra dois professores da Universidade Federal de Pelotas (RS), Pedro Hallal e Eraldo dos Santos Pinheiro.

Acusados pela CGU de proferirem “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao presidente da República” em evento online da universidade onde criticaram a gestão da pandemia, os docentes assinaram termos de ajustamento de conduta, com extratos publicados no Diário Oficial, dando encerramento às investigações.

A punição foi se comprometerem a não repetir críticas semelhantes pelos próximos dois anos e participarem de curso de ética pública. Sanções dessa natureza geram efeito inibidor na liberdade de crítica inerente ao ofício acadêmico.

Entrevista / FHC menciona 'mal-estar' por não ter votado em Haddad em 2018

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expressou certo arrependimento por ter votado nulo no segundo turno da última eleição presidencial que consagrou Bolsonaro

Sérgio Roxo e Gustavo Schmitt / Revista Época

1. O presidente Jair Bolsonaro se mantém com apoio de um terço do eleitorado e tem chance de ir ao segundo turno das eleições de 2022. Qual é sua análise sobre esse fenômeno?

Em primeiro lugar, ele ganhou a eleição. Tem muita gente que se sente representada por ele. O estilo dele, um pouco rude, aparece como uma coisa aberta, de sinceridade, uma certa raiva das elites e um sentimento de que o Brasil precisa de gente dura. Agora a situação econômica está ficando mais complicada por causa da pandemia. Mas acho que ele vai manter, de alguma maneira, um certo favoritismo, pode ser até reeleito.

2. Bolsonaro foi eleito com propostas liberais, mas promoveu intervenção na Petrobras. O senhor acha que ele vai abandonar de vez as propostas liberais?

Tenho a impressão de que ele nunca foi liberal. Tem uma formação militar. Eu conheço bem, meu pai era militar general, meu avô marechal. Ele expressa um pouco esse sentimento mais próximo do povo do que uma visão liberal que ele nunca teve. Num país como o Brasil, com tanta desigualdade, com tanta pobreza, se referir só ao liberalismo não resolve. Ele se elegeu não porque era liberal. Elegeu-se porque se identificava com o povo. Tinha capacidade de falar e tocava no interesse popular. Será que ele vai ser capaz de novo? É possível. É claro que essa pandemia é desagradável para qualquer um que esteja no governo. E ele trata mal a pandemia. Não é uma pessoa que tenha sentimento de sofrimento alheio. Depende de aparecer alguém que toque naquele momento o povo. Se não houver alguém que expresse um sentimento que diga “venha comigo e eu te levo ao paraíso”, o pessoal vai no Bolsonaro.

3. O senhor acha que há risco para a democracia brasileira se Bolsonaro for reeleito?

Fazer o quê? Pode ser reeleito. Nada assegura que a maioria esteja consciente de todos esses problemas. É preciso, durante a campanha, aumentar o grau de informação, debater mais abertamente e pegar aqueles pontos que são sensíveis à população.

4. Em 2018, o senhor votou nulo no segundo turno. Numa situação semelhante em 2022, com duelo entre PT e Bolsonaro, repetiria esse caminho?

Eu preferia não votar. Foi a única vez na vida que votei nulo. Não acreditava na possibilidade de o outro lado fazer uma coisa, que, no meu modo de entender, fosse positiva. Embora eu reconheça que o outro lado tinha mais sensibilidade social do que o Bolsonaro. Mas tinha medo que houvesse uma crise muito grande financeira e econômica e rachasse ainda mais o país. Só em desespero que se vota nulo. Tinha votado no Geraldo Alckmin no primeiro turno e fiquei sem ter candidato. E achei melhor que uma candidatura do PT, de uma pessoa que eu conheço até, me dou bem com ele, o Fernando Haddad. É uma boa pessoa, mas eu achei que ele era pouco capaz de levar o Brasil, naquela época. Hoje, deve ter melhorado. A pior coisa é você ser obrigado a não ter escolha. Ao não ter escolha, permite o que aconteceu: a eleição do Bolsonaro. Teria sido melhor algum outro? Provavelmente, sim. Pergunta se eu me arrependo? Olhando para o que aconteceu com o Bolsonaro, me dá um certo mal-estar não ter votado em alguém contra ele.

