sábado, 17 de abril de 2021

João Gabriel de Lima* - Um país ilhado pela superstição

- O Estado de S. Paulo

O Brasil precisa sair do transe e recuperar o debate racional a partir dos fatos

 “Sempre teremos Paris.” A frase famosa é de Rick Blaine, personagem de Humphrey Bogart no filme Casablanca – e era válida, até pouco tempo atrás, para o Brasil da covid-19. Com os principais aeroportos do mundo fechados aos brasileiros, a França era um dos poucos países que aceitavam nossos compatriotas – devidamente testados e temporariamente confinados. Na terça-feira dia 13, no entanto, o governo francês decidiu que não mais receberia aviões provenientes do Brasil. Não teremos mais Paris.

A sessão do Parlamento francês que decidiu pelo fechamento de aeroportos foi um dos dois recados que o mundo deu, ao longo da semana, à ilha chamada Brasil. Ele veio em forma de sarcasmo. O primeiro-ministro Jean Castex fez piada com a obsessão do governo brasileiro por tratamentos sem comprovação científica, em especial à base de cloroquina. Os deputados franceses caíram na gargalhada. O vídeo viralizou nas redes sociais.

O segundo recado veio da comunidade acadêmica. A revista americana Science, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, fez um balanço do fracasso brasileiro no combate ao coronavírus. O governo federal foi considerado o principal culpado, por sua “falha em implementar respostas rápidas, coordenadas e equilibradas num contexto de desigualdades locais agudas”. Novamente surgiu, como fator agravante, o debate estéril sobre medicamentos sem eficácia comprovada: “A resposta federal foi uma perigosa combinação de inação e erros, incluindo a promoção do tratamento com cloroquina sem evidência alguma”.

Ascânio Seleme - O Supremo imprescindível

- O Globo

Fazendo apenas a leitura do que determina a Constituição, o STF mandou que o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, instalasse a CPI da Pandemia

Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal precisou intervir para que uma das casas do Congresso Nacional cumprisse sua obrigação. Fazendo apenas a leitura do que determina a Constituição, o STF mandou que o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, instalasse a CPI da Pandemia. Julgando-se acima de 32 senadores que assinaram o pedido de instalação da CPI, Pacheco considerou que a hora não era adequada e sentou-se sobre o requerimento. Foi o ministro Luís Roberto Barroso, mais adiante referendado pelo plenário do tribunal, quem mandou que ele se levantasse e pusesse a comissão em andamento.

Rodrigo Pacheco imaginava que poderia fazer como seu xará da Câmara, Rodrigo Maia, que por dois anos engavetou mais de 30 pedidos de impeachment por 12 crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro. Não podia. Para instalar CPIs, a Constituição não lhe deu o poder conferido ao presidente da Câmara nos casos de impeachment. Pacheco fez beicinho, tentando revitalizar aquela sua cara de bom menino, mas engoliu a ordem judicial e mandou abrir a CPI.

O argumento do senador para não instalar a comissão, além de inconstitucional, era torto na lógica. Ele disse que a hora era inoportuna para discutir os crimes cometidos na pandemia porque estávamos no meio da pandemia. Mais ou menos como dizer não vamos atrás de quem está dando os tiros que matam tanta gente porque ele está atirando.

A ordem de Barroso serviu também como um pito no senador, e a vergonha que Rodrigo Pacheco passou provou mais uma vez o valor do Supremo. Não foi a primeira vez que a mais alta Corte da justiça brasileira se viu na contingência de mandar outro Poder da República fazer ou deixar de fazer alguma coisa por ser fora da lei ou inconstitucional. Muito recentemente impediu que o presidente da República nomeasse o delegado Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal, impedindo que o órgão fosse usado explicitamente como instrumento da ação inescrupulosa de Bolsonaro e de seus zeros.

