sexta-feira, 23 de julho de 2021

Fernando Gabeira - O preço e a saúde da democracia brasileira

O Estado de S. Paulo

O Centrão carrega na mão, sentindo-se à vontade para gastar o dinheiro público

Quando o Congresso aprovou uma verba de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral, muitos, como eu, protestaram. É o preço da democracia, falou-se em defesa do assalto ao Tesouro. De fato, as eleições têm um preço para todos, sobretudo depois que se decidiu transitar do financiamento privado para o público. Precisava ser um preço tão alto?

A ideia na transição era a de que os gastos excessivos, as campanhas rocambolescas dariam lugar a um processo de debates, e com custos mais modestos. Reconheço que a expressão custos mais modestos tem um valor subjetivo. No entanto, outro argumento se impõe: já que são gastos públicos, devem ser orçados com transparência.

Não foi o que aconteceu. A transparência desejada deu lugar a uma opacidade calculada. O fundo eleitoral deveria ser votado em destaque separado.

Nessa hipótese, os defensores da proposta deveriam explicar o sentido daquela soma de R$ 5,7 milhões. Por que esta soma e não outra, que cálculos os levaram a concluir por um volume de recursos quase três vezes superior ao que foi votado no passado recente?

Adianta pouco pessoas que conhecem a complexidade e os mistérios da política dizerem pura e simplesmente: o volume é esse e pronto, um custo democrático. O que se espera é uma discussão transparente e realista sobre os custos eleitorais, até porque podem ser feitos ainda num contexto de pandemia. Caem as internações, mas a variante delta avança no Brasil e já é a segunda encontrada entre as novas contaminações.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, argumentou numa entrevista que os gastos eram apenas um quarto dos custos totais das eleições. Mais uma razão para nos inquietarmos: se isso é verdadeiro, as eleições no Brasil custarão R$ 24 bilhões. As de 2018 teriam custado R$ 21,8 bilhões e não estávamos devastados pela pandemia. Não estou acrescentado a esse custo os R$ 2 bilhões necessários para implantar o voto impresso, uma bandeira de Bolsonaro que já está desbotando na Câmara, embora tenha sua votação apenas adiada.

Vera Magalhães - São todos cúmplices

O Globo

Não resta espaço para dúvida de que o ministro da Defesa, general Braga Netto, mandou o recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ameaçando caso o voto impresso não fosse aprovado.

Lira trucou a ameaça e, como o governo Jair Bolsonaro tem DNA golpista, mas é eminentemente composto de pessoas despreparadas e algo covardes, o presidente e seu general recolheram as ameaças, ao menos por ora, e o resultado foi que o PP e o Centrão avançaram algumas casas para tomar conta de tudo — se apossando de novo até de espaços dos militares.

Foi o Centrão que tirou o general Eduardo Pazuello da Saúde. Mantendo Roberto Dias, o assessor que o general e seu sub, o coronel Elcio Franco, não conseguiram demitir.

Agora é de novo um alto expoente do PP, seu presidente, Ciro Nogueira, que faz outro general pegar o quepe. Luiz Ramos, assim como Pazuello, verga a espinha e aceita ir para um ministério de menor importância.

O mesmo faz Paulo Guedes, ao bater continência para o capitão e para a ala política que já comanda a maior parte do Orçamento e aceitar perder um naco de seu “superministério” para acomodar outro demitido de luxo.

Bernardo Mello Franco - Recibo de estelionato

O Globo

A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil muda o desenho dos negócios em Brasília. Até aqui, o Centrão se limitava a fazer escambo: alugava apoio parlamentar e sacava sua parte em cargos e benesses. Agora o bloco vai trocar o balcão pela gerência da loja. Passará a mandar sem intermediários.