5. Mas em 2022 o senhor votaria no PT contra Bolsonaro?

Depende de quem do PT seria capaz de levar o país. Espero que não se repita esse dilema. Pouco provável que se repita. O PT perdeu muita presença. O Lula tinha uma imantação, que era do Lula, e não do PT. Não sei quem vai ser o candidato do PT. Mas eu prefiro que seja um candidato saído do PSDB, do centro, não necessariamente do PSDB. Porque acho que temos de fazer a economia crescer e, quando temos um candidato que é muito antimercado, como era sensação no caso do PT, há pouca chance de que o país se reconcilie consigo próprio. Nós somos hoje um país muito dividido. É preciso ter uma pessoa que seja capaz de unir esse Brasil. Mas que não tenha como propósito rachar. A sensação que eu tenho com o Bolsonaro é que, na cabeça dele, quanto mais rachado, melhor. Nós já estamos demasiado polarizados. Por enquanto, temos um polo só que é negativo: a favor do Bolsonaro ou contra. Não temos o outro. Quem for capaz de criar um polo que transcenda seu próprio partido e chegue ao povo terá meu voto, independentemente de ser do meu partido ou não. Prefiro obviamente que seja do meu partido.

Ascânio Seleme - Na casa da tua mãe

- O Globo

A frase foi usada por Bolsonaro, em agenda em Uberlândia (MG), para falar sobre "idiota que pede compra de vacina"

Jair, onde você absorveu tanta arrogância? Onde você iniciou o processo involutivo que o transformou no indivíduo tosco que deixa o Brasil atônito? Foi na casa da tua mãe.

Onde você emburreceu tanto e virou esse indivíduo desconectado do mundo civilizado? Onde você encontrou tanta gente obtusa como você para reunir ao seu redor? Foi na casa da tua mãe.

Onde você teve seu caráter desviado de forma tão radical que alcança até mesmo todos os zeros que você criou? Foi na casa da tua mãe.

Capitão, onde você construiu toda a perversidade que escorre em suas veias e baba da sua boca? Onde você foi encontrar tanto ódio que se percebe claramente no seu olhar e na sua risada sádica? Foi na casa da tua mãe.

Onde foi concebido este espírito antidemocrático que o domina de maneira irrevogável e que ameaça um país inteiro? Foi na casa da tua mãe.

Onde o seu coração de pedra foi lapidado, ou dilapidado? Onde foi que o endureceram de tal forma que a empatia não consegue penetrar? Foi na casa da tua mãe.

Diga, onde talharam e envernizaram esta sua lustrosa cara de pau? Onde você aprendeu a mentir tanto, Jair? Foi na casa da tua mãe.

Onde mesmo foi que te ensinaram que chorar por seus mortos é frescura e mimimi?

Onde foi que você descobriu que os corajosos enfrentam o vírus e saem às ruas? Na casa da tua mãe.

Onde você aprendeu a roubar, a desviar dinheiro público para comer gente? Teria sido no mesmo lugar em que você ensinou seus filhos a fazer rachadinhas? Foi na casa da tua mãe.

Jair, onde você se tornou homofóbico e misógino? Onde começou a entender que mulher é filha da fraqueza e gay deve levar porrada? Foi na casa da tua mãe.

Conte onde foi que você descobriu que o Brasil é um país de maricas? Foi na casa da tua mãe.

E onde você percebeu que há excessos de direitos no Brasil? Foi na casa da tua mãe.

