domingo, 13 de junho de 2021

Pedro S. Malan - O terceiro inverno do governo Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Os próximos 12 a 15 meses são cruciais para evitar outro salto no escuro em 2022

A cada início de inverno deste período de governo Bolsonaro venho publicando neste espaço textos voltados para o eventual leitor que preferiria não experimentar, em outubro de 2022, a polarização irrefletida que marcou a eleição de 2018 e julga ainda possível, desejável e salutar contribuir para tornar viável uma eventual coalizão ampliada de centro.

Como escreveu em texto recente Margareth Dalcomo, “aos cansados desses longos meses e que pretendem não se imiscuir nas querelas e desavenças políticas resta a lógica aristotélica, que lembra, aos que não gostam da política e permanecem neutros por convicção: somos e seremos sempre governados pelos que gostam e instados a arcar com as consequências dessa nada impune neutralidade”.

Há que levar em conta as sofridas memórias vividas por todos os brasileiros nos últimos dois anos e meio. Refiro-me não apenas à pandemia e à desastrosa postura do chefe do Executivo em relação a ela. É preciso que o País não perca sua memória – a memória do que alguns historiadores chamam do “passado recente”: aquele que continua influenciando o escopo das escolhas possíveis no presente.

Foram ações e omissões, erros e acertos, paixões e interesses, conflitos e compromissos que nos trouxeram, como país, ao que somos hoje. Entender como um país se tornou o que é, e o que poderia vir a ser, exige consciência do peso ou do empuxo do passado, como condição para viver criativamente no presente e, principalmente, para ter visão sobre o futuro, seu e de seu país no mundo.

O processo que nos trouxe até aqui está em curso há décadas. Estamos há mais de 130 anos em busca de uma República democrática digna desse nome. Por vezes, e particularmente agora, é preciso defender conquistas que julgávamos, realisticamente, em processo de consolidação.

O risco de retrocesso existe e vem se tornando menos obscuro ao longo dos últimos dois anos e meio. Acentuado pela propensão ao autoritarismo que vem marcando, a cada inverno que passa, a postura e a conduta daquele que deveria servir de exemplo a seus concidadãos – e não apenas àqueles que o têm como mito, como oráculo inquestionável.

Rolf Kuntz - Maldição em dose dupla

- O Estado de S. Paulo

No país de Bolsonaro, desatinos agravam a praga do baixo potencial econômico

Maldição sobre maldição pode parecer exagero, exceto num país sujeito ao desgoverno de Jair Bolsonaro. Se ele tiver sucesso em mais um desatino, a campanha para apressar o abandono da máscara, até o mísero avanço econômico estimado para 2022 estará em risco. Vacinação é hoje uma variável essencial em qualquer projeção econômica. É um tema citado nas primeiras linhas de qualquer estudo prospectivo do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), de outras organizações multilaterais e, é claro, das instituições do mercado. Outras medidas preventivas, como o uso de máscara, também são mencionadas ou pressupostas como simples manifestações de bom senso. Mas nem o senso comum, menos brilhante que o bom senso, tem abrigo seguro no mundo bolsonariano.

A economia brasileira deve crescer 2,31% no próximo ano, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, de 4 de junho. Depois disso a expansão anual ficará em 2,5%, número familiar a quem segue as projeções de médio e de longo prazos. Mas até esse desempenho, muito modesto para um grande emergente, estará em risco se o coronavírus for de novo favorecido pela insensatez política. Mesmo sem referência à pandemia, no entanto, o crescimento mais forte estimado para 2021, cerca de 5%, some dos cálculos quando se trata dos anos seguintes. Pelas projeções, o vigor atual deve esgotar-se até o réveillon, sem deixar resíduos.

Samuel Pessôa - Celso Furtado e décadas perdidas

- Folha de S. Paulo

Olhar o passado recente à luz de Furtado pode iluminar o futuro

O melhor momento que vivemos desde a redemocratização foi no governo Lula. No entanto, a hegemonia petista terminou na maior crise de nossa história.

Para construir um contrato social que sustente crescimento persistente a longo prazo, vale rever a análise que Celso Furtado fez da política econômica dos anos 1970, que anteciparam nossa primeira década perdida.

No livro de 1981 "O Brasil Pós-'Milagre'", nosso economista mais influente de todos os tempos escreveu:

"Também era necessário que se ampliasse a capacidade de financiamento a partir da poupança interna. Essa modificação estrutural somente seria obtida se, ao crescer o produto, durante algum tempo os gastos de consumo (privados e públicos) aumentassem menos que proporcionalmente". Duas décadas depois, foi o que fez Lula nos primeiros anos de seu governo.

A partir da mudança na política econômica de Lula, em seguida à saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda e o abandono da política de contenção fiscal, contudo, deixamos de seguir o ensinamento de Furtado.

No período de 2006 até 2014, o PIB cresceu em média 3,1% ao ano, e o consumo, 4,3%, 1,2 ponto percentual acima. Não surpreendentemente, as exportações líquidas, que eram superavitárias em 4,3% do PIB em 2005, tornaram-se deficitárias em 3,6%, uma virada de 7,9 pontos percentuais do PIB.

Merval Pereira - Um missionário da conciliação

- O Globo

Se há um tipo de político que faz falta no Brasil de hoje, ele é encarnado por Marco Maciel que morreu ontem aos 80 anos, depois de uma longa enfermidade. Católico praticante, considerava-se um missionário da política. Extremamente culto, leitor de Bobbio e Weber e outros grandes filósofos e cientistas políticos, sua visão política ia muito além do imediatismo que hoje domina nosso cenário partidário, agia com discrição nos bastidores, sempre em defesa da democracia, mesmo que muitas vezes tivesse que olhar o longo prazo para negociar o imediato. “Deve, o político procurar andar mais depressa que os acontecimentos, ver com antecipação e realidade e agir prontamente sobre a causa dos problemas."

Foi assim quando, presidente da Câmara aos 37 anos, teve que confrontar-se com o fechamento do Congresso pelo governo do General Geisel. Longe de gestos açodados, manteve-se na ação ao lado dos militares que trabalhavam pela abertura política, mesmo com retrocessos momentâneos. Após a decretação do “Pacote de Abril”, que alterou as regras do jogo para garantir a maioria governista no Congresso, Marco Maciel foi, juntamente com o senador Petronio Portella, um dos mais atuantes no projeto de distensão “lenta, gradual e segura”, que levou à anistia política e à eleição de Tancredo Neves pelo voto indireto.

Para apoiá-lo, Maciel rompeu com o PDS, partido governista derivado da Arena, que tinha como candidatos Paulo Maluf e Mario Andreazza, e ajudou a fundar o Partido da Frente Liberal (PFL), que reuniu dissidentes governistas. Quando, anos mais tarde, foi convidado para ser vice do candidato Fernando Henrique Cardoso, fez parte de mais um avanço institucional ao unir o PFL ao PSDB, um partido social-democrata, que queria o apoio da direita moderna e civilizada para poder governar e consolidar as mudanças que coroaram o Plano Real.

Bernardo Mello Franco - O cupim do Planalto

- O Globo

Ao promulgar a Constituição de 1988, Ulysses Guimarães disse que a corrupção era o “cupim da República”. O Senhor Diretas não conhecia Jair Bolsonaro, na época um obscuro candidato a vereador.

Três décadas depois daquele discurso, o capitão se tornou presidente. Eleito pelo voto, exerce o poder como um cupim da democracia. Corrói suas instituições por dentro, como insetos que devoram um armário lentamente até levá-lo ao chão.

Em dois anos e meio, o cupim Bolsonaro já roeu parte dos pilares do edifício erguido pelos constituintes. Aparelhou os órgãos de controle, danificou o sistema de freios e contrapesos, corrompeu a confiança no sistema eleitoral.

Em sua marcha autoritária, o capitão domesticou a Polícia Federal, a Receita e a Abin. Subjugou o Exército para proteger um general de estimação. Transformou o Ministério da Justiça numa usina de processos contra adversários políticos. Estimulou grupos extremistas a pregarem o golpe e o fechamento do Supremo.

Eliane Cantanhêde – CPI, ‘mito’ e ‘genocida’

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro racha o País e juristas da CPI separam o que é só grotesco do que é crime do presidente

Ao entrar num avião lotado, sem ter por que nem para que, o presidente Jair Bolsonaro colheu uma cena e um momento do Brasil: um grupo estridente ao fundo, gritando “fora, Bolsonaro!”, “genocida” e “assassino” e um outro, próximo à cabine do piloto, tirando fotos e reagindo com “mito, mito, mito”. No centro da aeronave, porém, a grande maioria dos passageiros permaneceu sentada em seus assentos, em silêncio, só observando.

Mais do que um ato populista, de campanha antecipada, Bolsonaro fez a papagaiada com um intuito: radicalizar a divisão da sociedade brasileira, rachar o País entre os dele, que são machos, não usam máscara, tomam cloroquina e andam de avião e moto, e todos os demais, “maricas”, de máscaras, que deviam viajar “de jegue”.

A diferença é que o grupo “dele” é armado: militares, policiais, milícias, civis adoradores de revólveres e tiros, tudo embolado com a velha política e religiões que nadam em dinheiro. Do outro lado, em meio a bandeiras vermelhas, tem de tudo, da esquerda à direita, mas, se houver armas, estão mais para peixeiras do que fuzis.

Carlos Alberto dos Santos Cruz* - Por que envolver o Exército em crise política?

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro age para destruir e desmoralizar as instituições; com seguidores extremistas, alimenta fanatismo que terminará em violência

A resposta é simples: o sonho chavista de poder do presidente que tenta usar o Exército em seu projeto pessoal. O Brasil não é a terra do ídolo inspirador do presidente e não vai se transformar em algo similar. Aqui, “EB” quer dizer Exército Brasileiro e não “Exército Bolsonarista”. O Exército enfrenta o mesmo problema das outras instituições brasileiras: o risco de erosão. Infelizmente, a mentalidade anarquista do presidente age para destruir e desmoralizar as instituições, e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional. Junto com seguidores  extremistas, alimenta um fanatismo que certamente terminará em violência.

Para aventuras políticas pessoais, instituições sólidas e funcionais são sempre um imenso obstáculo. Projetos populistas e totalitários, não importa seu matiz ideológico, não avançam sem subverter a ordem, sem corromper as instituições. E uma das instituições mais sólidas é o Exército (assim como a Marinha e a Força Aérea). Ao invés de recuperação e aperfeiçoamento das instituições, assistimos ao agravamento da situação existente e a erosão da Saúde, Justiça, Meio Ambiente e Educação.

O presidente tenta também desmoralizar o sistema eleitoral, mas não apresenta as provas de fraude que diz possuir. Semeia dúvidas sobre o Tribunal de Contas da União, valendo-se de relatório e dados falsos. No orçamento da União, apresenta uma nova forma de “mensalão” – o chamado orçamento secreto. Nas Relações Exteriores, graças ao Senado, escapamos do vexame da quase nomeação de um embaixador esdrúxulo junto aos EUA, e agora temos à frente a investida demagógica de uma nomeação para a África do Sul. Oxalá o Senado poupe o Brasil de mais essa.

Ricardo Noblat - Quebra de sigilos pelo STF deixa o governo Bolsonaro atordoado

- Blog do Noblat / Metrópoles

Tem muita gente que perdeu o sono

Na avaliação do presidente Jair Bolsonaro, até ontem o mais duro revés sofrido por seu governo, este ano, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a instalação da CPI da Covid-19 no Senado. O desgaste tem sido grande desde então. Mas, ontem, finalmente, outra decisão superou a primeira em gravidade.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes mantiveram a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos ex-ministros Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, a “a capitã cloroquina”.

Na última sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou um mandado de segurança ao Supremo no qual pedia a anulação da decisão da CPI de quebrar os sigilos de Pazuello. Antes, por sua conta e risco, Pazuello e Mayra deram entrada nos seus próprios pedidos.

A ação da AGU dizia que a CPI tomara sua decisão sem “qualquer fundamentação” e com base “na pressuposição genérica” de que o general Pazuello foi titular do Ministério da Saúde, o que não seria suficiente “para uma medida de extrema gravidade”.

Lewandowski simplesmente rejeitou-a. No seu entendimento, as medidas adotadas pela CPI são pertinentes com as investigações e não se mostram, “a princípio, abusivas ou ilegais”. Por razões semelhantes, Alexandre de Moraes também rejeitou o pedido feito por Araújo.

Bruno Boghossian – Deus, pátria e cloroquina

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro quer afundar questões de saúde no lamaçal político

Jair Bolsonaro foi aplaudido pela claque do Palácio do Planalto quando anunciou que havia encomendado um parecer contra o uso de máscaras por quem já se vacinou ou já foi infectado pelo coronavírus. Antes de falar suas bobagens habituais sobre a pandemia, o presidente disse que era preciso tirar o que chamou de "esse símbolo".