Ricardo Noblat - Justiça deve um pedido de desculpas a Lula

- Blog do Noblat / Veja

Erro judicial é para ser reconhecido

Se ao Supremo Tribunal Federal cabe errar por último, como ministros da Corte, em tom de galhofa, costumam dizer, a ele cabe, portanto, pedir desculpas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos processos que respondeu na 13ª Vara Federal de Curitiba, e os 580 dias que passou preso por lá.

Não importa o que eu penso ou você pensa a respeito da decisão do Supremo que anulou as condenações de Lula porque a 13ª Vara Federal de Curitiba não seria o foro natural para julgá-lo. Decisão judicial é para ser cumprida, e ponto final. Tanto mais se ela carrega a rubrica da Suprema Corte de justiça do país.

Também pouco importa se a decisão se sustenta em tecnicalidades como muitos juristas observaram. Ou que tenha vindo com atraso. Ou que revele o vai e vem do aparelho judicial. Sem o império da lei, a sociedade voltaria à Idade da Pedra. É melhor uma justiça imperfeita e por vezes contraditória a nenhuma.

Sem o erro, apontado pela defesa de Lula ao longo de anos, a história do país poderia ter sido outra. Lula liderou todas as pesquisas de intenção de voto para presidente em 2018 até um mês antes da eleição. Impedido de ser candidato, cedeu a vez a Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro o derrotou.

Bolívar Lamounier* - A semente do mal

- O Estado de S. Paulo

O presidente faz questão de demonstrar insensibilidade social e desprezo pela lógica

 “... do mal será queimada a semente/

e o amor será eterno novamente”

Nelson CavaquinhoJuízo Final

Para o poeta Manuel Bandeira, o verso “tu pisavas nos astros distraída”, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, é o mais bonito da língua portuguesa. Sem pretender contestar sua avaliação, atrevo-me a pôr o verso de Nelson Cavaquinho mais ou menos no mesmo plano.

A grande diferença é que o verso de Orestes e Sílvio é estritamente lírico; o de Nelson Cavaquinho pode ser lido em qualquer plano, inclusive no social e no político. É essa a linha que tentarei desenvolver neste artigo. Quais são, no momento, os males que precisamos queimar para que o amor de todos em relação a todos possa prevalecer pelo menos como aspiração?

A indagação, como se vê, já traz implícita uma afirmação: a quadra em que nos encontramos não é a do bem. É a do mal.

Começa pela pandemia, sobre a qual poderíamos ter feito muito mais, mas que, estritamente falando, não decorre da maldade que todos temos na alma.

Suponhamos, então, que sejamos capazes de vencer a pandemia em mais alguns meses. A partir daí, qual ou quais males deveremos combater com todas as nossas forças? A estagnação econômica, sem dúvida; a desigualdade de renda e riqueza; os milhões de crianças que mal e mal conseguimos tirar das trevas do analfabetismo. Tudo isso é certo.

Arrisco-me, entretanto, a afirmar que não iremos muito longe se antes não compreendermos o que vem acontecendo no plano das instituições e da política. O mal, como esclareceu Thomas Hobbes (1651), é antes de tudo “a guerra de todos contra todos”, e não há como queimá-la senão construindo e respeitando a institucionalidade política. O homem é o lobo do homem.

Pablo Ortellado - Debate polarizado

- O Globo

Um dos debates mais importantes para o futuro do país parece irremediavelmente capturado pela polarização. Boa parte dos críticos e dos defensores da abertura das escolas não consegue enxergar nuances.

Um lado acredita que aqueles que defendem a abertura são anjos da morte que querem colocar professores em risco para beneficiar empresas de ensino ou governos genocidas; o outro lado acredita que os que são contra a abertura não passam de sindicalistas acomodados que querem receber salário integral sem trabalhar.

Surpreende, entre muitos professores, a pouca consideração pelos efeitos danosos da suspensão das aulas presenciais. Não há controvérsia de que a migração para o ensino remoto na educação básica foi, de forma geral, malsucedida. Para além do déficit de aprendizagem que será muito difícil de reparar, pesquisa do C6 Bank/Datafolha mostrou que 11% dos estudantes do ensino médio e 5% dos estudantes do fundamental abandonaram a escola em 2020. Esse abandono pode se ampliar e se consolidar e terá impacto estrutural sobre a produtividade do trabalho, a desigualdade de renda e o desemprego nas próximas décadas.