Carlos Alberto Sardenberg - Ele é ruim assim

- O Globo

A questão é: o presidente Bolsonaro acredita mesmo que quem se preocupa com a pandemia é um maricas ou está apenas fazendo jogadas? Pela segunda hipótese, as declarações impiedosas dele — “vão chorar até quando?” — têm o objetivo de, primeiro, esquentar suas bases e, segundo, de desviar a atenção dos desvios de seus filhos — a compra da mansão — e de seus fracassos.

Pela primeira hipótese, ele é um homem despreparado, insensível, com comportamentos desprezíveis, como esse de zombar da morte.

A tentação imediata é responder: um pouco das duas coisas. Talvez seja por aí — o presidente faz jogadas. Mas não parece ter o tirocínio, nem a capacidade emocional para armar jogadas consistentes. Parece mais um homem sob um ataque de nervos quando percebe as coisas desmoronando a seu redor.

Sim, Bolsonaro ainda tem uns 30% de aprovação. A oposição não tem um candidato presidencial já nas ruas como ele está o tempo todo.

Mas, vamos reparar. Estamos nos aproximando dos 11 milhões de casos de Covid-19. Cada uma dessas pessoas tem relacionamentos — familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. Quanto dá esse grupo, em média? Dez, 15 pessoas? Qualquer que seja a conta, não estará errado verificar que milhões de brasileiros tiveram contato com alguém próximo doente. São esses os frescos atingidos pela pergunta: “Vão chorar até quando?”.

Sem contar os parentes de pessoas que, nos dias de hoje, não encontram leitos para internar seus entes queridos.

Pablo Ortellado - Eles em nós

- O Globo

A editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber Avelar, “Eles em nós”, que busca interpretar os acontecimentos recentes da política brasileira com os instrumentos da análise retórica.

O maior mérito da obra é examinar os processos políticos recentes, reconstruindo cuidadosamente os acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente distanciada. A posição política do autor, que vem da esquerda, mas se afasta dela, confere rara equidistância para tratar criticamente as administrações petistas e o governo Bolsonaro.

A principal limitação do livro é justamente o que seria a sua virtude: o uso de categorias da retórica para explicar os processos políticos. Avelar tem larga experiência como comentador político, mas preferiu se apoiar em sua especialidade, como professor de Literatura, para se lançar neste projeto de interpretação do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às vezes dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as questões.

Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura de linguagem que combina palavras de sentido oposto) para tratar das contradições do lulismo. Mostra que, enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi como interlocutor; enquanto atacava os meios de comunicação, ampliava as verbas de publicidade do governo.

Claudio Ferraz - Polarizar para governar

- O Globo

As ações de Bolsonaro não são consequência de sua ideologia, mas da estratégia de dividir para conquistar ou amedrontar para governar

A explosão de mortes pelo coronavírus nas últimas semanas acompanhada pela relutância do governo à compra de vacinas, o boicote às mascaras e ao lockdown, e a indiferença com que o presidente Jair Bolsonaro trata as mortes, levam muitos a se perguntarem como o Brasil pôde eleger um líder tão incompetente e indiferente ao sofrimento humano.

Porém uma forma alternativa de pensar nas ações do presidente é que elas não são consequências de sua ideologia ou inépcia, e sim de uma estratégia de dividir para conquistar ou amedrontar para governar. Quanto mais dividida estiver a sociedade, maior a capacidade do presidente de instaurar o medo do “outro lado” voltar ao poder. E quando o medo domina os seres humanos, o tribalismo aflora em sua máxima expressão.

Um modelo elegante que captura essas dimensões foi publicado em 2007 pelo professor de economia de Yale, Gerard Padro-i-Miquel. No trabalho “O controle de políticos em sociedade divididas: a política do medo” ele se pergunta como é possível que em sistemas autocráticos exista tanta corrupção por parte do governo coexistindo com o uso de políticas públicas ineficientes, pobreza generalizada, e mesmo assim um autocrata consegue se manter no poder.

