domingo, 2 de maio de 2021

Fernando Henrique Cardoso* - Hora de decisão

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Arreganhos de uns e outros deixam entrever que existem vários caminhos

Há períodos em que se necessita ter muita imaginação, ou o senso de dever aguçado, para cumprir compromissos. Pois bem, olhando em volta, e com minha escassa imaginação, só resta mesmo o senso do dever para escrever este artigo: o desânimo em volta acaba por inibir, se não a todos, a muitos de nós, brasileiros. Será que tal processo só acontece conosco, ou é a pandemia que tira da maioria – queiramos ou não – a vontade de falar, de escrever? Tenho dúvidas. Mas o fato é que o desânimo tolhe muito a imaginação: ao redor, mortes e enfermos; por enquanto há esperança de vencer mais este vírus. Mas escrever sobre política...

Francamente, com o governo atordoado e o povo desinteressado, pois o dia a dia consome as energias e boa parte da população deixa de lado tudo o que existe além do trabalho e da família, parece até estranho que alguém se disponha a conjecturar sobre o futuro ou sobre o mundo. Em meu caso, não fosse o “senso de responsabilidade” (herdado de pais e avós militares), preferiria “flanar”, como se dizia antigamente, a trabalhar sobre tais temas. Mas não há escolha: ao trabalho, portanto.

Para ver mais longe e não choramingar sobre o cotidiano local, convém pensar no positivo e no global. Apesar do encolhimento econômico, os que mais sabem parecem ver caminhos e, bem ou mal, a democracia se manteve onde ela resplandece. Nos Estados Unidos há um novo presidente, eleito pela maioria. Já isso é reconfortante.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Ciência e política, cem anos depois de Weber

O tema de hoje pode não interessar a muita gente. É provável que pessoas desistam de ler ou ouvir quando virem o “arriar das malas”. Além disso, eu já tratei dele aqui, de um outro modo, há dois meses, na coluna intitulada “Ciência e política, amantes do possível”. Desejava, então, enfatizar a inclinação prudencial ao realismo, comum às duas profissões. Hoje quero tratar é de possibilidades contemporâneas de cooperação entre as duas. Sei que é coisa árida. Desculpem, mas o Bahia perdeu um jogo importante. Hoje, qualquer tema, aos meus cuidados, ficaria árido.

Há pouco mais de um século, o intelectual alemão Max Weber proferiu duas conferências - “A ciência como vocação” (1917) e “A política como vocação” (1919), ensaios escritos separadamente, que, tomados em conjunto, sugeriram, a estudiosos das ciências sociais e das humanidades, um ponto nobre de reflexão. Embora enfrentado por Weber sob impacto dos desafios concretos da Europa daquela época, o tema dos vínculos entre ciência e política transcendeu aquele contexto. Nunca deixou de se destacar entre temas clássicos que conservam crucial atualidade, tanto para iniciados naqueles campos de estudos acadêmicos, como para governantes e cidadãos de todo o mundo. No contexto de uma pandemia, que põe todo o mundo entre parênteses, ele se renova e adquire uma relevância desconcertante.

Tudo bem, o par ciência/política é atual e relevante como tema. Mas qual o sentido de revisitar, especificamente, aquela memorável reflexão de Weber? O mundo não terá mudado bastante – e com ele as ciências e políticas plurais que nele se pratica - de modo tal que o ponto de Weber hoje pertence mais à história das ideias, deixando de ser relevante para a política em ato? Enfim, qualquer comentário sobre aquelas conferências pode parecer uma visita à História e à Filosofia Política talvez um pouco diletante para quem faz um esforço para compreender e opinar sobre a política de hoje e suas conexões atuais com a ciência.

Merval Pereira - Histórias exemplares

- O Globo

Nesses depoimentos, o que mais se ouve são duas palavras: liderança e governança. O comentário é de José Augusto Coelho Fernandes, pesquisador que conduz as trinta entrevistas com formuladores e gestores de políticas públicas que compõem a série de podcasts sobre a “arte da política econômica no Brasil”, a ser lançada na próxima semana pelo IEPE/ Casa das Garças, um dos principais think tanks do país.

Na série, temos depoimentos importantes que podem ser usados para comparação com o que está sendo feito no atual momento. A negociação incessante com o Congresso, no lançamento do Plano Real, e a atuação em equipe com autonomia na crise energética de 2001, são exemplares.

Atores importantes da cena econômica nos anos recentes, Maílson da Nóbrega, Edmar Bacha, Pérsio Arida e Gustavo Franco abrem o primeiro mês da série, com relatos sobre os anos de aprendizado dos planos e reformas, com o fim da conta movimento entre Banco do Brasil e Banco Central, a criação da Secretaria do Tesouro, até desembocar no Plano Real, suas reformas econômicas e privatização, regime de metas de inflação e câmbio flutuante.

No desenrolar da série, ouvem-se relatos sobre gestão de crises, desafios de governança, construção e desenho de instituições.  A série se encerra com o depoimento do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Inaugurando a série específica sobre o Plano Real, o economista Edmar Bacha, presidente da Casa das Garças e membro da Academia Brasileira de Letras destaca o papel do Departamento de Economia da PUC RIO nas discussões sobre as causas da inflação e as políticas para o seu controle, o aprendizado com as experiências fracassadas de estabilização no Brasil e no mundo, como o Plano Cruzado.

Míriam Leitão - Centro não é o ponto entre dois extremos

- O Globo

Na disputa entre Lula e Bolsonaro não há dois extremistas. Há um: Bolsonaro. O centro deve procurar seu espaço, seu programa, seu candidato, ou seus candidatos, porque o país precisa de alternativa e renovação. Mas não se deve equiparar o que jamais teve medida de comparação. O ex-presidente Lula governou o Brasil por oito anos e influenciou o governo por outros cinco. Não faz sentido apresentá-lo como se fosse a imagem, na outra ponta, de uma pessoa como o presidente Jair Bolsonaro.

O PT jogou o jogo democrático, Bolsonaro faz a apologia da ditadura. A frase que abre esse parágrafo eu disse em 2018, em comentários e colunas, no segundo turno das últimas eleições. Era a conclusão da análise dos fatos e das palavras dos grupos políticos que disputavam a eleição. Fui hostilizada por dirigentes petistas do Rio dentro de um avião, processei por difamação um servidor do Planalto no governo Dilma. Sou vítima de constantes fake news e agressões do gabinete do ódio do governo Bolsonaro. Já fui criticada em público pelo ex-presidente Lula mais de uma vez e fui vítima de mentiras sórdidas ditas pelo presidente Jair Bolsonaro. Poderia com base nisso afirmar que os dois são iguais? Objetivamente, não. Seria falso. Posso concluir que ambos não gostam de mim, mas isso é o de menos. Não é uma questão pessoal.

Eliane Cantanhêde - Fechando as porteiras

- O Estado de S. Paulo

Com Bolsonaro e ministros ocupados com a CPI, sociedade, STF e Congresso reagem às “boiadas

A lógica se inverteu. Não é mais o governo que aproveita a “distração” do Brasil e da mídia com a pandemia e os já mais de 400 mil mortos para passar suas “boiadas”. Agora, são o Supremo, o Congresso e a sociedade que se unem para resistir às “boiadas” governistas, enquanto o presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e assessores estão muito ocupados com a CPI da Covid.

Um bom exemplo é o próprio meio ambiente. Foi o ministro Ricardo Salles quem avisou, naquela reunião ministerial histórica, que o governo estava aproveitando a pandemia para passar a “boiada” e pisotear o Ibama, o ICMBio, a legislação ambiental e, portanto, toda a estrutura de fiscalização e acompanhamento de florestas, rios, santuários. Mas a resistência cresce, e é sólida.

O delegado Alexandre Saraiva foi afastado da PF no Amazonas ao denunciar Salles por se aliar a madeireiros ilegais e, em vez de proteger a Amazônia, operar para destruí-la. Com essa denúncia, mais as ações de Ministério Público, ex-ministros, ONGs e entidades contra Salles e a política ambiental, a oposição colhe assinaturas para uma nova CPI, a do Meio Ambiente, na Câmara. Pode não ser inteligente, porque divide os holofotes da CPI da Covid, no Senado. Mas mobiliza.

Vinicius Torres Freire – Bobagem de Guedes sobre saúde e pobres

- Folha de S. Paulo

Ministro nada sabe sobre política pública e vive de fantasia caricata reacionária

 “Pobre? Está doente? Dá um voucher para ele. Quer ir no Einstein? Vai no Einstein. Quer ir no SUS, pode usar seu voucher onde quiser”, disse Paulo Guedes em seu mais recente surto de ignorância e horror a pobre.

Estritamente falando, um voucher é um vale, como um vale-refeição. No desvario de Guedes, “um pobre” receberia um vale-saúde para se tratar onde quisesse, no SUS ou no Einstein, um dos grandes e excelentes hospitais privados de São Paulo. Nem Guedes deve acreditar estritamente nessa idiotice. Mas argumente-se por absurdo e a favor do ministro.

O setor público gasta por ano 3,9% do PIB em saúde (na média trienal até 2017, do IBGE, ou até 2018, da OMS). Equivale a uns R$ 1.380 por pessoa, R$ 115 por mês. Dá para pagar um plano de saúde dos mais baratos, sem contar coparticipação, com serviço inferior ao do SUS. Daria um pouco mais por pessoa caso o dinheiro todo fosse reservado para quem ora não tem plano de saúde (71,5% da população, segundo o IBGE).

O vale-plano-de-saúde não daria para escolher o Einstein, ocioso ressaltar, nem o SUS. Não haveria mais SUS. O dinheiro da saúde pública teria sido confiscado pelo vale-guedes. Não haveria mais serviço público de vacina, de emergência (ambulância, PS), remédio, exame, nada. Se o seu plano baratinho não cobrisse certos tratamentos ou se você se arrebentasse em um local descoberto (quase todos), que você pagasse ou morresse.

Samuel Pessôa - Conversa com um leitor

- Folha de S. Paulo

Crescimento sustentável com redução do desemprego e da desigualdade é o maior desafio

Marcelo Costa Batista, meu leitor assíduo e crítico feroz, escreveu: “Desafio o colunista a apresentar aqui alguma solução para tirar milhares de brasileiros da miséria, gerar desenvolvimento e emprego para os milhares de desempregados e principalmente rever a carga tributária de regressiva para progressiva, inclusive tributando lucros e dividendos em percentuais franceses e noruegueses”.

O desafio do leitor tem uma parte fácil e outra difícil. A fácil é defender a elevação da tributação sobre os mais ricos. Tratei desse tema em algumas colunas no passado. Veja, por exemplo: "Imposto para os ricos""O Buraco é Fundo""Erro Simples" e "Chegou a hora de os ricos contribuírem para o ajuste" (bit.ly/3eILGIK).

A questão aqui é ter um correto diagnóstico do problema. Por exemplo, um trabalhador no contrato CLT que ganha muito já enfrenta carga tributária na casa de 40%, bem superior à alíquota máxima do IRPF, pois a contribuição previdenciária, no que exceder o teto da Previdência, também é imposto.

As empresas que operam no lucro real já pagam IRPJ somada à CSLL de 34%, e as do setor financeiro, 40%. É sempre possível aumentar a alíquota, bem como é preciso medidas que aproximem o lucro tributado do lucro contábil, mas certamente as maiores distorções estão nas empresas que operam no regime tributário especial do lucro presumido e do Simples.

Dorrit Harazim - Joe, Jair e Modi

- O Globo

Esta semana Joseph Robinette Biden Jr. trocou de roupa e de imagem oficial. Sai de cena “Uncle Joe”, a grife caseira do democrata conciliador, afável e algo distraído por ele cultivada ao longo de 4 décadas de vida pública. Esta semana Joe Biden se apresentou perante o Congresso com nova roupagem — a do arrojado visionário 46º presidente dos Estados Unidos — e detalhou como pretende reformatar já no presente a vida da nação sob seu comando. Também descreveu os planos, metas e projetos com que planeja moldar o futuro das gerações seguintes, sem esquivar-se de alocar cifras concretas a cada item do pacotão. Se aprovada na totalidade pelo Senado, o que é pouco provável, sua agenda de resgate da economia, força de trabalho e seguridade familiar custará astronômicos US$ 4,1 trilhões. Mas, mesmo que venha a ser fatiada, a visão de Biden sobre o papel do Estado ficou clara: o Estado deve funcionar como zelador da infraestrutura humana e do bem-estar social. Soou quase revolucionário e revela quanto o mundo está carente de bom senso.

A surpresa com esse Biden arrojado se justifica, uma vez que, durante a campanha eleitoral, ele se apresentara como mero homem de transição capaz de aquietar o país tarja preta que sobrevivera a Donald Trump. Uma vez sentado no Salão Oval, porém, o mandatário de 78 anos e alguns lapsos já fez saber que não exclui tentar a reeleição dentro de quatro anos. Sai de cena o gestor conciliador, como Biden foi retratado enquanto candidato, para dar lugar a quem pretende ser lembrado como líder mundial transformador. Para tanto, mantém algumas características pétreas — é disciplinado, metódico e prefere ficar abaixo do radar para não escorregar.

Bernardo Mello Franco - A aventura de Witzel

- O Globo

Terminou mal a aventura de Wilson Witzel, o Breve. O ex-juiz experimentou uma ascensão meteórica na política. Em poucas semanas, passou de candidato nanico a governador eleito do Rio. Depois de um ano e oito meses no poder, ele foi afastado sob suspeita de corrupção. Na sexta-feira, teve o mandato cassado em definitivo.

Witzel se tornou uma unanimidade ambulante. Em junho de 2020, a Assembleia Legislativa aprovou a abertura do processo de impeachment por 69 votos a 0. Em setembro, repetiu o placar para ejetá-lo da cadeira. Varrido do palácio, ele passou a ser julgado por um tribunal misto. Desembargadores e deputados também concordaram no veredicto: 10 a 0 a favor da cassação.

No início do ano, o governador havia sido derrotado em outra votação unânime. Por 13 a 0, os ministros do Superior Tribunal de Justiça aceitaram denúncia que o acusa de desvios na saúde. Numa inversão de papéis, o ex-juiz virou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Cacá Diegues - Depois da tempestade

- O Globo

A natureza aturou nossa bagunça por uns dez milhões de anos. Agora parece não estar mais a fim de segurar a onda

Assim como ninguém sabe quando e como vai acabar a praga desse vírus no planeta, ninguém pode saber o que será o mundo depois que ele for embora. Isso é, se ele um dia aceitar ir embora. Quantas cepas ainda se multiplicarão por aí? Que países vão entrar em colapso, como entrou agora a Turquia? Quantas milícias vão ainda se formar, como estas que, na Alemanha, usam armas de fogo para impedir o isolamento social? Quantos seres humanos ainda morrerão, vítimas do coronavírus? Quem serão?

Nem sempre depois da tempestade vem a bonança, como estamos acostumados a acreditar graças ao nosso atávico romantismo e à fé cristã de nossos antepassados desde muito antes do Cristo. Depois da tempestade, isso sim, vem sempre a esperança. E se ela vem depois, é porque já estava de algum modo por lá, em pedacinhos disfarçados por trás do desastre.

Eduardo Rocha* - Há 135 anos, um 1º de Maio histórico

Há 135 anos e como resultado de um ano e meio de preparação em todos os Estados Unidos, que assistiriam a inúmeras manifestações operárias em defesa da jornada de oito horas, o sábado de 1º de Maio de 1886 será um dia diferente para Chicago – então centro industrial dos Estados unidos - e o será depois para todo o planeta.

As fábricas, os transportes e o comércio estão paralisados. Vendem-se apenas jornais. No editorial do Mail (Correio), vinculado aos patrões, se podia ler: _“Circulam livremente nesta cidade dois perigosos cafajestes, dois canalhas que querem desordens. Um deles se chama Spies, o outro Parsons... Vigiai-os, segui-os; considerai-os responsáveis se acontecer alguma coisa. E se algo suceder, eles que paguem por isso”.

Então, o ambiente de tensão e silêncio é rompido quando, pela Avenida Michigan, surge uma esplêndida passeata – dezenas de milhares de trabalhadores com suas famílias caminham rumo à praça Haymarket. Abrem a marcha Albert Parsons e a sua mulher, com a filha de sete anos, Lulu. Eles são acompanhados pelos dirigentes da American Federation of Labor (AFL) e dos Cavaleiros do Trabalho.

Seguem-se as diversas colônias de trabalhadores em seus trajes típicos: alemães, poloneses, russos, italianos, irlandeses etc. No alto dos edifícios e nas esquinas, estão os homens da Guarda Nacional e 300 pistoleiros da agência Pinkerton (milícia privada formada por marginais e ex-presidiários, famosa pelos métodos selvagens utilizados na repressão). A manifestação, a favor das oito horas de jornada, termina com um ardente comício em que discursam oradores de diferentes nacionalidades. Depois, a multidão se dissolve pacificamente.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Sem vacina, sem emprego

O Estado de S. Paulo

Com vacinação atrasada e economia emperrada, o Brasil segue em desvantagem diante de países governados com alguma eficiência.

Desemprego e pandemia infernizam os brasileiros, sem trégua, um ano depois dos primeiros ataques do coronavírus. Com vacinação atrasada e economia emperrada, o Brasil segue em desvantagem diante de países governados com alguma eficiência. Além disso, o País supera as próprias marcas negativas. Mais um recorde sinistro foi alcançado quando se contabilizaram 14,4 milhões de pessoas desocupadas, 14,4% da força de trabalho, no trimestre móvel encerrado em fevereiro. Nunca haviam aparecido tantos desempregados na série iniciada em 2012. Um ano antes, ainda na fase pré-pandemia, os desocupados eram 12,3 milhões, ou 11,6% da população economicamente ativa. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na sexta-feira.

Passado o primeiro aniversário da pandemia, o crescimento foi retomado em outros países, desenvolvidos e emergentes, embora novas ondas de covid-19 tenham aparecido. Em alguns, a vacinação avançada e a redução do contágio têm facilitado a retomada. No Brasil, onde o controle sanitário foi amplamente prejudicado por falhas do governo federal, os negócios continuam fracos e as condições de emprego se mantêm como nas piores fases de 2020.