Carlos Alberto Sardenberg - Nas firulas do processo, todos livres

- O Globo

Sessão de análise, você diz: sonhei com Fulano/a, e não foi um sonho erótico.

Danou-se. O/a analista já sabe: foi erótico.

É clássico.

Vários ministros do STF que votaram pela anulação das condenações de Lula imediatamente acrescentaram: atenção, não vale para os demais casos.

Ou seja, vale. Ou pode valer, já que aqui o direito parece ser ainda mais subjetivo e fluido do que a análise psicanalítica, freudiana ou não.

Está na cara que todos os condenados com algum ponto de conexão com os casos de Lula — e praticamente todos têm — reclamarão os mesmos julgamentos. Se a 13ª Vara de Curitiba é incompetente para Lula, por que não seria para os demais membros da quadrilha denunciada pela Lava-Jato e condenada em três instâncias?

Entrevista / Clima | Ricupero : ‘Uma chance de ouro para o Brasil, mas sem chantagem’

- Paula Bonelli / O Estado de S. Paulo

Com a experiência de seus 36 anos no Itamaraty e outros 9 na ONU, o embaixador Rubens Ricupero vê, na reunião da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, uma chance de alterar a imagem negativa do País, criada pelo impacto do desmatamento ilegal na Amazônia e de queimadas no Pantanal.

A seu ver, “se o presidente tivesse o mínimo de bom senso, seria uma oportunidade de ouro para o País melhorar suas contribuições ao combate do aquecimento global. Mas ele adverte que isso “é difícil”. O Brasil “tem que dizer que precisa de dinheiro mas não colocando como uma chantagem”. Assim, poderia receber em troca a boa vontade dos Estados Unidos em relação à doação de vacinas excedentes ao Brasil contra covid-19, acredita Ricupero. O presidente Jair Bolsonaro está entre os 40 chefes de Estado convidados para o evento virtual nos dias 22 e 23.

Ricupero inaugura em maio curso da história da Diplomacia Brasileira no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) sobre a política externa brasileira do Império até os dias de hoje. “Se o Ernesto Araújo fosse chanceler ainda, eu não teria ânimo para falar de uma tradição que foi degradada. Ele deixou uma terra arrasada, agora precisa plantar, adubar, regar, fazer um esforço de reconstrução”, diz o ex-ministro da Fazenda.

Qual o balanço, a seu ver, da gestão de Ernesto Araújo?

É completamente negativo. No caso da pandemia da covid-19, ao invés de reconhecer que é um grande problema e colaborar com a Organização Mundial de Saúde, sua atitude desde o início foi de negá-la. Eles só entraram no consórcio Covax Facility porque a nossa embaixadora lá em Genebra os convenceu; mas, no final, o Brasil ficou com a cota menor.

Adriana Fernandes – O limbo da reforma tributária

- O Estado de S. Paulo

Arthur Lira quer apoiar ou enterrar o relatório da reforma tributária?

Novo fiador das reformas para o mercado financeiro e setor empresarial, o presidente da CâmaraArthur Lira (Progressistas-AL), não assinou a prorrogação dos trabalhos da comissão mista de reforma tributária.

O presidente do SenadoRodrigo Pacheco, acabou assinando sozinho o ato que estendeu por mais um mês o funcionamento da comissão, criada no ano passado para dar uma solução ao impasse em torno das duas propostas de emenda constitucional de reforma tributária que tramitam no Congresso: a PEC 45, na Câmara, e a PEC 110, no Senado.

A recusa de Lira é tratada muito reservadamente nos corredores (virtuais e presenciais) do Congresso, mas o episódio retrata bem as relações estremecidas entre a Câmara e o Senado após a votação fatídica do Orçamento no dia 25 de março (que, aliás, continua até hoje sem solução com a indecisão do presidente Bolsonaro).