O chefão do PP se reaproximou do poder em junho de 2020, quando Jair Bolsonaro começou a sentir o cheiro do impeachment. Para socorrê-lo, Nogueira exigiu o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A autarquia cuida de temas que não costumam emocionar os políticos, como a aquisição de livros didáticos e a organização do transporte escolar. Seu segredo está no orçamento, que ultrapassa os R$ 50 bilhões anuais.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro ajudou outro pepista, Arthur Lira, a se eleger presidente da Câmara. A ascensão do deputado aumentou o poder de barganha do Centrão. O grupo capturou o Ministério da Cidadania, abocanhou a Secretaria de Governo e agora assume a Casa Civil, coração da máquina federal.

Pedro Doria - Um Brasil sem futuro

O Globo / O Estado de S. Paulo

Falta um ano para as eleições presidenciais, e só tem turbulência em volta. Mas, entre disparates golpistas, a Arena renascendo e os generais aloprados, temos outro problema grave. No longo prazo, talvez mais grave. Quem frequenta o circuito dos encontros com pré-candidatos, lê atento os jornais e conversa com políticos de todos os partidos logo percebe o tamanho. Quase nenhum dos principais líderes políticos vive no século XXI. Constroem suas ideologias, à direita ou à esquerda, sobre os alicerces de uma realidade que não mais existe. E isso quer dizer que, como está, não importa que grupo suceda a Bolsonaro. Governará o país sem um diagnóstico da transformação em curso.

Há exceções. Alguns deputados federais e mesmo senadores, um ou outro dirigente partidário, mesmo técnicos e acadêmicos que dão apoio às candidaturas. Mas são exceções e, quase sempre, gente com influência menor nos altos-comandos das legendas.

Isso não tem rigorosamente nada a ver com idade. Joe Biden é um político do tempo da Guerra Fria que já se candidatara à Presidência quando a internet apareceu, já concorrera duas vezes à Casa Branca quando se falou a sério de mudanças climáticas e, quase octogenário, redirecionou o Estado a toda no sentido da era em que vivemos.

Eliane Cantanhêde - Eleições, sim!

O Estado de S. Paulo

A nova cúpula da Defesa não percebeu que os militares estão perdendo a guerra para o Centrão e a realidade

Quanto mais o Centrão avança, mais os militares recuam do centro do governo Jair Bolsonaro e mais o Ministério da Defesa se transforma em fortaleza a favor do presidente e contra quem e o que sejam identificados como ameaça à continuidade de Bolsonaro, hoje e em 2022, seja um senador como Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, seja a realização de eleições sem voto impresso auditável.

É por isso, e muito mais, que a informação divulgada pelo Estadão ontem, é daquelas que todos os lados tentam desmentir, mas todo mundo sabe que é verdadeira: no mesmo dia (8 de julho) em que o presidente ameaçava a realização das eleições, o ministro da Defesa mandava recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, de que, ou tem voto impresso, ou não tem eleição.

Além do fato de que as duas autoras, Andreza Matais e Vera Rosa, são grandes jornalistas, é preciso ver o conjunto da obra. As Forças Armadas encampam a tese do voto impresso; desde a troca da alta cúpula militar, paira um clima de agitação, com notas e ameaças; e Braga Netto trocou a imagem de discreto e eficiente por raivoso e beligerante. Deve ter sido posto lá para isso.

Logo, “si non è vero è bene trovato” que o ministro tenha enviado recado a Lira ratificando um apoio incondicional a Bolsonaro e às ameaças que ele insiste em fazer contra as eleições – quando não ao Supremo e ao TSE, a jornalistas e ao presidente da OAB. Nenhuma exatamente democrática.

Atenção aos “desmentidos”. Primeiro, Braga Netto foi contundente: “invenção”. Depois, leu nota dizendo que “não usa interlocutores” e que se trata de “desinformação que gera instabilidade entre os poderes”. Entretanto, ratificou o apoio ao voto com comprovante impresso e não disse, claramente, que não mandou recado, não ameaçou e não ameaçaria a eleição. Aliás, não fez sequer uma defesa enfática da sua realização.