Monica de Bolle* - O colapso

- Revista Época

Estamos prestes a viver outra ruptura, essa muito pior do que a primeira. Da ruptura iminente talvez tenhamos convulsões sociais e políticas. Viveremos a tragédia em outro patamar

A economia brasileira colapsou em 2020, já me apresso a dizer. O PIB não reflete as mortes, o sofrimento de quem teve sequelas de Covid-19, que talvez tenha ficado debilitado e não possa retornar ao mercado de trabalho. O PIB não reflete as marcas que permanecerão depois de tantos óbitos, apesar de um sistema de saúde que, mesmo subfinanciado, tentou dar conta da crise humanitária a que ações e omissões intencionais do governo federal deram uma dimensão que não imaginaríamos um ano atrás. O PIB reflete o apoio à economia que o auxílio emergencial representou. Ele mostra que o auxílio foi um dinheiro da sociedade empregado em seu próprio proveito, apesar do atual governo antibrasileiro. Sem ele, o “tombo”, como alguns se referem à recessão brutal, teria sido muito maior. Esse é o passado que se desdobra no presente. Mas e agora?

No presente estamos explorando as profundezas do colapso. De acordo com estudos já publicados e outro prestes a ser publicado em formato preprint pelo Observatório Covid-19 — rede multidisciplinar de cientistas a qual integro —, a variante P1, que surgiu em Manaus ao final de 2020, é cerca de duas vezes e meia mais transmissível que as anteriores. Isso tem ao menos dois significados: a curva exponencial de contágios é muito mais agressiva e a disseminação é de magnitude mais elevada. Para que se tenha uma ideia, a P1 é duas vezes mais transmissível que a variante viral que pôs toda a Europa em lockdown ao final do ano passado. É provável que seja a propagação da P1 a responsável pelos colapsos hospitalares que temos visto no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Maranhão, no interior de São Paulo, além de em várias outras partes do país.

Novas restrições devem aumentar número de desempregados e falências

Baixo acesso ao crédito, falta de socorro financeiro e contas a pagar preocupam empresários do país

Isabela Bolzani /Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - As novas restrições de circulação em diversos estados pelo país terão impactos mais dolorosos na economia, afirmam representantes de diversos setores.

Sem programas de manutenção do emprego definidos por parte do governo, baixo acesso ao crédito e com um volume crescente de contas a pagar, o receio é de que as empresas, principalmente as de pequeno porte, entrem em colapso financeiro —aumentando o número de demissões e de falências.

Segundo o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Percival Maricato, apesar de as ações tomadas pelo governo serem vistas como essenciais, o momento também requer novos programas de saneamento das companhias.

 “É difícil falar de planejamento financeiro nessa altura do campeonato, muita gente está tocando com a barriga para ver como vão sobreviver. Estamos com estabilidade de funcionários por seis meses, não estamos faturando e ainda temos que pagar bancos, proprietários dos imóveis, fornecedores, energia, IPTU e outros impostos. Ninguém tem dinheiro sobrando”, afirmou.

Ricardo Noblat - Compra de mansão por Flávio Bolsonaro vira um negócio tarja preta

- Blog do Noblat / Veja

Informações escondidas em cartório

Pode ser considerado sério, muito menos transparente, um negócio de R$ 6 milhões registrado em cartório em que 18 trechos estão cobertos com tarjas de cor preta que omitem informações tais como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de uma das partes?

O jornal O Estado de S. Paulo obteve cópia da escritura da compra de uma mansão em Brasília pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher. A dentista Fernanda Antunes Figueiredo Bolsonaro. A renda declarada pelo casal é um dos trechos cobertos por tarja.

O ato, do 4.º Ofício de Notas do Distrito Federal, contraria a prática adotada em todo o país e representa tratamento especial conferido ao filho do presidente Bolsonaro. A escritura da compra e venda de um imóvel, pela lei, deve ser acessível a qualquer pessoa. Leis que tratam da atividade cartorial não preveem sigilo.

