quinta-feira, 11 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A necessária alternativa para o caos – Opinião / O Estado de S. Paulo

Para enfrentar Lula e Bolsonaro, as lideranças precisam se organizar para construir, já, uma candidatura capaz de sensibilizar o eleitorado

Lula da Silva e Jair Bolsonaro nunca desceram do palanque. O petista, nem quando esteve preso; o presidente, nem diante de uma pilha de mortos. Logo, os dois saem em considerável vantagem na disputa eleitoral de 2022, cuja campanha, totalmente fora de hora, começou no exato instante em que saiu o resultado da eleição de 2018.

Para enfrentá-los – e evitar que o País tenha que encarar no mínimo mais quatro anos de pesadelo –, as lideranças políticas, sociais e empresariais interessadas na democracia precisam urgentemente se organizar para construir, já, uma candidatura capaz de sensibilizar o eleitorado, em especial a parte – seguramente majoritária – que está farta da briga de rua em que se transformou a política brasileira nos últimos tempos.

Esse objetivo, que nada tem de trivial, implica necessariamente que as forças do centro democrático sejam capazes de deixar as vaidades de lado e costurar uma candidatura única. No atual cenário, quando há quatro ou cinco possíveis candidatos desse campo para disputar uma eleição, é porque não há nenhum.

Algo, contudo, parece ter se movido, especialmente depois que, por uma espantosa decisão judicial, o chefão petista Lula da Silva recuperou seus direitos políticos e deve ser candidato em 2022.

Merval Pereira - Dois erros antigos

- O Globo

Nada como uma competição, dogma do sistema capitalista que nenhum dos dois, Bolsonaro ou Lula, aceita integralmente. Não gostam de privatizações, querem o Estado induzindo a economia brasileira, usando as estatais como fonte de recursos políticos e econômicos. Bolsonaro, logo depois da fala de Lula, apareceu de máscara em solenidade pública, e nas redes sociais seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, postou a foto do pai com o slogan: “A vacina é nossa arma”. Parecia um slogan do governador paulista, João Doria.

Seria incorreto dizer que, afinal, Bolsonaro tem um adversário à altura na corrida presidencial. Mas é fato que a disputa entre um presidente no mandato contra um ex-presidente de dois mandatos é diferente. Como a pandemia se tornará o grande tema político nos próximos meses, a partir do patamar trágico de mais de 2 mil mortes diárias, o discurso do ex-presidente Lula foi um lançamento em alto estilo de sua candidatura, falando coisas sensatas e dando indicações do que faria se estivesse no governo.

Um comitê de crise, uma informação constante, com orientação à população e, sobretudo, incentivar a vacinação e não desdenhar a ciência são medidas de bom senso. Mas Luiz Mandetta, quando era ministro da Saúde, fez isso, e o governador João Doria está fazendo desde os primeiros dias da pandemia. Com vantagem para Doria, que tem o Instituto Butantan e a vacina CoronaVac para imunizar os habitantes de São Paulo e ainda distribuir doses por outros estados.

Malu Gaspar - Juízes não podem tudo

- O Globo

O Fla-Flu em que se transformou a política brasileira viveu nos últimos dias um capítulo icônico, que começou com o movimento de Edson Fachin para salvar Sergio Moro e o legado da Lava-Jato e culminou no discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo. Enquanto moristas e bolsonaristas se revoltavam — não necessariamente pelo mesmo motivo —, partidários de Lula comemoravam o que diziam ser o restabelecimento da justiça e da verdade no Brasil.

Os últimos lances no STF deixam claro, porém, que nada disso eliminou um dos fatores que mais contribuíram para a crise em que vivemos e continua sem ser encarado de frente: no Brasil, juízes agem como se pudessem tudo. E, ao fazê-lo, ameaçam um pilar básico da democracia: o de que ninguém está acima da lei.