Hélio Schwartsman - Centrão no poder

Folha de S. Paulo

E na Casa Civil de um presidente que prometera enterrar o toma-lá-dá-cá

Ciro Nogueira na Casa Civil. Interessante. Nogueira não é um representante qualquer do centrão. Ele é o tipo ideal mesmo do político sem apego a nenhum ideário e que apoia qualquer governo, desde que receba contrapartidas em cargos e verbas. Quando acha que já extraiu tudo o que poderia extrair, não hesita em abandonar o dirigente ao qual fazia juras de amor eterno.

A Casa Civil tampouco é um ministério qualquer. Ela é a coluna vertebral do governo. Por ela passam todos os atos da administração, para avaliação técnica e política. Quando seu ocupante é habilidoso, torna-se também o lugar de costura dos acordos que sustentam o governo.

Ver Nogueira num ministério nem é tão surpreendente. Ele é um político bem típico daquilo que eleições costumam produzir e é com esses parlamentares que é preciso compor. Mas fica um ruído quando alguém como Nogueira vai para a Casa Civil da gestão de um presidente que prometera enterrar o toma-lá-dá-cá e que pusera seu general de estimação para cantar que todos os membros do centrão eram ladrões.

Ruy Castro - O trem que passa por cima

Folha de S. Paulo

Para salvar o pescoço, Bolsonaro atropela até os amigos que o ajudaram a chegar ao poder

Pobre general Luiz Eduardo Ramos! Respeitou o regulamento do Exército que reprova a presença de oficiais da ativa em cargos comissionados e, a um ano e meio da aposentadoria, abriu mão de uma digna reforma para ser ministro do governo Bolsonaro. Ele não sabia que não precisava disso —poderia ter feito como o general Eduardo Pazuello, que foi de farda e tudo para um ministério de bilhões sob vista grossa de seus superiores. E como o general Ramos poderia imaginar que Bolsonaro, tão seu amigo, iria virar-lhe as costas, como já fizera com outros sem os quais não teria chegado à Presidência?

Ramos não precisava ser um estrategista como Napoleão ou Nelson para saber o que o esperava. Bastar-lhe-ia computar as bofetadas verbais que Bolsonaro estalava todos os dias na cara de seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro, principal avalista de sua eleição. Ou o chute que Bolsonaro aplicou no ex-senador Magno Malta, cuja oração ao pé do seu leito no hospital o levantara dos mortos depois da facada em Juiz de Fora. Ou em seu cabo eleitoral Gustavo Bebianno, que, ao se ver traído por Bolsonaro, literalmente morreu de desgosto.

Reinaldo Azevedo - Se Aras se calar, que Senado o rejeite

Folha de S. Paulo

Se PGR não fizer nada sobre falas de Braga Netto, então a Casa precisa fazer alguma coisa

Braga Netto, ministro da Defesa, ameaçou as eleições. Se Augusto Aras, procurador-geral da República, não fizer nada, então o Senado tem de fazer alguma coisa com Augusto Aras. Haverá uma votação em breve para decidir a sua recondução ao cargo. Se estiver em silêncio até lá, seu nome tem de ser rejeitado. A revelação ilumina uma ocorrência que vinha sendo mal compreendida: a passagem do comando político do governo para o centrão, com a ida do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil.

Os desmentidos em curso não mudam o fato. Buscam salvar as aparências, o que serve para manter em estado de latência a tutela que os militares julgam ter sobre a sociedade brasileira. Parte considerável dos fardados não se vê como força regulada pela democracia e pela Constituição. Entende o regime de liberdade como uma concessão das Armas.

Braga Netto nega que tenha feito o que fez —até porque, como eles mesmos diriam lá no ambiente da caserna, golpe se dá sem aviso prévio. Não lhe resta outra coisa a dizer. Roberto Barroso, presidente do TSE, sustenta no Twitter que tanto o ministro da Defesa como o presidente da Câmara "desmentiram enfaticamente qualquer episódio de ameaça às eleições". Pode contribuir para esfriar um tantinho os ânimos, mas não resolve a questão.