Demétrio Magnoli - Biopolítica da pandemia

- Folha de S. Paulo

Narrativa de que o totalitarismo é mais eficiente na contenção do contágio está errada

A eclosão da Covid-19 em Wuhan, em dezembro de 2019, foi muito mais ampla do que se imaginava. Naquele mês, circulavam ao menos 13 variantes da cepa A do novo coronavírus na cidade chinesa, uma indicação de que a doença já se difundia, silenciosamente, havia tempo. A descoberta da missão da OMS na China lança luz sobre a transformação de uma epidemia localizada na mais dramática pandemia desde a gripe espanhola.

O percurso derivou de uma conjugação de fatores políticos e biológicos. Sob o peso de um lockdown aplicado com a força implacável de um Estado totalitário, Wuhan emergiu da onda de contágios com poucos milhares de mortos. As cifras modestas desarmaram os espíritos no resto do mundo, semeando a complacência inicial. Daí, em março de 2020, uma avalanche de óbitos atingiu a Lombardia, deflagrando o lockdown italiano, logo replicado em diversos países europeus.

Alvaro Costa e Silva – Miliciano macabro

- Folha de S. Paulo

Com líderes do Congresso cooptados ao esquema da morte, não há saída para a calamidade

Com a fúria de um miliciano macabro, Bolsonaro ameaça: quem fizer "lockdown" terá de bancar o auxílio de emergência aos trabalhadores. É a lógica do fora-da-lei que cobra proteção e, contrariado em seus interesses, manda cortar o fornecimento de botijões de gás. Na cabeça do capitão, o país é um território tomado à força na zona oeste carioca; o destino dos brasileiros vale menos que a ligação pirata na internet.

Sua falácia é salvar empregos. Quando até mesmo o ministro Paulo "Pibinho" Guedes sabe que a retomada econômica está ligada ao combate à pandemia, Bolsonaro continua dedicando-se ao contrário: incrementar a doença. Não à toa seus fanáticos adoradores curtem o apelido Capitão Corona.

Cristina Serra - A profecia do imigrante haitiano

- Folha de S. Paulo

Há um ano ele enunciou a nossa desgraça

Um ano. Faz um ano que um imigrante haitiano enunciou a nossa desgraça: "Bolsonaro acabou (...) Você não é presidente mais. Precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros!". Um ano. Mas parece que um século nos separa dessa profecia, tão apavorante ela soou e tão terrivelmente se confirmou. Bolsonaro está matando os brasileiros e não conseguimos detê-lo.

Os 260 mil mortos até agora e os muitos que ainda virão, os sobreviventes com sequelas, os trabalhadores da saúde esgotados, uma geração de órfãos do vírus, os alertas de cientistas, os apelos de autoridades, os desempregados, os desesperados"... Nada abala a calculada estratégia assassina de Bolsonaro, demonstrada nas medidas que tomou ou que deixou de tomar na pandemia.

Hélio Schwartsman – Realpolitik

- Folha de S. Paulo

Nas relações internacionais, vige o estado de natureza hobbesiano

Há uma diferença importante entre o policial e o diplomata. Diante de crimes mais sérios, policiais não têm opção que não a de indiciar os suspeitos, independentemente do que achem da lei ou das circunstâncias que levaram ao delito.

Nas relações internacionais, as coisas são um pouco mais complicadas. Mesmo quando a diplomacia está diante de um crime gravíssimo e muito bem documentado, pode ver-se compelida a pegar leve com o autor. É o que acaba de fazer o presidente dos EUA, Joe Biden, ao deixar de responsabilizar o príncipe saudita Mohammed bin Salman pelo assassinato e esquartejamento do jornalista Jamal Khashoggi em 2018.

O problema de base é que, nas relações internacionais, vige o estado de natureza hobbesiano. Sem uma autoridade central forte que a todos submeta, cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser. As principais limitações são a força de outros países, seguida de acordos e tratados internacionais, cuja imposição, entretanto, é fraca, e, no caso de democracias, da repercussão política que as ações possam ter para o público interno.