A esta altura do campeonato, só um alienígena consideraria não haver elementos para discutir se Moro agiu ou não com parcialidade nos processos contra o ex-presidente. Os diálogos divulgados pela Vaza-Jato mostram que ele de fato “pulou o balcão”, como diz Gilmar Mendes, dando a procuradores instruções que não lhe competiam e tomando decisões que abriram flanco a contestações.

Entre esses atos, estão a condução coercitiva de Lula; a divulgação dos diálogos entre Lula e Dilma captados por interceptação telefônica já depois do horário permitido por lei e a liberação para o público da delação de Antonio Palocci sobre o caixa 2 do PT, dias antes do primeiro turno de 2018. Sem contar Moro ter assumido a pasta da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, dizendo que o fazia para preservar o legado da operação.

Míriam Leitão - Acertos políticos, erros econômicos

- O Globo

O ex-presidente Lula acertou muito mais do que errou na longa exposição de ontem. Os acertos foram no ponto principal: combate à pandemia, respeito à ciência e às regras sanitárias, estímulo a que todos se vacinem. Lula defendeu que a estratégia correta a ser adotada pelo governo era ter um gabinete de crise, em reunião constante, em visita aos hospitais, em contato com a população. Essa é a grande emergência da hora e ao falar ele deixou claro a grande falha do presidente Bolsonaro, que errou durante um ano na pandemia e, ontem, mesmo se rendendo à máscara, ainda defendeu a cloroquina.

Como a fala inicial foi longa, a sessão de perguntas e respostas, também, o ex-presidente passeou por vários assuntos em duas horas e meia, mas voltava sempre ao fato de que o Brasil enfrenta a tragédia das mortes de “quase 270 mil brasileiros”.

Lula disse que não era hora de se dizer candidato. Contudo, aquele era um discurso de candidato. Ele avisou que sairá conversando com políticos, empresários, sociedade. Disse que se juntar o PT, PCdoB, PSOL é uma frente de esquerda, o que sempre foi feito, por isso defendeu o diálogo com outros grupos políticos, num claro aceno ao centro. Mas apenas isso, um aceno.

Ricardo Noblat - Lula empareda Bolsonaro que começa a dançar miudinho

- Blog do Noblat / Veja

Política não é coisa para amador

Maior passagem de recibo não poderia haver do que Bolsonaro, poucas horas depois da fala de Lula ao país, aparecer de máscara, defender a vacinação e dizer que seu governo fez o que pôde e até o que não parecia possível para barrar a livre circulação da Covid.

Era a tal da nova postura do presidente anunciada nas redes por sites de grande audiência. É verdade que ele abandonou a máscara logo após sair de cena. Mas seus auxiliares estavam exultantes, Bolsonaro, afinal, se rendera aos seus conselhos.

Que nada. Poucas horas mais tarde, em entrevista à CNN Brasil, o Bolsonaro de sempre reapareceu para outra vez atacar as medidas de isolamento social e culpar os governadores, principalmente os do PT, pelos danos que isso causa à economia.

E que dia ele escolheu para proceder assim. De manhã, havia sido chamado por Lula de “fanfarrão”, de irresponsável no enfrentamento da pandemia, e de presidente que destruiu o meio ambiente, a educação, a saúde e o futuro de brasileiros.

Bruno Boghossian – Mutação e anomalia

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro faz operação para disfarçar sabotagem na pandemia

O governo lançou uma operação desesperada para disfarçar a sabotagem de Jair Bolsonaro aos esforços de combate à pandemia. O estrago está feito, mas o presidente abriu um baú de mentiras, distorções e omissões para fingir que jamais criou embaraços à vacinação ou desestimulou medidas de proteção.

Depois de incentivar aglomerações e ignorar o uso de máscaras, Bolsonaro apareceu com o nariz e a boca cobertos durante um evento oficial nesta quarta (10). No início do ano, ele dizia que a eficácia daquele equipamento era "uma ficção".

A cerimônia foi o mais recente ato da encenação que tenta encobrir o desprezo do governo na busca por imunizantes. Num discurso, Bolsonaro listou ações burocráticas e omitiu as dificuldades que ele mesmo fabricou no caminho.