Luiz Carlos Azedo - O general linha-dura

Correio Braziliense

Braga Netto assumiu a Defesa para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições. O que consegue, porém, é desgastar as Forças Armadas

Desde que assumiu o Ministério da Defesa, o general Braga Netto tem atuado para alinhar as Forças Armadas aos objetivos políticos do presidente Jair Bolsonaro. Extrapola, porém, as atribuições do cargo, ao se pronunciar sobre temas políticos que não dizem respeito nem demandam o posicionamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Como na desequilibrada nota contra a CPI da Covid, que foi emitida em nome dos comandantes militares, sem que saio menos um deles, com certeza, tenha sido consultado. Mesmo quando nega ter pressionado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a aprovar a proposta de voto impresso, sob risco de as eleições não serem realizadas, Braga Netto se manifesta sobre o assunto de forma inapropriada, pois é prerrogativa do Congresso decidir a questão sem se submeter a chantagens. Na prática, a nota reverbera de forma ambígua as suspeitas e ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao pleito.

Pode ser que Braga Netto esteja confundindo os papéis de antigo ministro da Casa Civil, no qual desempenhava importantes missões políticas, e de ministro da Defesa, que não deve se imiscuir nas relações entre os Poderes. Em vez de se espelhar no figurino dos ex-ministros da Defesa Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a ocupar um cargo criado para ser exercido por civis, e de seu antecessor Fernando Azevedo e Silva, que se recusou a desempenhar esse papel, Braga Netto vestiu a fantasia dos generais linha-dura que pontificaram durante o regime militar — até o presidente Ernesto Geisel demitir o general Sílvio Frota, seu ministro do Exército.

Ricardo Noblat - Disparo de Braga Netto contra o voto eletrônico mata voto impresso

Blog do Noblat / Metrópoles

Presidente e auxiliares trapalhões são candidatos à medalha de ouro na especialidade tiro no pé

Dá-se como certa a morte precoce da volta do voto impresso daqui a mais duas ou três semanas, quando a comissão especial da Câmara dos Deputados que trata do assunto reunir-se pela primeira vez depois do fim das férias de meio de ano do Congresso.

O disparo feito pelo general Braga Netto, ministro da Defesa, contra o voto eletrônico só serviu para consolidar a tendência da maioria da comissão de mantê-lo a qualquer custo. Dezoito votos seriam suficientes para isso. Fala-se que já existem 22.

O enterro da proposta de se restabelecer o voto impresso só não se deu antes das férias porque o presidente da comissão, bolsonarista de carteirinha, valeu-se de um recurso parlamentar para adiá-lo. Disso aproveitou-se o general para dar seu tiro infeliz.

Conta o jornal O Estado de S. Paulo que, no último dia 8, por meio de um interlocutor, Braga Netto mandou um duro recado ao deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara: sem voto impresso não haveria eleições em 2022.

Naquele mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro repetiu a mesma coisa em conversa com devotos. Por considerar a situação “gravíssima”, Lira procurou Bolsonaro e disse-lhe que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.

O general negou que tivesse mandado recado a Lira, mas voltou a defender o voto impresso. Lira negou que tivesse recebido qualquer recado, mas deitou falação em favor da democracia. A especialidade do governo Bolsonaro é dar tiro no próprio pé.

Ricardo Rangel - O abutre e a carniça

Revista Veja

O apoio do Centrão não é barato, incondicional ou eterno

Bolsonaro chamou o senador Ciro Nogueira, um dos principais caciques do Centrão, para a Casa Civil.

É incontornável: quanto maior o desgaste do presidente na CPI e nos índices de aprovação, maior é a necessidade de apoio, e mais o presidente loteia seu governo e abre espaço ao Centrão. 