Vilma Pinto - O teto e a folga fiscal

- O Globo

Apesar de a situação fiscal para este ano não estar boa, a perspectiva para 2022 é melhor

Mesmo sem o Orçamento deste ano estar sancionado, o governo publicou em final de março um relatório de reavaliação das receitas e despesas do governo federal. Após a revisão dos parâmetros macroeconômicos e a readequação das receitas e despesas, este relatório apontou para uma necessidade de ajuste na ordem de R$ 17,6 bilhões nas despesas primárias para que haja o cumprimento da meta do teto de gastos.

Se para este ano o governo projeta um aperto fiscal, com necessidade de redução de despesas para cumprir o teto de gastos, para 2022 o cenário é diferente. Pelas projeções do governo, a correção do teto de gastos para o ano que vem será maior que o crescimento das despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo, criando, assim, uma folga fiscal para executar outras despesas.

Entrevista | *Tasso Jereissati: Não há dúvida da culpa do governo no desastre da pandemia

Para senador, é difícil que Bolsonaro alegue desconhecimento de decisões equivocadas ou omissões no combate à Covid

Thiago Resende, Renato Machado / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Indicado para fazer parte da CPI da Covid, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é crítico da condução do Palácio do Planalto na crise do coronavírus e prevê um cenário árduo para o governo na comissão.

“Não há dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal”, disse o tucano à Folha. Para o senador, o país vive um momento de verdadeiro desastre.

Tasso também acha difícil que eventuais erros e omissões no combate à Covid a serem constatados pela CPI sejam completamente dissociados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ele cita inclusive a teoria do domínio do fato, usada no mensalão e que prevê que autoridades devem responder por eventuais crimes, mesmo que não cometidos de mão própria, se tiveram conhecimento e controle da situação. No entanto reforça que, antes de apontar culpados, a CPI terá que investigar.

Sobre eleições de 2022, o tucano é otimista e acredita até em coalizão com PDT. Para ele, uma terceira via é “mais do que possível; [é] viável”.

Apesar da aproximação entre PSDB e PT, Tasso acha improvável uma aliança, mas vê um canal de diálogo mais amplo. “Hoje o PT percebe que o grande inimigo dele não somos nós”.

A CPI foi instaurada após determinação do Supremo Tribunal Federal. A decisão, na sua avaliação, foi uma intervenção no Poder Legislativo? 

Eu não acho que há interferência nenhuma do Supremo. O Supremo tomou uma decisão em cima de uma provocação feita por nós, pelo Senado. Foi tudo perfeitamente legal, esperado. Tem jurisprudência.

O Senado demorou a abrir a investigação relacionada à pandemia? 

O presidente [do Senado, Rodrigo] Pacheco [DEM-MG] é mineiro. E como bom mineiro ele é muito cauteloso nas suas iniciativas e decisões. E ele tinha uma opinião de que era inoportuno, no auge da pandemia, se instalar uma CPI porque poderia tirar o foco das discussões no Congresso e criar uma nova crise. Posição que discordo frontalmente dele.

A CPI foi ampliada e vai investigar a atuação do governo federal e os repasses federais a estados e municípios. Isso vai acabar desviando o foco da comissão? A estratégia do governo de tumultuar as apurações deve dar certo? 

Vejo essa inclusão como uma maneira de tirar o presidente e o governo federal do foco e colocar todo mundo no mesmo balaio. Não há a menor possibilidade de que uma CPI de 11 membros possa investigar 27 governadores e mais de 5.000 prefeitos.

O espírito dessa CPI desde o início foi de investigar fatos e omissões na condução da pandemia, quais as razões que fizeram que o país chegasse ao ponto em que nós estamos hoje, esse verdadeiro desastre [foram registradas mais de 365 mil mortes]. O mundo nos está tratando como ameaça global. E [a CPI] começaria evidentemente pelo governo federal, que é o coordenador de uma situação nacional como essa. E não especificamente procurar um ato de desvio de recursos pontual aqui e ali.

Alvaro Costa e Silva - As fomes do Brasil

- Folha de S. Paulo

Mais da metade da população não come direito; Bolsonaro se alimenta do caos

No seu livro "El Hambre", um tijolo com mais de 600 páginas que mistura ensaio e reportagem, o jornalista argentino Martín Caparrós argumenta que a fome contemporânea é a mais canalha da história, pois nem sequer existe a justificativa de que não há comida suficiente para alimentar todo mundo. Só não o fazemos devido a um sistema de circulação de bens que concentra a riqueza nas mãos de poucos.

A pandemia decuplicou o problema. Se eu caminho por 15 minutos, da rua onde moro até o largo do Machado, para buscar uma encomenda nos Correios, sou parado de três a quatro vezes com pedidos de dinheiro. "Para comprar comida" —é a explicação de homens ou de mulheres com filhos agarrados às pernas. Quando não tocam o interfone do meu prédio, a qualquer hora, com a mesma solicitação.

Cristina Serra - Lula livre. E agora?

- Folha de S. Paulo

A demora do sistema judicial em examinar as ilicitudes de Moro custou caríssimo ao país

Em meio à profusão habitual e enfadonha de "datas venias" e "excelências", o STF, finalmente, decidiu que não é da competência da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba julgar acusações contra o ex-presidente Lula, por falta de conexão com a corrupção na Petrobras.

Durante cinco anos, a defesa de Lula, baseada em condutas abusivas do ex-juiz Sergio Moro no processo, apresentou a mesma alegação em várias instâncias do Poder Judiciário, sem sucesso. O que teria acontecido se o "paciente" em questão não fosse Lula ? Algum juiz ou colegiado não teria visto pertinência no argumento que, agora —e só agora—, recebeu oito votos favoráveis na instância máxima e irrecorrível do Judiciário brasileiro?

Hélio Schwartsman – Não chega a ser um dilema

- Folha de S. Paulo

Lula não foi julgado por um juiz equidistante das partes

Se não houver surpresas, deveremos ter no próximo pleito presidencial um embate entre Luiz Inácio Lula da Silva, que acaba de ser liberado pelo STF para concorrer, e o presidente Jair Bolsonaro.

Não é o meu cenário de sonhos. E não digo isso porque considere Lula um perigoso radical. Ele já esteve no poder e fez um governo bem "neoliberal", marcado por generosos superávits primários. Também soube respeitar o sistema democrático, embora tenha tido condições políticas de torcê-lo para beneficiar-se. Ele poderia, por exemplo, ter conseguido que o Congresso aprovasse uma PEC retirando os limites à reeleição. Não o fez, e isso é digno de crédito.

Duas coisas me incomodam na candidatura Lula. A primeira é que o PT, em tese o partido moderno de centro-esquerda do Brasil, já deveria ter superado a fase das lideranças personalistas que mandam e desmandam na legenda.

Demétrio Magnoli* – Cabul, Saigon

- Folha de S. Paulo

Retirada americana do Afeganistão é tão inevitável quanto a do Vietnã

No 11 de setembro, exatos 20 anos depois dos atentados jihadistas de 2001, as forças americanas e da Otan deixarão o Afeganistão, encerrando a mais longa guerra da história dos EUA. Quase meio século atrás, em janeiro de 1973, os Acordos de Paris colocaram ponto final no envolvimento militar dos EUA no Vietnã. No 30 de abril de 1975, as forças do Vietnã do Norte capturaram Saigon, capital do Vietnã do Sul. De quanto tempo, depois de setembro, precisará o Taleban para tomar Cabul?

O Afeganistão, cemitério de potências, foi o palco principal do Grande Jogo, a disputa política, diplomática e militar travada entre os impérios britânico e russo, desde 1830 até 1895, pelo controle sobre a Ásia Central. No país montanhoso, dominado pela cordilheira do Hindu Kush, sem saídas marítimas, a URSS travou sua última guerra, de 1979 a 1989, o conflito que empurrou o Império Vermelho ao precipício. O Taleban e a Al Qaeda nasceram das ruínas daquela guerra.