Miguel Reale Júnior* - Presidente de cemitério

- O Estado de S. Paulo

O Ministério Público, a Câmara e o Senado precisam cumprir o dever de salvar o País

Em que momento a considerável parcela da população que ainda acorre às aglomerações ilícitas provocadas pelo presidente vai se dar conta de estar, em crença fanática, a louvar um perverso para quem o medo da morte por asfixia é “mimimi”? Até quando o Brasil será conduzido pelo quarto cavaleiro do apocalipse?

Bolsonaro não é presidente para administrar o País, mas tão só para se reeleger em 2022, seu único interesse, mesmo que venha a ser apenas presidente do cemitério. Jamais assumiu a liderança do enfrentamento da covid-19, preocupado só em atribuir a crise econômica e a perda de empregos a governadores e prefeitos, para se livrar dessa responsabilidade e angariar votos.

Bolsonaro, absolutamente indiferente ao crescente número de mortos, muitos sem oxigênio ou nos corredores por falta de leitos em UTIs, passeia pelo País sem máscara, promovendo aglomerações, nunca se compungindo diante da dor ou visitando algum hospital. Somente mandou sequazes invadir hospitais para flagrar ser mentira sua superlotação!

Continuamente conspirou contra a importância da vacina, cuja pressa em obtê-la ridicularizou, proclamando mentirosamente haver efeitos colaterais nocivos, desorientando a população.

Bolívar Lamounier* - Temos um governo genocida?


- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não tem estatura para isso. Sinais de insanidade já dá – e não são poucos

Disseminar um vocábulo raramente usado no Brasil, como genocídio, é uma proeza. Jair Bolsonaro conseguiu, hoje tal vocábulo aparece nas redes sociais praticamente todo dia.

É certo que o termo é empregado para xingar o próprio Bolsonaro. Muita gente se vale dele para afirmar que o Brasil tem atualmente um presidente genocida. Dito assim, mesmo reconhecendo que algo há de verdade, devemos convir que se trata de um enorme exagero. Bolsonaro não tem estatura para carregar um peso desses. O que ele tem feito, dia sim e outro também, é sabotar o trabalho dos agentes de saúde no combate à covid-19, atrapalhando ação dos governadores e prefeitos, formando aglomerações e até criticando o uso de máscaras.

Lá atrás, em sua fase mais cômica, aventurou-se na charlatanice médica, receitando remédios que liquidariam o coronavírus num abrir e fechar de olhos. Hoje, parece-me inegável que ele é culpado por uma parcela dos 260 mil óbitos já registrados, mas não tenho, e penso que ninguém tem, como estimar a quanto monta tal parcela. Cabe, portanto, a suposição de que ele tem responsabilidade por certo número de mortes, mas daí a designá-lo como genocida vai uma longa distância.

Onde tem fumaça, tem fogo. A questão é séria e deve ser debatida, mas sem partir de cara para o exagero. Genocídio, como já sugeri, é uma coisa muito maior. Briga de cachorro grande. Se nossa intenção é compreendê-la e chegar a uma avaliação plausível do papel de Jair Bolsonaro, é indispensável começar pelo começo. Pelo conceito e por alguns exemplos históricos.

João Gabriel de Lima - Cabe ao eleitor encontrar o culpado

- O Estado de S. Paulo

Nos regimes presidencialistas, o mordomo costuma ser o próprio presidente

De quem é a culpa por nossas tragédias simultâneas – a da pandemia e a da economia? Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro acusou os governadores de mau uso de repasses federais. Os governadores responderam – em entrevistas, nas redes sociais e até num manifesto – afirmando que Bolsonaro mente. Segundo eles, o presidente, além de falsear números, atrapalha o combate à pandemia ao ignorar a ciência. “Será que os principais países do mundo, que adotaram o distanciamento e a vacinação como estratégia de combate ao vírus, estão errados – e o Brasil, com 260 mil vidas ceifadas, está certo?”, perguntou no Twitter o governador gaúcho Eduardo Leite