Nogueira andava afastado de Bolsonaro ultimamente. Resistiu a ceder a legenda ao presidente, reconheceu o direito de Renan Calheiros de ser relator da CPI, afastou-se das sessões da comissão para não defender o indefensável. Agora inverte a ponta e se joga de corpo inteiro nos braços de Bolsonaro, onde já está seu correligionário Arthur Lira, presidente da Câmara, que hoje bloqueia nada menos do que 126 pedidos de impeachment.

Com Ciro (e Lira), Bolsonaro aumenta o apoio parlamentar, reduz o risco de impeachment, encomenda uma legenda para 2022 e monta o quartel-general da campanha. Quem sabe até emplaca um candidato a vice. Ciro e Lira ganham vantagens e prometem boa vontade. Só. Por um preço. Por um tempo.

O chiste do general Augusto Heleno (“se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”) vai se tornando literalmente verdadeiro. Está cada vez mais difícil encontrar no governo alguém que não esteja ligado ao Centrão — até os militares governistas se tornaram uma espécie de Centrão verde-oliva, e o próprio Heleno diz que “nem reconheço hoje a existência desse ‘Centrão’”.

Dora Kramer - Dribles na tirania

Revista Veja

A insistência de Bolsonaro no voto impresso — até outro dia defendido por gente equivocada, mas de boa-fé — consolidou a aprovação ao sistema eletrônico

A ideia de que Jair Bolsonaro pode desistir de tentar a reeleição não saiu da cabeça de nenhum oposicionista signatário dos inúmeros pedidos de impeachment ora postos em sossego sob o derrière do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Quem levantou a lebre foi o presidente. Não pode reclamar, portanto, se o assunto vier a tomar conta das mentes e das bocas Brasil afora. “Mas não é que pode ser uma boa?”, arrisca-se Bolsonaro a começar a ouvir daqui em diante.

É claro que essa não foi a intenção dele. Tampouco se tratou de um descuido. A hipótese foi aventada ao jogar a toalha e admitir a impossibilidade de o Congresso aprovar a reintrodução do voto impresso no sistema eleitoral. Mas podemos ir além.

Quais seriam as razões do presidente? Vejo duas. Estimular sua militância a embarcar numa espécie de “queremismo” revisitado inspirado em Getúlio Vargas para tentar conter o derretimento da densidade eleitoral é uma. A outra, se não der certo a primeira e as condições de competitividade descerem a ladeira a ponto de tornar a derrota inevitável, antecipar-se ao desastre saindo do jogo como se o fizesse por vontade e não por imposição das circunstâncias adversas.

A conjuntura lá na frente pode não ser a de hoje. Mas, na conta das probabilidades, tende a ser pior. Ainda mais se a comparação for com o cenário de 2018 e mesmo com a situação antes de a pandemia conferir a Jair Bolsonaro a medalha de ouro num hipotético pódio de maus governantes.

Murillo de Aragão - Jogando com a própria sorte

Revista Veja

A sociedade precisa se posicionar para resgatar o tempo perdido

Mesmo em meio à pandemia, estamos crescendo, aumentando a arrecadação e as exportações, expandindo a oferta de crédito, com uma bolsa de valores perto de 130000 pontos, mantendo reservas e produzindo safras recordes. São aspectos positivos que o país consegue oferecer e preservar.

No entanto, nosso resultado poderia ser muito melhor. Como? Bastava ter havido certas decisões corajosas dos poderes públicos, que, por covardia ou omissão, não ocorreram. A pandemia trouxe a possibilidade de atacarmos problemas centrais que nos acorrentam aos séculos XIX e XX. Mas nossas respostas são lentas e inconsistentes, pois existem interesses poderosos que querem que fiquemos no passado.