Obama definiu a intervenção americana no Afeganistão como a “guerra inevitável”, por oposição à “guerra estúpida” no Iraque. O 11 de setembro de 2001 não deixava alternativa senão a derrubada do regime do Taleban e a eliminação das forças da Al Qaeda abrigadas no país.

Mas George W. Bush e, especialmente, o cortejo de neoconservadores que comandaram sua política externa, queriam mais. A ambição geopolítica de hegemonia sobre o “coração da Ásia” inspirou a estratégia de “construção da nação” —e, por consequência, uma prolongada ocupação do Afeganistão. A “guerra inevitável” converteu-se numa segunda “guerra estúpida”.

Favorecido por decisão do STF, Lula intensifica campanha para 2022

Embora evite se declarar candidato, o petista e aliados articulam em busca de apoios nas mais variadas frentes, dos templos evangélicos à Faria Lima

Por Gabriel Mascarenhas / Revista Veja

Luiz Inácio Lula da Silva resiste em admitir publicamente o que é inegável: ele será o candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República em 2022. Coadjuvantes desse jogo de cena, alguns dos seus principais aliados na sigla já estão trabalhando ativa e silenciosamente na construção de pontes fundamentais para pavimentar a candidatura petista. Os esforços vão do Judiciário aos evangélicos, do mercado financeiro ao setor produtivo. Não há dúvidas de que Lula está de volta ao jogo, mas a cautela do ex-presidente se justifica numa máxima temida por dez de cada dez políticos: nada traz tão mau agouro quanto comemorar uma vitória antes da hora. Lula esperava oficializar a entrada no páreo depois que o plenário do STF encerrasse a análise da decisão do ministro Edson Fachin que considerou a Justiça Federal em Curitiba incompetente para julgar os processos do petista. Na tarde da última quinta, 15, a maioria dos ministros referendou esse veredito. Ou seja, definitivamente, Lula está elegível, ou seja, apto a concorrer. Em breve, o ex-­presidente vai pôr o pé na estrada.

O plano começa com a tarefa de viajar Brasil afora para pregar contra o negacionismo de Jair Bolsonaro. Em uma das pesquisas mais recentes, a da XP/Ipespe, Lula surge com 29% das intenções de voto para 2022, tecnicamente empatado com o capitão, que tem 28%. A primeira parada de Lula deve ser no Nordeste, provavelmente com escalas no Maranhão e no Piauí, estados em que sempre teve grande penetração. Nesse périplo, fará a defesa da urgente necessidade de vacinação em massa e empurrará para o colo de Bolsonaro os milhares de mortes diárias causadas pelo coronavírus, assim como o avanço da fome e do desemprego no país.

Marcus Pestana* - Legados e passivos herdados da pandemia

Temos vivido momentos tristes, tensos e angustiantes. Estamos nos aproximando de 370 mil vidas brasileiras perdidas. O desemprego bate à porta do trabalhador. A fome e a miséria se agravam no cotidiano da população que vive em extrema pobreza.

Talvez pudéssemos encontrar conforto no texto do escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu: “Nada dura para sempre, nem as dores, nem as alegrias. Tudo é aprendizado. Tudo na vida se supera”. Cometemos muitos erros. E como disse Freud: “De erro em erro descobre-se a verdade inteira”. Confúcio ensinou: “Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais simples; e terceiro por experiência, que é o mais amargo”.

Na saúde teremos como legado a valorização do sistema nacional de saúde. O SUS teve uma ação heroica para superar seus gargalos e vazios assistenciais. A saúde suplementar teve uma ação solidária e eficiente aliviando tensões adicionais sobre o sistema público. Os profissionais de saúde foram testados ao limite. É o ambiente propício para as mudanças necessárias. O SUS demanda de todos nós reforço orçamentário, clareamento do padrão de integralidade que queremos oferecer e uma nitidez maior das atribuições de cada ator no pacto federativo setorial, para que não se repitam os conflitos que assistimos.