A trama começou há pouco mais de um mês. No início de fevereiro, o presidente alegou que nunca fora "contra a vacina". O passado desmente Bolsonaro. Ele já afirmou que pegar o vírus era "a melhor vacina" e fez propaganda de remédios ineficazes contra a Covid ao sugerir que seria "mais barato investir na cura".

Mariliz Pereira Jorge - O antibolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Um deputado chinfrim e antidemocrático por 30 anos não vira estadista

Ruim com o PT? Para cada vez mais gente, pior com um lunático, genocida e sua trupe de incompetentes. Em dois anos, Jair Bolsonaro é odiado por gente de todo o espectro político, inclusive ex-apoiadores, e pavimentou o surgimento do antibolsonarismo.

O movimento "qualquer um menos Bolsonaro" tem nele o melhor garoto propaganda, que nos lembra todos os dias que a reforma mais importante para o país é a do ocupante do seu cargo.

Eleito à custa do antipetismo, Jair provou o que se sabia sobre ele: deputado chinfrim e antidemocrático por 30 anos, não se transformaria num estadista. Ódio pode mover eleitores, mas não é combustível para governar um país, só para destruí-lo.

Vinicius Torres Freire – O risco de 400 mil mortes no dia das Mães

- Folha de S. Paulo

Dados mostram total descontrole da epidemia, que precisa de um governo de emergência na saúde

As UTIs dos hospitais da prefeitura de São Paulo vão lotar em cerca de duas semanas caso o número de pessoas internadas por Covid-19 continue a crescer como nos últimos sete dias. Isso se a cidade dispuser de novo do número máximo de leitos que já teve, 1.290, entre outubro de novembro do ano passado. A cidade ainda acha que pode chegar a 1.400 camas para atender a esses doentes muito graves. Então, no ritmo atual, a lotação ocorreria em 18 dias, três semanas, no máximo.

Quanto tempo levaria para conter esta onda, reduzir o morticínio nacional pelo menos ao nível de horror de um mês atrás (mil mortos por dia)? Estamos com mais de 1.500 por dia, na média móvel de sete dias, mais de 2 mil nesta semana. Não é comparação tecnicamente correta, mas países europeus levaram de um a dois meses para reduzir o morticínio do pico à metade, alguns com o auxílio de vacinação em massa, como o Reino Unido.

Em Israel, o número de mortos por milhão era de 7,4 por dia (a mesma do Brasil de agora) quando já vacinara mais de 30% da população, em 25 de janeiro. Agora, a taxa de mortes israelense está perto de 2 por dia, por milhão, com mais de 57% vacinados.

Com sorte, o Brasil terá 30% de vacinados lá por fins de maio. De resto, as medidas de restrição de contatos, de distanciamento, serão menos rigorosas que as europeias.

Nesta quarta-feira (10), Eduardo Pazuello, o capacho de Jair Bolsonaro que ocupa o almoxarifado da Saúde, disse que o número de doses de vacina a serem entregues em março pode ser menor do que se previa no final da semana passada (30 milhões), quando já se rebaixara a expectativa de vacinação.

Luiz Carlos Azedo - Cadê as vacinas, Bolsonaro?

- Correio Braziliense

As previsões de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), que sanitaristas e infectologistas vinham fazendo desde o mês passado, estão se confirmando

A cúpula do governo já se deu conta de que está protagonizando a maior tragédia sanitária da nossa história, ao fracassar no combate à covid-19, com o negacionismo reiterado do presidente Jair Bolsonaro e a incompetência do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Ontem, em solenidade no Palácio do Planalto, bem que Bolsonaro tentou dar um cavalo de pau e mudou o discurso em relação às vacinas, até disse que a senhora sua mãe foi vacinada em São Paulo (com a Coronavac do instituto Butantan, quanta ironia, a vacina do governador João Doria). Somente fez isso porque foi duramente atacado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por sua atuação como presidente da República durante a pandemia.