A recente decisão de inflar o fundo eleitoral para perto de 6 bilhões de reais é um exemplo. Um país pobre que debate migalhas para programas sociais e para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde não pode se dar o luxo de desperdiçar tanto e sob o controle de poucos. Mas, infelizmente, esse não é o único problema.

Fernando Exman - Reforma expõe disputa nos bastidores

Centrão e Forças Armadas mantêm embate em torno de espaço político e recursos orçamentários

Valor Econômico

A minirreforma ministerial anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro joga luz sobre uma disputa que ocorria, em silêncio, nos bastidores. Uma disputa por espaço político e recursos orçamentários, ou seja, por poder: é este o contexto dos crescentes atritos entre representantes da tradicional classe política, notavelmente o chamado Centrão, e segmentos oriundos das Forças Armadas.

Esse embate coloca o presidente numa situação delicada entre as bases de sustentação do seu governo. E tampouco ajuda sua relação com os chefes dos demais Poderes.

O episódio mais recente é a reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. Autoridades das mais variadas áreas de atuação logo lembraram os limites constitucionais para a atuação das Forças Armadas, o que por si só já evidencia o longo caminho que a democracia brasileira precisa percorrer. No entanto, a despeito das negativas e notas de repúdio, as tentativas de se evitar uma escalada não esvaziaram o mal-estar entre os envolvidos.

Cesar Felício - Deus acima de todos

A intolerância está entre nós, e vem de baixo para cima

Valor Econômico

Joia do reacionarismo brasileiro, o dramaturgo Nelson Rodrigues certa feita pontificou que “quando os amigos deixam de jantar com os amigos, é porque estamos maduros para a carnificina”. Com muitas décadas de antecipação, ele se adiantou à visão descrita pela jornalista americana Anne Applebaum em seu livro “O crepúsculo da democracia - Como o autoritarismo seduz e amizades são desfeitas em nome da política”.

A polarização deixou de ser apenas uma estratégia de grupos para exercerem sua hegemonia. Ela penetrou na sociedade e a intolerância passou a vir de baixo para cima. Ela está no meio de nós. Um exemplo dos novos tempos está se desenrolando na Igreja Católica. Mais precisamente na paróquia da Paz, entre Aldeota e Meireles, área de classe média alta de Fortaleza.

Lá, no dia 4, missa de domingo, o padre Lino Allegri, 82 anos, adepto da Teologia da Libertação, fez um sermão que desagradou aos bolsonaristas presentes à celebração. Exaltados, eles o interpelaram depois do culto, na sacristia. Infelizmente não há registro disponível da cena. Essa missa não está registrada nas redes sociais. As que se seguiram sim, estão no canal da paróquia no YouTube.

Fernando Abrucio* – Soluções em busca de problemas

Reformismo de Arthur Lira é baseado em modelo inflacionado de propostas e com pouco tempo para debate

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Em muitos momentos da história, a elite política brasileira optou por ideias prontas que seriam capazes de dar conta de vários desafios do país. Quase sempre esse processo era pouco conversado com a sociedade e, geralmente, escondia agendas ocultas, enunciando apenas o “lado bom” das propostas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, comanda hoje um debate sobre reforma política que segue esta linha de “soluções em busca de problemas”, na qual não há um diagnóstico claro sobre as causas do fenômeno e sobre a efetividade das mudanças. O que importa para o reformismo do Centrão é mudar para permanecer ainda mais forte no poder.

A lista de alterações no ordenamento do sistema político proposto por Lira e seu exército de reformistas do Centrão é realmente impressionante. Para ficar nas mais importantes, mudanças no modelo eleitoral, na forma de prestação de contas dos partidos, na atuação do Tribunal Superior Eleitoral, voto impresso e, agora, a troca do presidencialismo pelo semipresidencialismo. É verdade que, neste cipoal propositalmente confuso de modificações, surgem até medidas baseadas em dados objetivos e que seguem uma lógica correta, como as vinculadas à participação feminina nas eleições. Mas não adianta olhar para cada uma das partes sem entender a concepção mais ampla deste processo.