Bolsonaro gostaria de abolir as máscaras para criar a ilusão de que a pandemia está controlada e a vida deve voltar ao normal. Além de reforçar o discurso fantasioso que nega os riscos da Covid-19, o presidente também trabalha para transformar questões de saúde pública em discussões estritamente políticas.

Ao chamar de símbolo um equipamento usado para evitar contaminações, Bolsonaro tangencia um repertório explorado pela direita radical. Extremistas e outros negacionistas tratam máscaras de proteção como mordaças, peças de ameaça à liberdade individual e marcas do controle estatal sobre o cidadão.

Hélio Schwartsman - Os limites da razão

- Folha de S. Paulo

Nova biografia traz episódios de sua vida como a amizade com Einstein e os problemas psiquiátricos

Diálogo entre um juiz americano e um estrangeiro em processo de naturalização:

– Que tipo de governo vocês têm lá?

– Era uma República, mas a Constituição era tão frágil que acabou se tornando uma ditadura.

– Isso é ruim. É claro que nada parecido poderia acontecer aqui.

– Pode sim. E eu posso provar.

Essa conversa se deu em 1948 entre o juiz Phillip Forman e o lógico austríaco Kurt Gödel. Como Albert Einstein e Oskar Morgenstern, padrinhos de Gödel na naturalização, rapidamente intervieram para que ele se calasse e não estragasse tudo, não sabemos que tipo de prova seria apresentada. Mas podemos imaginar.

Vinicius Torres Freire - Luto e política no Natal sem pandemia

- Folha de S. Paulo

País vai se adaptar ao ódio e à mentira lunática ou vai mudar de conversa política?

É bem possível que o Brasil tenha reuniões de Natal e comemorações de fim de ano. Falar em “festas” talvez seja ambição exagerada ou insensibilidade. Haverá muito luto familiar ou a memória dos talvez quase 600 mil brasileiros que terão partido.

Em um trabalho recente, André Dahmer ilustra um calendário das nossas perdas. No primeiro quadrinho de três “fotos” de família, aparecem em 2019 um casal de avós, um casal mais novo e uma criança. Em 2020, os avós se foram. Em 2021, restam a mulher e seu filho. Até o final do ano, uma de cada cem pessoas de mais de 70 anos terá morrido; o risco bruto de um homem morrer é 27% maior que o de uma mulher.

As histórias de rusgas em reuniões familiares da época de “festas” tornaram-se um folclore nacional mais deprimente desde que a desavença política e cultural derivou para o ódio. Imaginar como vai se desenhar essa caricatura familiar da vida do país no Natal de 2021 é também uma especulação sobre o que será do luto e da conversa política.

Os Estados Unidos lembram do “grande Natal” de 1945, depois do fim da Segunda Guerra. Milhões de americanos combateram, centenas de milhares morreram, outros viveram anos de racionamento estrito. A celebração de 1945 teve raros feriados, euforia e um tom de união nacional restante de um país que se engajou inteiro em conflito de vida e morte.

Janio de Fritas - Os golpistas têm uma dúvida

- Folha de S. Paulo

Silêncio da Marinha e da Aeronáutica sugere não endosso a Bolsonaro

Desde o golpe assestado em 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas contra o processo de eleição livre e democrática, com pronta capitulação da maioria do Supremo Tribunal Federal, são diferentes as posições formais da Marinha e da Aeronáutica, idênticas, e a do Exército, ante os acontecimentos políticos, o governo e a própria Constituição. Esse tem sido e será ainda mais, se mantido, um fator decisivo para a sobrevivência atual e futura da custosa democracia à brasileira.

Faltam indícios da existência, ou não, de custo interno para a Aeronáutica e a Marinha. Se algum há, está bem contido e vale a pena. Para todos os efeitos constitucionais, políticos e de ordem, a estrita dedicação nas duas Forças ao profissionalismo militar tem sido um empecilho ao fechamento do circuito golpista.

Pela dimensão, pelo espalhamento por grande parte do território, o Exército é desde sempre a força militar preponderante. Mas, para as intervenções na vida política e nos regimes, a unidade das Forças Armadas foi o redutor de riscos excessivos aos resultados pretendidos. Na golpeada segunda metade do século passado, por uma única vez o Exército ousou agir sozinho contra o poder constituído.

Em 1955, os generais Lott e Denys derrubaram o presidente e seu sucessor que participavam do golpe iminente para impedir a posse de Juscelino. Os dois chefes do Exército fizeram de surpresa contra os comandos da Marinha e da Aeronáutica, agentes do golpismo, o que foi chamado, e era, de golpe da legalidade. O comando da Marinha reagiu, pôs em mar o seu cruzador, povoado de políticos decaídos, mas as contingências não lhe ofereceram mais do que uma rota tranquila até Santos. E, aos intranquilos civis, a refeição sempre sublime da oficialidade de Marinha.

Míriam Leitão - Um ‘tera’ de provas contra o governo

- O Globo

Um criminalista, que já advogou para milicianos, foi parar numa negociação internacional com a Pfizer, indicado pelo governo. Cem mil brasileiros morreram pelos atrasos deliberados na compra de vacinas. Com a Covaxin, o governo quis fazer contrato, ainda na segunda fase, e pagar adiantado. Foi a única a ter um intermediário e era uma empresa ligada a outra suspeita de fraude. Tudo isso está em um terabyte de informação que a CPI já acumulou e deve ser avaliado, segundo o senador Alessandro Vieira, por um grupo de juristas para tipificar os crimes cometidos pelo governo federal na crise sanitária.

— A CPI conseguiu mostrar que existe uma lógica por trás de toda esta onda de equívocos do governo federal. O raciocínio era tentar contaminar o mais rapidamente os brasileiros, buscando a impossível imunidade de rebanho — disse Vieira.

O presidente Jair Bolsonaro continua nessa mesma trilha, descrita na CPI. Atribuiu ao TCU uma tabela em que metade das mortes de Covid tinha outra causa e foi desmentido pelo tribunal. Em Goiás, disse que as vacinas são “experimentais”, como a cloroquina. No Planalto, afirmou que o “tal" Queiroga estava “ultimando” um parecer para dispensar o uso da máscara. No Espírito Santo, fez uma aglomeração, tirou a máscara, estimulando todos a fazerem o mesmo. E passou a semana preparando a manifestação de motos em São Paulo.

Luiz Carlos Azedo - O mal que nos ronda

- Correio Braziliense / Estado de Minas

Por que tanta gente apoia atitudes negativas de Bolsonaro, mesmo sabendo que muitas de suas ações têm consequências trágicas para a sociedade?

Ontem, sem máscara, o presidente Jair Bolsonaro participou de mais um desfile de motos, desta vez em São Paulo, reunindo milhares de partidários motorizados que o apoiam. Na sexta-feira, em São Mateus (ES), Bolsonaro se referiu aos críticos como “os que buscam o poder pelo poder” e se definiu como “um presidente que acredita em Deus, que é leal ao seu povo, que acredita nos militares e que nunca jogou fora das quatro linhas da Constituição”. Na quinta-feira, havia recomendado ao ministro da Saúde, “um tal de (Marcelo) Queiroga”, que decretasse o fim do uso obrigatório de máscaras durante a pandemia, sem levar em conta que a média de óbitos por covid-19 continua altíssima.

A banalização das atitudes negacionistas e antidemocráticas divide o país. Uma parte da população endossa qualquer ato ou gesto do presidente da República e advoga uma ordem política na qual ele concentre todo o poder, ou seja, um Estado de exceção. Esse tipo de pensamento circula intensamente nos grupos de WhatsApp e outras redes sociais, enraizando comportamentos pautados pelo preconceito, pela excludência e pelo ódio. Em qualquer ambiente social, o clima político não é nada bom para o diálogo e a boa convivência.

Elio Gaspari - Uma supervia de empulhações

- Folha de S. Paulo / O Globo

Concessionária do transporte ferroviário metropolitano do Rio de Janeiro entrou em regime de recuperação judicial

A Supervia, concessionária do transporte ferroviário metropolitano do Rio de Janeiro, entrou em regime de recuperação judicial. Deve R$ 1,2 bilhão e não tem como pagar. A velha Estrada de Ferro D. Pedro II começou a operar em 1854 e desde então tem sido símbolo de um progresso que não chega. Sua história é um passeio pelo descalabro do sistema ferroviário, pelas maquinações do andar de cima e pelas empulhações oferecidas ao andar de baixo, que paga as contas e viaja em trens ruins.

Ela nasceu privada e, ao longo de 167 anos, viveu num pingue-pongue. Foi uma estatal federal e passou a ser estadual. Era privada, foi estatizada, viu-se privatizada e, novamente estatizada. Em 1998 voltou a ser privatizada e desde então mudou de dono três vezes, passando pelas mãos da empreiteira Odebrecht. A cada movimento, prometia-se um grande futuro aos passageiros. Coisa como uma extensão do Metrô e trens de qualidade transportando um milhão de pessoas por dia.

Desde 2019 a Supervia pertence à empresa Gumi Brasil, controlada por um consórcio da japonesa Mitsui. Suas dificuldades foram atribuídas à perda de passageiros provocada pela pandemia. É verdade, mas não é tudo. Olhando-se para a lista de credores afetados pela recuperação judicial, sente-se um forte cheiro de queimado. A maior vítima é o velho e bom BNDES, com um espeto de R$ 840 milhões (69% do passivo). Sobrou para a Viúva.

O segundo maior credor da Supervia é a Light, que fornece energia aos trens. O milagre da privatização mostrou suas rachaduras já em 2001, quando a Supervia devia R$ 24 milhões à Light. Em 2016, antes do surgimento do coronavírus, a dívida estava em R$39 milhões e a Light pediu à Justiça a falência da empresa.

Os atuais administradores da empresa não são responsáveis pelos lances tenebrosos de sua história, mas a patuleia que paga impostos e tarifas não deve esquecê-los. Durante o mandarinato da Odebrecht, a Supervia administrava também o famoso teleférico do Morro do Alemão, aquele que fez a doutora Christine Lagarde, do FMI, se sentir nos Alpes. Parado, tornou-se uma ruína e seu patrono, o ex-governador Sérgio Cabral, está na cadeia. Em 2009, a milícia de seguranças da empresa chicoteou passageiros em estações congestionadas e seu diretor de marketing e recursos humanos explicou: “Quem segura as portas é marginal. (...) Pode ter havido excessos. (...) Quem abre a porta é marginal, é crime. (...) Todos os passageiros que cumprem as regras são excelentemente tratados. Aqueles que são marginais, prendem a porta e fazem baderna não podem ter o mesmo tipo de tratamento”.

No mundo das ferrovias existem dois bons negócios. Um deles é vender passagens. O outro é fornecer equipamentos. Se os maiores credores da Supervia fossem esses fornecedores, seria o jogo jogado.

No rastro do pedido de recuperação judicial da Supervia, a Fetranspor, guilda das empresas de ônibus do Rio, puxou o argumento da perda de receita pela pandemia. Sustentam que o governo deve garantir o equilíbrio econômico-financeiro das companhias para assegurar a continuidade dos serviços. (Maganos da Fetranspor passaram temporadas na cadeia, mas essa é outra história.)

Assim é a vida do carioca. Faltam vacinas, o transporte público encarece e é ruim, mas abundam avanços nas tarifas e ataques à bolsa da Viúva.

Dorrit Harazim - Com máscara

- O Globo

Terça-feira, dia 8, já noite. Na papelaria Kalunga abrigada num shopping na Enseada do Suá, em Vitória, ocorre um diálogo carregado. Tipo pano rápido, porém eloquente.

1) Funcionário solicita a um cliente o uso de máscara facial de proteção para poder atendê-lo.

2) Cliente diz “não”.

3) Funcionário explica ser lei.

4) Cliente responde: “Eu faço a minha lei, não cumpro leis”. Saca uma arma e a aponta para o rosto do funcionário.

5) Cliente conclui a compra com outra vendedora, sai da loja rindo. Sem máscara.

Segundo o repórter Caíque Verli, da TV Gazeta, o funcionário ameaçado registrou a ocorrência em delegacia, e a pessoa que testemunhou o ocorrido preferiu não se identificar. Compreende-se. Estamos num país onde o recurso a armas para “cidadãos de bem” é incentivado e facilitado a canetadas pelo chefe da nação.

O cliente do shopping de Vitória é apenas mais um espécime do Brasil gestado por Jair Bolsonaro — antecipou-se sem saber à clara intenção presidencial de erradicar a obrigatoriedade do uso de máscara. O anúncio feito por Bolsonaro de forma oblíqua, porém oficial, sugeriu o caminho: caso queira permanecer no cargo, “um tal de Queiroga” — designação usada pelo presidente para seu quarto ministro da Saúde, Marcelo Queiroga — deveria fazer um “estudo” sobre a inutilidade da proteção facial para quem já foi vacinado ou infectado. “Vamos ficar reféns de máscaras até quando?”, pergunta o mandante, sem esconder o asco do exemplar entre os dedos. Pelo fato de o vírus ser invisível e estar naufragando seu governo, Bolsonaro parece ter transferido à singela máscara o papel de inimigo mais detestável — ela é física e insultuosa, pois explicita a morte que ronda o país. É preciso varrê-la de cena, portanto. Sumir com este que é, além da vacina, nosso melhor escudo para não chegarmos tão depressa às 500 mil vidas varridas pela Covid-19.

Partidos menores buscam sobrevida com projeto de federações partidárias, em tramitação na Câmara

Se lei for aprovada, PCdoB pode se juntar a PSB ou PT, enquanto Cidadania deve negociar com PSDB por acesso a fundo público

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO — Articulado como uma saída para salvar o PCdoB, o projeto de lei que cria as federações partidárias, caso aprovado, também deve ser utilizado por outras legendas de esquerda, centro e direita, como Cidadania, PV, Rede e PTB. O mecanismo é uma forma de as siglas driblarem as limitações impostas pela cláusula de barreira, que só permitirá acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito aos partidos que atingirem 2% dos votos válidos para deputado na eleição do próximo ano.

Pelo projeto em tramitação na Câmara, duas ou mais legendas podem se unir em uma federação que passa a atuar, na prática, como se fosse um único partido. As siglas devem ficar juntas por, no mínimo, quatro anos nas esferas municipal, estadual e federal. Quem romper a união estará sujeito à punição como proibição de ingressar em nova federação nas duas eleições seguintes e de utilizar o fundo partidário.

A proposta conta com apoio, além das legendas diretamente interessadas, de siglas maiores, como o PT. A Câmara aprovou a tramitação do projeto em regime de urgência por 429 votos a 18. O texto, que já passou no Senado, poderá ser votado em plenário sem passar por comissões.

Cristovam Buarque* - Nova carta ao povo brasileiro

- Blog do Noblat / Metrópole

Ofereçam juntos uma alternativa ao Brasil, desde o primeiro turno

O quadro político já está suficientemente preocupante para que as lideranças democráticas parem de falar “nem-nem” e gritem “não”. Ofereçam juntos uma alternativa ao Brasil, desde o primeiro turno. O Brasil precisa de uma Nova Carta ao povo brasileiro, desta vez assinada por todos os líderes de partidos empenhados em eleger um presidente democrático e lúcido em 2022. A carta do candidato Lula, em 2002, mostrou sua disposição de, se eleito, respeitar o bom senso a serviço do Brasil. Foi esta mudança de postura que o elegeu, com o aval de um grande empresário como vice-presidente, e durante seus oito anos ele cumpriu o compromisso assumido. Mas, tanto quanto no governo Fernando Henrique, faltou vontade, competência ou condições para fazer uma nova carta assinada também por dirigentes de outros partidos democratas e progressistas, concertando alguns programas, propostas e reformas que o Brasil precisava e ainda precisa.

Bolívar Lamounier -Mensagem aberta às Forças Armadas do Brasil

Excelentíssimos Senhores Oficiais-Generais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica

Dirijo-me respeitosamente a Vossas Excelências para expressar as preocupações de um cidadão com o quadro político que, dia após dia, se vem delineando em nosso país.

Indo direto ao ponto, hoje, 12 de junho de 2021, em São Paulo, assistimos perplexos a mais uma arruaça encenada pelo Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

Não me parece necessário, mas permito-me ressaltar que tais manifestações vão do grotesco ao extremamente arriscado, violando de maneira flagrante as disposições constitucionais e as expectativas que balizam o processo sucessório e o exercício do poder presidencial.

O que, inicialmente, podia ser denominado um “estelionato eleitoral” vem rapidamente se convertendo em algo muito mais grave. Os brasileiros não podem se enganar ou ser enganados. O plano posto em prática pelo Sr. Bolsonaro não permite outra interpretação. Começou pela desestabilização das instituições, pouco lhe importando, ao que tudo indica, o fato de estarmos atravessando uma pandemia que já ceifou a vida de quase quinhentos mil brasileiros. Prosseguiu pelas já mencionadas arruaças, cujo objetivo é, evidentemente, formar aglomerações e suscitar oportunidades de convulsão social. Da convulsão, como sabemos, passa-se facilmente a conflitos de envergadura crescente, ao recurso a armas por parte tanto de militares como de civis. No limite – e queira Deus que não esteja ainda à vista – o espectro da guerra civil e de abalos na integridade federativa e territorial de nossa Pátria.

Senhores Oficiais:
O Brasil é um país cheio de problemas, mas não é uma república bananeira. Nunca fomos e jamais seremos uma republiqueta. Somos um país orgulhoso de sua História e uma Nação orgulhosa de sua identidade.

Vossas Excelências, o Legislativo, o Judiciário e todos nós, cidadãos, precisamos estar atentos aos desmandos que se sucedem, mantendo-nos preparados para detê-los antes que seja tarde demais.

Cada nova arruaça que o Sr. Bolsonaro e seus fanáticos perpetrarem precisa receber a única resposta cabível: Parem. O padrão de conduta que os senhores tentam difundir nada tem a ver com os anseios e ideais dos brasileiros.

O que a mídia pensa: Opiniões /Editoriais

EDITORIAIS

Má companhia

O Estado de S. Paulo

Duas pesquisas recentes mostram que a impopularidade do presidente Jair Bolsonaro se consolidou. Levantamento Exame/Ideia indica que 49% dos entrevistados desaprovam o governo de Bolsonaro. Índice semelhante (50%) foi apurado na última pesquisa XP/Ipespe – essa sondagem mostra que a desaprovação do governo vem crescendo de forma consistente e ininterrupta desde outubro do ano passado, quando estava em 31%.

Quando convidados a avaliar o trabalho de Bolsonaro em si mesmo, os entrevistados se mostram ainda mais críticos. Na pesquisa XP/Ipespe, 60% disseram desaprovar o modo como Bolsonaro administra o País, índice que vem subindo desde dezembro do ano passado, quando esteve em 45%. Já na pesquisa Exame/Ideia, a desaprovação do trabalho do presidente é de 50%, também em alta consistente há meses.

É óbvio que essa impopularidade pode diminuir com o efeito de medidas demagógicas e com uma eventual recuperação da economia nos próximos meses, mas está claro que uma parte significativa da população está profundamente insatisfeita com o presidente.

As razões são óbvias. Além do quase meio milhão de mortos em razão da pandemia, o que por si só deveria bastar para arruinar a imagem de qualquer presidente, há uma aflitiva lentidão na vacinação, fruto da incompetência criminosa do governo, como vem mostrando com clareza a CPI da Pandemia. Apenas 11% dos brasileiros receberam as duas doses de vacina, enquanto nos EUA esse índice é de 42% e no Chile, de 45%. 

As imagens de vários países do mundo em que a população começa a experimentar algo próximo da normalidade ampliam a sensação de desalento no Brasil, onde se registram mais de 1,5 mil mortos por dia, a ocupação hospitalar não é inferior a 80% e as impopulares restrições continuam em vigor para evitar novo colapso do sistema de saúde.

Nesse contexto, a vacina, desprezada explicitamente por Bolsonaro, é uma demanda da maioria absoluta dos brasileiros. A pesquisa XP/Ipespe apurou que apenas 5% dos entrevistados dizem que “com certeza” não vão se vacinar, enquanto 88% disseram que ou já se vacinaram ou pretendem se vacinar.

Esse é seguramente um dos aspectos que minam a popularidade de Bolsonaro, mas decerto não é o único. Outro tema sensível abordado na pesquisa XP/Ipespe foi a corrupção, que Bolsonaro se jacta de ter liquidado em seu governo. O levantamento mostra que, em novembro de 2018, após a vitória eleitoral de Bolsonaro, 56% dos entrevistados, confiando nas ruidosas promessas do presidente eleito, esperavam que a corrupção fosse diminuir nos seis meses seguintes, enquanto apenas 17% imaginavam que a corrupção fosse aumentar. Já na mais recente pesquisa, 46% disseram crer que a corrupção vai aumentar, enquanto apenas 16% entendem que vai diminuir.

Isso significa que a percepção de corrupção no País cresceu junto com a impopularidade do presidente, e não parece ser mera coincidência. As inúmeras suspeitas envolvendo a família do presidente, de rachadinhas ao uso da máquina pública para fins privados, contradizem frontalmente o discurso saneador de Bolsonaro. Hoje, quem está com Bolsonaro corre o risco de ser visto como corrupto.

Poesia | Graziela Melo -A carta triste

Era uma
Triste
Carta
As linhas
Choravam
Mágoa
As letras
Pingos de dor
A cada vírgula
Saudade
E sofrimentos
De amor...

A cada ponto
Um desaponto,
Em cada canto
Um desencanto