Guilherme Amado - 72% dos brasileiros não querem flexibilizar acesso a armas, então por que Bolsonaro quer?

- Revista Época

Pesquisa mostra que brasileiro não quer mais armas circulando na mão de cidadãos comuns e muito menos com caçadores, atiradores e colecionadores

Uma pesquisa ainda inédita mostrou que 72% dos brasileiros são contra a flexibilização da compra e do uso de armas, objetivo central dos decretos editados por Jair Bolsonaro e parcialmente suspensos por decisão de Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira 12 de abril. Os números, levantados pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), instituto que substituiu o Ibope Inteligência, são ainda piores para o presidente quando se pergunta a opinião sobre cada decreto em específico. De uma maneira geral, o resultado mostra que o brasileiro não quer mais armas circulando na mão de cidadãos comuns e muito menos com caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs. No Brasil que caminha para as 400 mil mortes por Covid e todo ano registra mais de 40 mil homicídios, arma está longe de ser uma prioridade. Mas, se a população não quer mais pistolas, fuzis etc., quem o presidente de fato quer armar?

Castro, o vice invisível que assumiu governo do Rio, está de olho em 2022

Ele agora dá festas, promove encontros regados a vinho e cultiva alianças

Por Cássio Bruno, Ricardo Ferraz / Revista Veja

Quando chegou ao Palácio Guanabara, em agosto do ano passado, depois que o Superior Tribunal de Justiça afastou o governador Wilson Witzel por suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção na área da saúde, o vice Cláudio Castro parecia um peixe fora d’água, buscando aliados por toda parte e tomando cuidado com o que dizia e fazia. Passados oito meses, o governador em exercício dá sinais de estar se aclimatando bem ao cargo, sobretudo ao seu lado mais glamouroso: comparece e eventualmente organiza confraternizações com parceiros, assessores e a turma que vive a orbitar gabinetes e não poupa elogios a sua brevíssima gestão em conversas privadas. Quando surge a chance, aproveita para angariar simpatias por uma candidatura própria ao governo fluminense em 2022.

O apego à agenda social da governança, que se imaginaria deletada pela pandemia, veio à tona no começo de abril, exatos dois dias depois de Castro baixar decretos que proibiam aglomerações e discursar pregando o isolamento social, com a revelação de sua festinha de aniversário de 42 anos em um condomínio em Itaipava, na serra fluminense, onde passava o fim de semana. Nela, cerca de vinte convidados sem máscara beberam e comeram costela assada, preparada pelo cozinheiro do palácio. Em vídeo nas redes sociais, ele alegou que “alguns amigos acabaram aparecendo” e pediu desculpas. Moradores do condomínio ouvidos por VEJA afirmaram que aquele não foi o único convescote — na casa alugada para ser uma espécie de refúgio nos dias de folga, o governador teria o costume de reunir a família, amigos e aliados próximos em churrascos nos quais ele mesmo se encarregava de preparar carnes e frutos do mar. Em pelo menos dois deles, chegou de helicóptero oficial, acompanhado da mulher, Analine, e dos dois filhos, João e Maria Eduarda. Os sábados e domingos na serra mobilizavam ainda uma estrutura considerável de seguranças. Diante da repercussão, a casa de Itaipava foi aposentada. “Não tinha privacidade”, queixou-se Castro a um interlocutor.

Poesia | Joaquim Cardozo -Aves de rapina

Há muitos anos que os caminhos se arrastavam
Subindo para as montanhas.
Percorriam as florestas perseguindo a distância,
Lentos e longos deslizavam nas planícies.

Passaram chuvas, passaram ventos,
Passaram sombras aladas...

Um dia os aviões surgiram e libertaram a distância,
Os aviões desceram e levaram os caminhos.