As duas tragédias se expressam em números eloquentes. Na quarta-feira, o Brasil contabilizou 74 mil novos casos de infecções pelo coronavírus, assumindo a triste liderança nessa estatística, à frente dos Estados Unidos. No mesmo dia soube-se que a economia encolheu 4,1% em 2020. Segundo cálculos de Claudio Considera, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e personagem do minipodcast da semana, a retração tira o Brasil do “top ten” da economia. Éramos o sétimo do mundo depois do ciclo social-democrata de Fernando Henrique e Lula. Com Dilma, caímos para o nono lugar. Sob Bolsonaro, passamos para décimo segundo. De quem é a culpa? 

Adriano Fernandes - Botão de guerra

- O Estado de S. Paulo

Saúde e Economia caminham em passos distintos, enquanto o colapso do sistema de saúde de Manaus atinge o resto do País

Na briga insana contra as medidas de isolamento social para frear a pandemia, Jair Bolsonaro repete a toda hora que a economia e a saúde “andam juntas”. No seu governo, essas duas áreas, porém, não se conversam.

Não se tem notícia de nenhuma reunião de cúpula dos Ministérios da Economia e da Saúde – Paulo Guedes e Eduardo Pazuello – para a organização de uma estratégia conjunta, a não ser por repasse de dinheiro. Nenhum encontro sequer dos “generais” de Bolsonaro num gabinete de guerra, de crise.

Saúde e Economia caminham em passos distintos enquanto o cenário mais catastrófico do início do ano se confirmou: a disseminação do colapso do sistema de saúde de Manaus para o resto do País. Tudo ao mesmo tempo.

Vírus avançando, com famílias inteiras contraindo a doença, UTIs lotadas, retrocesso na retomada econômica, alta volatilidade dos mercados e desconfiança dos investidores em relação ao que vai acontecer com o Brasil. A paciência deles com o País indo embora. 

É a tempestade perfeita, que ocorre quando um evento ruim é drasticamente agravado pela ocorrência de uma rara combinação de circunstâncias que se transforma em um desastre sem proporções.

Marcus Pestana* - O agravamento da pandemia e a emergência

Onde há vida há esperanças” (Miguel de Cervantes)

Não é fácil acalentar a esperança quando encaramos manchetes como “País tem recorde de mortes”, “No maior salto da pandemia, país perde 1.726 em 24 horas”. Mas a esperança é o motor da vida. Um misto de pessimismo, pânico e decepção tende a tomar conta de corações e mentes num momento tão trágico. O inimigo oculto é traiçoeiro e mutante. Quando muitos achavam que a pandemia estava em seu finalzinho, o coronavírus dobrou a aposta e apareceu com carga maior de transmissibilidade e elevou o número de mortes.

A realidade está a exigir não um esforço isolado de um cavaleiro errante como Dom Quixote e sua luta contra moinhos de vento, mas uma agressiva ação unificada de governos e sociedade. Infelizmente, o Brasil lidou mal com a crise sanitária da COVID-19. Subestimamos a gravidade da pandemia, apostamos em terapias de eficácia desmentida pela ciência, assistimos a predominância do conflito nas relações políticas, emitimos sinais equivocados na mobilização da população para o comportamento social e individual preventivo. Perdemos o bonde da história na compra de vacinas. Precisamos de liderança, competência e exemplos.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A luz em Joaquim Cardozo

Escrever de Joaquim Cardozo
só pode quem conhece
aquela luz Velásquez
de onde nasceu e de que escreve.

A luz que das várzeas da Várzea
onde nasceu, redonda,
vem até o ex-Cais de Santa Rita
que viveu: luz redoma,

luz espaço, luz que se veste,
leve como uma rede,
e clara, até quando preside
o cemitério e a sede.

In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.375. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira)