quarta-feira, 26 de maio de 2021

Vera Magalhães - A eleição do estômago

- O Globo

A eleição de 2018 se resolveu com o fígado. A de 2022, ao que tudo indica, será decidida pelo estômago. A realidade da fome ou da insegurança alimentar de milhões de brasileiros está posta à mesa do debate político. Isso explica mais que tudo a dianteira alcançada por Lula nas intenções de votos. E pode determinar o rumo do desgoverno de Jair Bolsonaro daqui por diante.

Paulo Guedes continua encenando o papel de um ministro liberal num governo que já não faz questão de disfarçar seu verdadeiro caráter: negacionista na gestão da pandemia, reacionário nos costumes, autoritário na política, populista e fisiológico no trato da coisa pública e alheio a pautas que dizem respeito à inserção do país na agenda econômica e geopolítica do século 21.

O ministro já entendeu que é a eleição a única coisa que interessa a Bolsonaro, e que terá de fazer o jogo se quiser continuar onde está. Diante da cada vez mais delicada situação eleitoral do chefe e da inflação galopante de alimentos, que só faz com que essa situação se deteriore mais, Guedes terá de se dedicar única e exclusivamente a entregar uma versão turbinada e de grande potencial de votos do Bolsa Família lulista.

Bernardo Mello Franco - O general no palanque

-O Globo

Na quinta passada, Eduardo Pazuello se penitenciou à CPI da Covid após ter sido flagrado sem máscara num shopping de Manaus. O general fingiu arrependimento por desrespeitar as regras sanitárias. “Peço desculpas por isso”, afirmou.

Três dias depois, o ex-ministro participou de um comício com Jair Bolsonaro no Parque do Flamengo. A exemplo do chefe, discursou sem máscara, lançando perdigotos sobre a plateia. Foi a menor das suas transgressões no palanque.

Diante do Monumento aos Pracinhas, Pazuello pisoteou o Regulamento Disciplinar do Exército. O texto proíbe militares da ativa de se manifestar, sem que estejam autorizados, sobre assuntos de “natureza político-partidária”. Ao ignorar a regra, o general rompeu a hierarquia e deu um novo incentivo à politização da tropa.

A provocação foi combinada com Bolsonaro, que viveu um dia de Mussolini com seus fanáticos de motocicleta. No passado, o capitão estimulou a anarquia militar para transitar dos quartéis ao Congresso. Agora investe na cooptação das Forças Armadas para fortalecer seu projeto autoritário.

No início da pandemia, o presidente levou seus seguidores para a porta do Quartel-General do Exército, onde discursou num ato que pregava o fechamento do Congresso e do Supremo. Nos últimos meses, passou a ameaçar o uso de tanques contra governadores e prefeitos que não se curvam ao negacionismo federal.

Rosângela Bittar - Na clandestinidade

- O Estado de S. Paulo

O sucesso da CPI depende da sua capacidade de identificar os fantasmas que orientam o enfrentamento da pandemia

Tudo, no absurdo governo Jair Bolsonaro, é paralelo, a começar pelo exercício do poder. Sem que se percebesse, o legal e o constitucional foram substituídos por uma rede clandestina de instâncias e conselheiros, todos sob o comando de um só sujeito oculto. Estranhos atuam no diagnóstico, avaliação dos sintomas e decisões.

Se há uma negociação objetiva, como a da compra de vacinas da Pfizer, em reunião extraordinária descoberta na CPI da Covid os negociadores formais são surpreendidos, de repente, pelo vereador Carlos Bolsonaro. De onde surgiu? Não veio de seu gabinete na Câmara Municipal do Rio. Saltou dali mesmo, de uma mesa do Palácio do Planalto onde, com sua equipe, despacha informalmente questões que produzem consequências formais.

Primeiro citado sempre que algo dá errado, Carlos é o líder de um dos principais aparelhos deste sistema de governo paralelo, o gabinete do ódio. Que transcende os espaços legais e comanda ações estratégicas, como as da rede social e de comunicação, por exemplo. Estes colegiados têm sua própria ética, critérios e composição, todos desconhecidos.

Até o Orçamento da União, que é um documento de expressão aritmética, está à margem da contabilidade pública. Neste governo ganhou, inclusive, mais um adjetivo. Além de paralelo, o orçamento é secreto.

A ideologia e o caráter do paralelo disseminaram-se de tal forma, por toda a extensão dos assuntos de governo, que o sucesso da CPI da Covid dependerá da sua capacidade de identificar, convocar e inquirir os fantasmas que orientam, às escondidas, decisões para o enfrentamento da pandemia.

Não se avançará na investigação com as anunciadas reconvocações de Eduardo Pazuello ou Marcelo Queiroga. Queiroga transita pelo mundo institucional, pisando leve para não tangenciar os paralelos. Quanto a Pazuello, já camuflou o que estava a seu alcance e, no último fim de semana, em palanque da campanha eleitoral, mostrou que seu mundo é realmente o paralelo e não o institucional que fingiu exercer como ministro de Estado.

José Nêumanne* - A tradição da mentira no Exército Brasileiro

- O Estado de S. Paulo

Pazuello desonrou a patente e cuspiu em STF, CPI e todas as 27 unidades da Federação

As 14 mentiras contadas pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, Renan Calheiros, não fazem do general de divisão Eduardo Pazuello um ponto fora da curva entre os seus companheiros de caserna. Ele violou a Lei n.º 4.346, de 2002, lembrada no festival de patranhas que assolou o Senado em 19 e 20 de maio, ao desrespeitar o Estatuto dos Militares, que exige ética (“I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal”). O oficial rasgou a lei ao se exibir no comício ilegal do candidato à reeleição à Presidência da República, mais de um ano antes do início da campanha, ao arrepio da legislação eleitoral.

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, avalizou a desculpa apresentada por Pazuello – de que teria mantido contato com dois coronéis com “suspeita” de ter contraído o novo coronavírus – para adiar seu depoimento, marcado para 5 de maio. Se o avalista não for ingênuo, condição que o tornaria inepto para o exercício da função, no mínimo empenhou a honra e a força do próprio cargo para dar desculpa que só caberia ser dada por um médico. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou o depoente a silenciar sobre quaisquer respostas que pudessem incriminá-lo, mas lembrou que em relação a terceiros não poderia mentir. Ao mesmo tempo, assegurou-lhe uma condição, na prática, de intocável que impediu o presidente da CPI, Omar Aziz, de mandar prendê-lo por falso juramento.

A loquacidade, na prática, autorizada, benéfica para o chefão geral, capitão Jair Bolsonaro, contudo, levou o intendente incompetente, mas obediente, a mentir por antecipação, feito quiçá inédito em interrogatório do gênero. Em resposta ao senador Eduardo Braga, disse que era favorável a restrições sanitárias para impedir ou, no mínimo, deter a velocidade do agente mortífero, tendo chegado ao Senado sem máscara. E antes de participar da passeata de motos sem máscara nem álcool em gel à vista, ao lado do patrão.

Ricardo Noblat - Pazuello, general cabeça de papel, só fez obedecer ao ex-capitão

- Blog do Noblat / Metrópoles

Procurado por colegas de farda, o ex-ministro da Saúde recusa-se a pedir passagem para a reserva. Aposta que não será punido

O general Eduardo Pazuello, coitadinho, limitou-se a obedecer à ordem do presidente Jair Bolsonaro de acompanhá-lo ao Rio no último domingo, montar depois numa moto, percorrer mais de 30 quilômetros em meio a milhares de motociclistas, subir num carro de som e, por último, discursar em defesa do governo.

O que poderia ter feito o general da ativa, portador de três estrelas, para não contrariar o Comandante Supremo das Forças Armadas? Se ele, o general do manda quem pode, obedece quem tem juízo, não cumprisse a ordem que recebeu, poderia até ter sido punido. Desrespeitou o Regulamento Disciplinar do Exército?

Desrespeitou, mas em obediência ao seu supremo comandante que conhece o regulamento desde jovem, e, por desconsiderá-lo, foi afastado do Exército. Não é justo, no entendimento do general, que ele seja punido. Já não basta ter sido demitido do Ministério da Saúde por erros que não foram exclusivamente seus?

Fábio Alves – Barulho na vizinhança


- O Estado de S. Paulo

Turbulência política pode colocar em risco a recuperação econômica de países da América do Sul

Em meio à piora no número de casos, de internações hospitalares e de mortes da segunda onda da pandemia de covid, muitos países da América do Sul também estão enfrentando uma turbulência política que pode colocar em risco a recuperação econômica observada na região no 1.º trimestre.

Os investidores já estão reagindo ao agravamento do cenário político: só na semana passada, o principal índice da Bolsa de Valores do Chile caiu mais de 10% e o da Colômbia perdeu 3,54%. Na sexta-feira, dia seguinte ao anúncio pelo presidente Alberto Fernández de um novo lockdown por nove dias para conter o avanço do coronavírus, a Bolsa argentina recuou 1,55%. Por outro lado, o dólar registrou ganho semanal de mais de 2% em relação à moeda do Peru e avanço de 1,7% ante o peso colombiano.

Na semana passada, enquanto a Colômbia teve o seu rating soberano rebaixado pela agência S&P Global, resultando na perda do seu status de grau de investimento, o Peru teve a perspectiva (“outlook”) da sua classificação de risco soberana reduzida de estável para negativa pela agência Moody’s. O clima político conturbado foi o pano de fundo para as duas decisões.

Vinicius Torres Freire – Um progresso lerdo na vacinação

- Folha de S. Paulo

Até sexta, país recebe 100 milhões de doses; há riscos no 3º trimestre

Até a próxima sexta-feira (28), o governo federal deverá ter recebido mais de 100 milhões de doses de vacinas, provavelmente 103 milhões. Considerando perdas, é o suficiente para dar duas injeções em pouco mais de 49 milhões de pessoas, cerca de 31% da população com 18 anos ou mais no país. É pouco (os EUA estão com 56% agora).

De qualquer modo, vai demorar para chegar lá, nessa porcentagem de vacinados. Até esta quarta-feira (25), haviam sido distribuídas quase 90,8 milhões de doses, das quais 64,2 milhões haviam sido aplicadas. Dois terços foram para a primeira injeção.

Ao final de maio, Fiocruz, Butantan e outros fornecedores muito menores deverão ter entregue cerca de 32,6 milhões de doses ao governo federal. É mais vacina do que em abril, quando foram entregues cerca de 26 milhões. É um avanço pequeno no grande atraso nacional.

Bruno Boghossian – A máquina política da Saúde

- Folha de S. Paulo

Depoimento de Mayra Pinheiro na CPI ilustra protocolo político instalado na Saúde

Dois médicos dizem que deixaram o cargo de ministro da Saúde porque discordavam de Jair Bolsonaro na defesa de medicamentos ineficazes contra a Covid-19. Outra médica, subordinada a eles, teve destino diferente. Alinhada à plataforma do presidente, ela sobreviveu à sucessiva dança das cadeiras e foi premiada com mais projeção na pasta.

A longevidade de Mayra Pinheiro tem explicação. A CPI da Covid mostrou que a secretária de Gestão e Trabalho foi uma peça-chave na orientação do uso abrangente de cloroquina. Além disso, ela já declarou que medidas de isolamento causaram "pânico na sociedade" e que a contaminação de crianças nas escolas teria um "efeito rebanho" positivo.

Ruy Castro - Milagres da cloroquina

- Folha de S. Paulo

Confesso que, em jovem, usei-a para fins alucinógenos. Era só misturá-la com cocaína e gritar Shazam!

Acordei outro dia com dor de barriga. Seguidor das sessões da CPI da Covid e impressionado pelo ardor com que os senadores bolsonaristas defendem o remédio cloroquina, tomei-o por conta própria em forma de antiespasmódico. Por via das dúvidas, passei o dia a banana, chuchu desidratado e biscoito de cachorro. E —milagre!—, 24 horas depois, já com a serpentina regularizada, encarei a feijoada com buchada do Samba do Trabalhador, grande evento carioca das segundas-feiras, no Andaraí, e cá estou.

Na verdade, a cloroquina, também chamada de hidroxicloroquina quando tomada com água, já me tinha salvado a vida em criança nos surtos de sarampo, caxumba e catapora. Superei todas essas moléstias pelo uso do remédio, a mim ministrado por um assistente social que lera a respeito numa publicação científica, "Flash Gordon no Planeta Mongo". A cloroquina, parece, era a droga favorita do imperador Ming, arqui-inimigo de Flash.

Fernando Exman - Destino partidário incerto e não sabido

- Valor Econômico

CPI coleta novas evidências do modo de ação de Bolsonaro

Dissecar o processo decisório de qualquer presidente da República é um exercício irresistível.

Fica mais fácil entender como o governante conduz sua gestão, tenta lidar com os desafios do país ou cria problemas para si. O objeto natural de pesquisa neste momento é, por óbvio, o presidente Jair Bolsonaro. E essa reflexão pode mostrar o que o enfrentamento da pandemia e a demora em definir por qual partido disputará a eleição de 2022 dizem sobre sua personalidade.

Antes, porém, alguns exemplos da história recente. À cabeceira da mesa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva portava-se como mediador. Ouvia e deixava ministros com posições divergentes irem para o confronto. Analisava a reação da sociedade, dos setores envolvidos e do meio político para, então, agir. Saía-se quase sempre incólume das disputas naturais que envolvem a decisão de um chefe de Estado.

Dilma Rousseff trilhou outro caminho. Ficou notória a demora da ex-presidente para tomar decisões. Seus ministros reclamavam - sobretudo em conversas informais, claro - das extenuantes “sessões de espancamento” pelos quais seus projetos eram submetidos. Dilma opinava sobre tudo e pouco ouvia. Exigia que sua palavra se sobrepusesse. Acabou praticamente sozinha, afastada do cargo.

Efetivado o impeachment de Dilma, Michel Temer assumiu a Presidência com apoio da maioria do Congresso. Tomava decisões depois de se aconselhar com auxiliares de confiança e líderes aliados. Em pouco tempo, levou adiante reformas que há anos estavam empacadas.

Vê-se, agora, um novo estilo em ação. Bolsonaro confia em poucos e se cerca dos filhos e de um grupo restrito. Seu governo é afeito a balões de ensaio, mas nenhum deles pode ir contra o que o presidente acredita ou considera ser o politicamente viável.

Cristiano Romero - Em meio à tragédia, alguma esperança

- Valor Econômico

Apesar de ruídos, Brasília aprovou mudanças relevantes

Há cinco semanas, o boletim Focus do Banco Central (BC) vem registrando sensível melhora nas projeções do mercado quanto ao desempenho da economia brasileira neste ano. Analistas começaram o ano razoavelmente otimistas, mas, com o agravamento da pandemia, o bom humor logo deu lugar a previsões de novo desastre num país que não sabe o que é crescer há longos sete anos. Há pouco mais de um mês, porém, economistas de bancos, gestoras de recursos e instituições de pesquisa econômica voltaram a crer num ritmo mais forte de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021.

No boletim Focus desta semana, a mediana das expectativas, numa amostra com 73 participantes, projeta alta de 3,52% para o PIB no ano. Quatro semanas atrás, a mediana estava em 3,09%. A equipe de macroeconomia do banco Itaú, chefiada por Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central, já descolou do Focus - a previsão é de expansão de 4%, que, se de fato ocorrer, será a maior em dez anos.

É bom alertar que, se o Focus vem mostrando melhora nas expectativas de crescimento, o mesmo não pode ser dito em relação à inflação. A mediana das projeções mostra inflação mais alta há sete semanas - na mais recente, 5,24%, numa amostra de 124 respondentes da pesquisa. Isto significa um IPCA acima da meta fixada para este ano, mas ainda dentro do intervalo de tolerância do regime (5,25% para cima e 2,25% para baixo).

Nilson Teixeira - Retomada dos EUA dá inveja ao Brasil

- Valor Econômico

Ao contrário dos EUA, o quadro do mercado de trabalho no Brasil é desfavorável

Os EUA contribuirão bastante para o crescimento global deste e do próximo ano, com a sua economia respondendo aos expressivos estímulos fiscais e monetários, bem como à rápida recuperação da confiança associada à vacinação contra a covid-19. Após contrair 3,5% no ano passado, o PIB dos EUA pode crescer em torno de 7% em 2021 e de 5% em 2022. Isso corresponderia a 2,7% ao ano em três anos, acima do que era esperado no começo da pandemia - muito superior à expansão média do Brasil de 2020 a 2022 de 1,6% ao ano em um cenário muito otimista.

O consumo das famílias - 66% do PIB dos EUA de US$ 20,9 trilhões em 2020 - recuou 3,9% no ano passado. A forte retomada a partir do 3º trimestre passado e a persistência da recuperação garantirão um crescimento do consumo por volta de 7,5% em 2021 e de 4,5% em 2022. A dinâmica desde meados de 2020 tem sido favorecida pela transferência de recursos para a sociedade por meio de repasses diretos, ampliação do seguro-desemprego e financiamentos para as empresas manterem seus funcionários.

A continuidade desse movimento dependerá da evolução benigna da vacinação. Sua persistência será estimulada pela provável utilização até o fim de 2022 de grande parte do aumento da taxa de poupança de 7,5% do PIB em 2019 para 16% do PIB em 2020, resultante das restrições de mobilidade e da consequente redução na demanda por serviços.

Malu Gaspar - CPI da Covid evita quebra de sigilo de aliados de Bolsonaro e convocação de militares

- O Globo

A performance inquisitiva e aguerrida demonstrada nos depoimentos pelos sete senadores de oposição e independentes que formam a maioria na CPI da Covid não se repetiu na reunião fechada de mais de duas horas que o grupo teve na noite de terça-feira, para acertar as convocações a serem aprovadas nesta quarta pela comissão.

Apesar de definir uma lista de mais de 70 nomes, entre eles os de duas dezenas de governadores e prefeitos, além da reconvocação de Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga, o grupo deixou de fora os pedidos mais sensíveis para o governo, por falta de consenso. Assim, eles não entraram na pauta de votacões para a CPI nesta quarta. 

Não serão votados os requerimentos para a quebra de sigilo bancário, fiscal e das comunicações eletrônicas do ex-secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, nem dos ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) ou do assessor internacional da presidência da República, Filipe Martins. 

Muito menos os pedidos para a convocação do filho do presidente da República, Carlos Bolsonaro, ou do ministro da Economia, Paulo Guedes. São mais remotas ainda as chances de ser chamado o general da reserva Braga Neto, ex-chefe da Casa Civil e hoje no comando do Ministério da Defesa, ou a de outros chefes militares. 

Roberto DaMatta - Deus, FH, Lula e o Brasil

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Corre nas altas esferas celestes uma anedota instrutiva sobre as preocupações de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e a opinião de Deus Todo-Poderoso.

Aflito com a polaridade brasileira, preocupado com o número de almas que, por causa da pandemia, estão lotando o céu e fazendo com que os anjos do purgatório façam jornadas duplas de atendimento, as Altas Esferas chegaram a pensar em ampliar o espaço de recepção do purgatório devido a essa dramática emergência.

Soube disso por meio de um amigo médium. O astral, disse-lhe uma entidade espiritual adiantada e de muita luminosidade, está muito assoberbado, precisamente pela quantidade de almas que vem recebendo. Nessa emergência, comentou que os ex-mortos brasileiros são difíceis. Dão trabalho, pois a maioria chega ao purgatório demandando tratamento privilegiado. Já tivemos que intervir em discussões de caráter político — absolutamente proibidas no outro mundo — quando controvertiam que morreram por sabotagem de vacinas... Os espíritos brasileiros (que são brasileiros de espírito), prosseguiu o médium, demoram a aprender que, no outro mundo, não há disputas de poder, pois o poder do Absoluto Poder é total. E não é fascista, porque é obra da eternidade, que se fez num quando não havia tempo ou espaço.

Um dos maiores problemas das almas brasileiras é a igualdade cósmica. Elas querem manter suas hierarquias materiais nacionais, e isso torna difícil lidar com políticos, juízes, militares, empresários e policiais, bem como com os criminosos por eles mortos em algum confronto.

O médium relatou que, em muitas preleções de adaptação, anjos superiores e poderosos dissolveram manifestações de queixosos que, mesmo no outro mundo, exigiam atendimento usando o “você sabe com quem está falando?”, que não é válido no astral. Aqui, disse a alma por meio do médium, não se pode negar a regra da fila, segundo a qual quem primeiro chega, primeiro é atendido. Numa certa ocasião, tivemos que chamar o Arcanjo Gabriel e seu irmão, Rafael, ambos com estatura suficiente e prontos a usar suas espadas de lâminas de fogo para obrigar as relutantes almas brasileiras a obedecer à fila final que os levaria ao infinito glorioso do nada.

Zeina Latif - A emenda saiu pior que o soneto

- O Globo

Os consumidores precisam contar com o fornecimento perene de energia elétrica e a preço justo. Isso requer ambiente competitivo entre as empresas do setor elétrico; regulação adequada para estimular o investimento e para proteger o consumidor de abusos; e planejamento para garantir fontes de energia alternativa, adequadas a cada região do País, conforme as suas vantagens naturais.

A privatização da Eletrobras deveria se inserir nesse objetivo, principalmente pelo seu peso no setor (responsável por 1/3 da oferta de energia) e sua incapacidade de manter um nível adequado de investimento – tem sido da ordem de R$ 3 bilhões ao ano ante uma necessidade de R$ 15 bilhões, segundo a empresa.

 No entanto, o projeto de lei de conversão aprovado pela Câmara peca em várias frentes, incorporando assuntos estranhos à matéria (“jabutis”), sem amparo técnico, e levando para o Legislativo uma função de planejamento que é do Executivo.

O projeto está mais focado em atender (inadequadamente) lobbies do que em beneficiar a coletividade, pois produz reservas de mercado e cria distorções que resultam em energia mais cara. E ao impor tantas exigências à Eletrobras, reduz potencialmente a receita da privatização para os cofres públicos.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Política para armas de Bolsonaro dá munição a bandidos

O Globo

Desde que assumiu, o presidente Jair Bolsonaro vem flexibilizando as regras para compra de armas e munições, por meio de ao menos 30 atos normativos. Pode-se alegar que tais medidas as preservam nas mãos das forças de segurança, civis e militares, ou então de “cidadãos de bem”, identificados por registros nos órgãos de controle. Em tese, esse armamento não teria relação com a violência que fustiga as cidades brasileiras. A lógica implícita nas medidas de Bolsonaro é apenas tentar armar a população para que se defenda dos bandidos.

Os fatos desmentem, porém, essa visão simplista da violência. Um levantamento do GLOBO, em parceria com o Instituto Sou da Paz, mostrou que a munição comprada pelas forças de segurança estaduais e federais foi usada em pelo menos 23 ações criminosas — entre elas, sete chacinas —, que resultaram na morte de 83 pessoas em oito estados entre 2010 e 2020.

A pesquisa verificou que 145 lotes de munição comprados por polícias ou pelas Forças Armadas foram parar nas trincheiras do crime organizado. O estudo se baseou em informações judiciais sobre cartuchos encontrados em cenas de crimes ou apreendidos com bandidos. É um mistério a resposta à pergunta óbvia: como munições legais foram parar em mãos de criminosos? Na maior parte dos casos, os desvios não foram esclarecidos, portanto não houve punição. Grupos de extermínio e milícias atuaram em mais da metade (15) das 23 ações investigadas.

O lote encontrado com maior frequência foi o UZZ18, comprado pela Policia Federal em 2006. Cartuchos dessa leva foram usados no assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em 2018, um dos crimes de maior repercussão no país nos últimos anos. A polícia identificou os executores, que estão presos, mas até hoje nada se sabe sobre os mentores ou o motivo do crime. Munição desse carregamento foi usada também em duas chacinas com participação de PMs na Região Metropolitana de São Paulo em 2012 e 2015; na guerra entre traficantes de São Gonçalo e num assalto a uma agência dos Correios em Serra Branca, na Paraíba.

Poesia | Antonio Machado - Me disse uma tarde

Me disse uma tarde
da Primavera:
Se buscas caminhos
em flor pela terra,
mata tuas palavras,
ouve tua alma velha.
Que o mesmo alvo linho
que te vista seja
teu traje de luto,
teu traje de festa.
Ama tua alegria,
ama tua tristeza,
se buscas caminhos
em flor pela terra.
Respondi à tarde
da Primavera:
Disseste o segredo
que em minha alma reza:
odeio a alegria
por ódio às penas.
Mas antes que pise
tua florida senda,
quisera trazer-te
morta minha alma velha.