As previsões de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), advertência que os sanitaristas e infectologistas vinha fazendo desde o mês passado, estão se confirmando. O Brasil registrou nas últimas 24 horas 2.286 mortes por Covid-19 e 79.876 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O número de vítimas fatais da doença no Brasil chegou a 270.65 e o total de casos aumentou para 11,202 milhões. Mesmo assim, Bolsonaro continua sabotando os esforços de governadores e prefeitos para conter a propagação da pandemia com o isolamento social, enquanto não há vacinas suficientes para imunizar a população.

Maria Hermínia Tavares* - O dilema dos democratas

- Folha de S. Paulo

Esquerda, centro ou direita falam uma coisa e fazem o contrário diariamente.

A mais de um ano das eleições presidenciais, tudo que se diga sobre seu desfecho é temerário, todo prognóstico corre o risco de ser desmentido, com ou sem Lula no páreo. Isso posto, afastada ao que parece a hipótese de impeachment, o endosso da robusta minoria que ainda apoia Bolsonaro, se não derreter até lá, bastará para levá-lo ao segundo turno.

Democratas de esquerda, centro ou direita não se cansam de dizer que a ampla união de forças será necessária em 2022 para impedir que ele se reeleja e, assim, continue a destruir o país e a democracia a duras penas construída. Falam uma coisa e fazem o contrário diariamente.

O centro-direita e a direita não bolsonaristas se movem em torno de seus possíveis candidatos, como se não existisse no país esquerda com enraizamento social e expressão eleitoral consideráveis. Como se pudessem ganhar a Presidência sem o seu apoio.

Já os líderes mais destacados da esquerda dedicam-se com afinco a se atacar uns aos outros —veja-se o tiroteio entre Ciro Gomes e Fernando Haddad. Enquanto isso, intelectuais progressistas gastam tinta para demonstrar que todos os economistas liberais, mesmo os mais críticos ao governo, se igualam a Paulo Guedes e que todos os possíveis candidatos da direita são bolsonaristas envergonhados, ainda que hoje façam oposição aberta ao ocupante do Planalto. Não custa lembrar que Lula e Dilma foram a segundo turno, quando venceram com o imprescindível apoio de forças que não se situam no campo da esquerda.

Fernando Schüler* - Sinal de alerta para o centro político

- Folha de S. Paulo

A polarização tende a produzir uma fuga do centro, que deve buscar consenso

Lula fez discurso de candidato, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e era seu direito fazê-lo. Disse que no seu governo a Petrobras era bem administrada e que o Brasil era o país “mais admirado do mundo”. Chamou a turma da Lava Jato de “quadrilha” e culpou a operação pela perda de mais de 4 milhões de empregos.

Mas o centro do discurso foi mesmo sobre Bolsonaro. Governo de milicianos, eleito pelas fake news, feito de gente que acredita que a Terra é plana. Governo de “imbecis”, em relação ao qual “alguma atitude nós vamos ter que tomar”.

É interessante que Lula não investiu na retórica da “ameaça à democracia”, que é a marca registrada da oposição a Bolsonaro desde a campanha de Fernando Haddad. Sua ênfase é no “pão com manteiga” na mesa do trabalhador, emprego, investimento público (“o que faz o país crescer). Talvez vá aí uma mudança, quem sabe um esgotamento do tema. Ou tenha apenas faltado combinar isso melhor.

A “narrativa”, como agora é moda dizer, parece clara: a decisão de Fachin foi, para todos os efeitos, uma absolvição, um reconhecimento tardio da inocência de Lula. Lava Jato, pois, é coisa do passado. Lula aguentou firme e sempre soube que este dia (esta quarta) iria chegar. E chegou.

OK, discurso político nem sempre se pode levar ao pé da letra, e sempre há aqui e ali algum excesso retórico. Mas o fato é que, escutando essas coisas, é surpreendente que alguém diga que a polarização política não tenha voltado, e voltado com tudo, com a entrada de Lula no jogo.

Fábio Zanini - Discurso mostra tentativa de Lula de reconquistar partes do centro

- Folha de S. Paulo

Petista tenta conciliar tom moderado com críticas agressivas a Bolsonaro

No longo discurso na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi possível ver o Luiz Inácio Lula da Silva de 2002, tentando recapturar parte do eleitorado de centro que perdeu, convivendo com o líder radicalizado por derrotas políticas que se sucedem desde o início da Lava Jato, em 2014.

Num político convencional, essa ambiguidade no discurso seria receita para o fracasso. Num ilusionista como Lula, pode funcionar.

O radical delineou de forma muito clara que sua linha de ataque a Jair Bolsonaro até a eleição de 2022 será o binômio vacina e economia.

No caso da crise de saúde, ele procurou se diferenciar do atual presidente apenas pregando o bom-senso, o que é mais uma amostra de que o petista é um sujeito de sorte.

Não é preciso fazer muito além de falar num púlpito borrifado de álcool em gel, defender máscaras e distanciamento social e, sobretudo, fazer uma ode à vacina para se diferenciar de Bolsonaro. “O Zé Gotinha não é de esquerda” foi uma das muitas frases de efeito.

O tema tem apelo neste momento, mas provavelmente será suplantado nos próximos meses pela questão econômica, e Lula já posiciona o discurso com relação a ela.

Habilmente, conseguiu conectar esse assunto com a delicada questão do autoritarismo de Bolsonaro. No PT, muitos avaliam que é perda de tempo explorar demais as ameaças do presidente à democracia, que não tiram dele um único voto.

Lula encontrou uma fórmula interessante de juntar as duas coisas, ao dizer que “este povo não está precisando de armas, está precisando de emprego”.

Ou, na mesma linha, quando afirmou que “o Brasil não é dele [Bolsonaro] e dos milicianos, é de milhões de pessoas, e essas pessoas precisam de trabalho”.

Já o Lula da Carta ao Povo Brasileiro, o mítico documento da campanha de 2002 que sacramentou sua aliança com o mercado, se fez presente em diversos momentos.

Maria Cristina Fernandes - A volta de Lula

- Valor Econômico

Se os arquivos da Lava-Jato permitem a Lula tentar reescrever sua história, os de Bolsonaro, com condutas, falas, gestos e atos de seu governo dificultam sua reinvenção

Radical é a pandemia, inútil competir. A dor do povo é tão grande que não autoriza mágoas. O estrago é tão gigantesco que a mudança de rumo não é um desejo, mas um imperativo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou a pandemia para ancorar a moderação do presente e baixar a guarda sobre o futuro. É este o eixo de Lula 2022. À indagação sobre as chances de sua candidatura, foi simples e curto: “É mais fácil construir uma frente de esquerda contra o que está acontecendo no país do que uma frente de direita”.

Já mudou o país. No domingo, a pesquisa Ipec o trouxe com um potencial de voto acima daquele do presidente da República. Na segunda, Jair Bolsonaro acordou cordato para uma reunião com a direção da Pfizer. Na terça-feira, o ministro Nunes Marques pediu vistas da suspeição de Moro para manter aberta a possibilidade de as provas dos processos de Lula serem validadas pela primeira instância do Distrito Federal. Na quarta-feira pela manhã, horas antes de o ex-presidente começar a falar, apareceu de máscara na cerimônia que sancionou a lei da aquisição de vacinas. Em seguida, o senador Flávio Bolsonaro tuitou uma foto do pai com a frase: “A vacina é nossa arma.”

Não será fácil para Bolsonaro. Se é a revelação de um arquivo de mensagens entre os integrantes da operação da Lava-Jato que permite a Lula tentar reescrever sua história, com Bolsonaro se dá o inverso. É o arquivo de condutas, falas, gestos e atos de seu governo que torna pouco crível a fantasia de estadista responsável que o presidente da República passou a envergar. E nem precisa de “hackers” para isso. Está na memória recente dos milhões de brasileiros que perderam familiares e empregos.

Ribamar Oliveira - A derrota do governo evita o pior para Guedes

- Valor Econômico

Como estava, a PEC 186 promovia uma super vinculação

O governo perdeu ontem na votação de um dispositivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, aquele que trata da proibição de vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa. A derrota, no entanto, pode ter sido um alívio para o ministro da Economia, Paulo Guedes. A derrubada evita um engessamento ainda maior do Orçamento da União.

A Câmara dos Deputados já tinha aprovado, em primeiro turno, a PEC que veio do Senado e votava as emendas destacadas. Da forma como estava redigido, o texto promoveria uma super vinculação de receitas, na contramão da defesa que o ministro Guedes vem fazendo, desde que tomou posse no cargo.

Uma das emendas destacadas, apresentada pelo líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), eliminava a mudança no inciso IV do artigo 167 da Constituição, que trata da proibição de vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa. A desvinculação da receita a despesas orçamentárias é um dos 3 D da estratégia de Guedes. Os outros dois são a desindexação e a desobrigação do gasto.

Atualmente, o inciso IV do artigo 167 da Constituição veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. E ressalva a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino.

Eugênio Bucci* - Justiça performática

- O Estado de S. Paulo

Vivemos num tempo em que a arte nos enfada e os ministros do STF nos sobressaltam

Em dois dias, mudou tudo. Na segunda-feira, em despacho monocrático, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu os direitos políticos a Luiz Inácio Lula da Silva. Ao anular as sentenças da Lava Jato contra o ex-presidente, sob o argumento de que o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, não era aquele a quem cabia a competência para decidir sobre as acusações que pesavam contra o réu, Fachin limpou a ficha de Lula, que agora está livre para se candidatar em 2022.

No dia seguinte veio mais. A Segunda Turma do mesmo STF começou a julgar a parcialidade e a suspeição do juiz Sergio Moro nas sentenças contra Lula. O julgamento levado a efeito pela Segunda Turma ainda não foi concluído, pois o ministro Nunes Marques pediu vista, dizendo que precisava estudar melhor o processo antes de votar, mas o que os ministros disseram na tarde de anteontem abalou o que se tinha por certo e sabido. Quando se referiu à Operação Lava Jato como “o maior escândalo judicial da nossa história”, o ministro Gilmar Mendes deixou claro: tudo mudou.

Nada contra o veredicto de segunda. Nada contra a sessão de terça. As razões processuais alegadas pela defesa do ex-presidente Lula vão se demonstrando irrefutáveis. A incompetência do juízo de Curitiba só demorou uns anos para ser admitida no STF, mas é cristalina. Ninguém mais parece disposto a refutá-la, a não ser que tudo mude de novo. Quanto aos sinais de parcialidade do magistrado responsável pela Operação Lava Jato, que foram enumerados na terça pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, não há peneira hermenêutica que dê conta de encobri-los. Houve abusos, alguns provados, outros até tacitamente admitidos.

José Serra* - A pressa é inimiga da Constituição

- O Estado de S. Paulo

Sociedade tem o direito de esperar que processo legislativo seja seguido com absoluto rigor

O escritor português José Saramago é conhecido por tiradas geniais que nos fazem refletir diante de encruzilhadas. Lembrei-me de uma delas em plena votação da chamada PEC Emergencial: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. O Senado aprovou celeremente uma emenda constitucional que autoriza o pagamento do auxílio emergencial, mas, ao mesmo tempo, cobre a Constituição com uma cortina de fumaça que compromete a credibilidade do nosso arcabouço fiscal.

Nosso país enfrenta a pior fase da pandemia, com nosso sistema público de saúde próximo do colapso. Diante disso, infelizmente, o governo vem sendo negligente: critica o uso de máscaras, condena o distanciamento e dificulta a vacinação.

Na discussão da PEC Emergencial o governo adotou uma estratégia que consiste em acuar o Congresso, com o objetivo de aprovar a agenda de austeridade improvisada pelo Ministério da Economia. Usou seu poder para introduzir na PEC um dispositivo que torna viável o pagamento de um benefício emergencial ao mesmo tempo que, em troca, embute uma obscura reforma estrutural nas demais partes da emenda.

Às limitações do sistema semipresencial de votações junta-se uma celeridade que torna a discussão precipitada e os resultados, confusos. Analisando a proposta com a experiência que tive de relator dos capítulos de finanças públicas na Constituinte, percebi a armadilha em que fui colocado: sem poder votar contra o auxílio emergencial, nem concordar com que se manipule a Constituição.

Julgo que emendar a Constituição implica responsabilidade análoga à tarefa de elaborá-la. A maioria dos estudiosos classifica as alterações constitucionais como emanadas do poder constituinte. Assim sendo, sua execução exige o máximo de cautela, a fim de evitar casuísmos e imprudências com a norma jurídica mais importante da fundação do Estado.

William Waack - Vendedores de esperanças

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e Lula vão disputar o mesmo eleitorado, num faroeste sem mocinhos

Nos fenômenos políticos brasileiros dos últimos 20 anos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro exibem uma importante característica em comum: foram vendedores de esperanças frustradas. As diferenças ideológicas e de estilo entre eles empalidecem diante do fato de que assumiram prometendo grandes transformações e acabaram governando com a mesma massa amorfa de forças políticas empenhadas em acomodar interesses setoriais, cartoriais, corporativistas e regionais às custas dos cofres públicos ou de pedaços da máquina pública – plus/minus a roubalheira petista. 

O fator excepcional agora é o alargamento e aprofundamento de crises simultâneas de saúde pública, economia estagnada e liderança política. Elas são causa e consequência ao mesmo tempo do esgarçamento do tecido social (perigo de anomia), da deterioração do equilíbrio dos poderes (Judiciário emasculando os demais) e da incapacidade generalizada de elites econômicas de enfrentar a estagnação de produtividade e competitividade da economia (já nem se fala mais de PIB ruim de ano para ano, mas de PIB ruim de década para década). 

Diante da tragédia da saúde e de seu impacto na economia – claudicante já antes da pandemia –, o problema para Bolsonaro e Lula é qual esperança vão vender. As bandeiras do lulopetismo estão manchadas não só pela corrupção adotada como forma de governo, mas, e ainda mais decisivos, pelo espetacular fracasso no intervencionismo e dirigismo da economia e a incapacidade de resolver mazelas sociais. São graves pois derivam de ideias equivocadas, em boa parte abraçadas por setores das elites empresariais. 

Ascânio Seleme - Lula foi ainda mais Lula

- O Globo

Depois de dois anos ouvindo Bolsonaro, qualquer um que lhe fizesse frente se destacaria com louvor. Mas ex-presidente foi mais longe

10/03/2021 - 18:15 / Atualizado 18:29

Retire os excessos de retórica e as figuras de linguagem, sublime os trechos destinados ao público interno e à militância. Ignore os erros involuntários e mesmo os estudados. Esqueça o tom de campanha. O resultado será um discurso grande, importante. Lula voltou com tudo. É verdade que o ex-presidente foi beneficiado pela torpeza e pela ignorância do seu oposto.

Depois de dois anos ouvindo Bolsonaro, qualquer um que lhe fizesse frente se destacaria com louvor. Mas Lula foi mais longe. Falou de política, economia, saúde; conversou com os brasileiros nos seus termos; mostrou que está pronto para negociar em todos os âmbitos; e apontou quem é o seu inimigo.

Isso, sem texto pronto, sem teleprompter, apenas com uma lista de tópicos em sua frente.

Com a mesma empatia de sempre, mas sério, sem se permitir às gracinhas habituais de seus discursos, Lula se posicionou de maneira inequívoca como uma opção para o Brasil e os brasileiros. Os diversos pontos do discurso, mesmo os que não pareciam apontar na mesma direção, tinham Bolsonaro como alvo. Mas sempre com postura presidencial.

Carlos Andreazza - O discurso de Lula

- O Globo

10/03/2021 • 15:25

Não vi “paz e amor”. E nem me pareceu que fosse essa a intenção. Seria falso. Um sujeito, depois de mais de quinhentos dias de cana, cujo algoz – um juiz – decompõe-se em (justa) suspeição quer é guerra. Mas sem pressa; e de paletó, camisa impecavelmente passada. Sem pressa para se declarar candidato; antes – senhor do tempo – à frente do projeto que difundirá a sua inocência. Inocente não é; mas inocente será o que julgado por um acusador. Não havia “paz e amor”. Havia essa verdade; a de Gilmar Mendes: a de que corrupção nenhuma pode ser condenada com corrupção. Errado não está.

Esse foi o palanque – armado na altitude de quem conversa com o Papa – desde o qual falou Lula. Uma aula de discurso político – admita-se. (E seria aula mesmo se estivesse o sarrafo lá no alto.) Construção de profissional a serviço de rara capacidade de farejar para onde os ventos pandêmicos levam as demandas da sociedade. Articulação retórica de mestre para, se quiserem mesmo estabelecer o debate na cancha da polarização, aceitá-la nas bases que ditou: ele sendo o que usa máscara, prega distanciamento social e defende vacinação em massa. Radicalmente.

Com cálculo de provocador: se Bolsonaro, o capitão, investe em facilitar o comércio – sem fiscalização – de armas, Lula será o preocupado com o sucateamento das Forças Armadas.

Aula – e aqui fala Carlos Andreazza, jamais um esquerdista.

Para que fiquem claros os termos em que topa polarizar com o presidente: Lula associou Bolsonaro – com ênfase – às milícias. Será assim doravante. O discurso: não pode admitir que o país que governou – que fez respeitado no mundo – ora vá nas mãos de um miliciano.

Cora Rónai – O feitiço do tempo

- O Globo

Tudo é permitido a quem tem poder, a quem tem os advogados certos, os votos necessários, os desembargadores e os juízes da causa

11/03/2021 - 04:30

Não sei vocês, mas eu tinha mais de 30 anos quando consegui comprar o meu primeiro apartamento, e ainda me lembro da sensação de pânico de escrever um cheque tão grande sem errar, e de me comprometer com uma dívida tão séria. Passar a escritura foi um momento marcante na minha vida. Levei uma caneta tinteiro muito bonita para assinar a papelada, e saí do cartório me sentindo adulta e importante.

Quem já comprou um imóvel com certo sacrifício se lembra desses detalhes, da escritura sendo lida pelo escrivão, do frio na barriga, da felicidade da casa própria.

Não sei por quê estou falando nisso.

Mentira: sei sim.

Como qualquer brasileira que acompanha o noticiário, estou desde a semana passada com uma mansão de R$ 6 milhões atravessada na garganta. Mas quando digo que não sei por que estou falando nisso, o que quero dizer é que não adianta falar disso. No Brasil é normal que os filhos dos presidentes sejam extremamente talentosos, no Brasil é normal enriquecer no serviço público e, no Brasil, é mais normal ainda o eleitor passar pano para a sua família política de estimação.

Rouba mas faz; isso é coisa do filho; desde 1500 se rouba e só agora estão reclamando; rouba mas não é o PT; rouba mas é o PT; os tucanos o Centrão os neoliberais a sua mãe.

Poesia | Gisèle Santoro - Mulher

Flor que embeleza

Ninho que acarinha

Casa que abriga

Sol que acalenta

Vento que encoraja

Lua que ilumina

Mar que embala

Fruto que alimenta

Som que reconforta

Chuva que refresca

Sombra que protege

Caminho que orienta

Mulher é força, segurança, esperança.

Mulher é amor!

 

*Gisèle Santoro, bailarina, mestra e diretora da Escola de Ballet, em Brasília