O modelo reformista de Lira e companhia baseia-se em cinco características. Primeira: fazer muitas reformas e rapidamente. Segunda: realizá-las sem o debate adequado com a sociedade e especialistas. Terceira: ter as soluções sem que haja um diagnóstico prévio que de fato embase as propostas de mudança. Quarto: ter o cuidado de fazer mudanças que reforcem o poder dos reformadores do Centrão e seus aliados ocasionais, mas gerando a impressão de que estão resolvendo problemas urgentes do sistema político. E, por fim, toda essa correria por diversas reformas, e não só no campo político-institucional, é uma estratégia do presidente da Câmara para se fortalecer no jogo com a Presidência da República e com certos setores sociais. No fundo, Lira propõe várias coisas ao mesmo tempo para não expor sua agenda oculta.

José de Souza Martins* Antecipação do absurdo

O povo deixou de ser agente de sua própria história para se tornar espectador passivo e indiferente

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

 “Não verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, publicado em 1981, é uma obra-prima da literatura do absurdo, que antecipa em 40 anos o nosso estranhíssimo Brasil enfermo de hoje.

Autores da literatura do absurdo têm o dom de ver nas minúcias da realidade e nas entrelinhas anômalas da vida cotidiana indícios de uma sociedade que, aparentemente, ainda não existe. E parece que não vai existir. Mas que está lá, na invisibilidade enganadora da falsa consciência do real, do que é ainda gestação de relações sociais e de mentalidades. Uma sociedade de contraste com tudo que estamos habituados a considerar uma sociedade “normal”.

Parece fantasia de escritor imaginoso. Cada vez mais, porém, essas obras são verdadeiras etnografias de transformações sociais que levarão a sociedades tão absurdas quanto suas antecipações literárias.

Em seu primeiro livro, “Depois do sol”, Loyola traz à luz de seus contos as revelações da noite da cidade de São Paulo. A noite como o inverso do dia, não apenas como o diferente, a sociedade oculta. Na antropologia brasileira, as realidades invertidas da noite de exu foram estudadas por Marco Aurélio Luz e Georges Lapassade, em “O segredo da macumba”. O que confirma a etnografia subjacente à literatura do absurdo.

O absurdo de “O outro lado do espelho”, de Lewis Carroll, é cada vez mais real. Alice, a personagem do livro, era real, existia e entendia a narrativa nele contida. As histórias de Franz Kafka são o absurdo naturalizado.

Entrevista: João Doria: “Não haverá cristianização”

Governador aposta na economia e na ampliação da vacinação para recuperar popularidade

Por César Felício e Cristiano Romero / Valor Econômico

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), um dos quatro tucanos que concorrem nas eleições prévias do partido que escolherão, em novembro, o candidato da sigla à Presidência da República, conta com o papel que desempenhou na vacinação contra a pandemia e o crescimento da economia no Estado para melhorar sua avaliação nas pesquisas de opinião.

Responsável por mais de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, a economia de São Paulo foi a primeira a se recuperar da crise provocada pela crise sanitária e tem crescido, nos últimos meses, a taxas mais elevadas que a do Brasil. “São Paulo vai crescer este ano 7,8%, segundo a Fundação Seade, muito acima dos 5,3% que é a previsão de crescimento do Brasil”, disse Doria em entrevista ao Valor.

As últimas pesquisas mostram que Doria já saiu do ponto mais fundo do vale: há registros que mostram o aumento da avaliação boa/ótima e a queda da ruim/péssima. O Estado de São Paulo é um dos que estão com a vacinação contra a covid-19 mais avançada, o que colabora para uma queda no registro de casos, internações e mortes. Isso permitiu flexibilizar a quarentena, um dos fatores decisivos para a queda de popularidade do governador no ano passado.

O ajuste fiscal promovido, por outro lado, com corte de vantagens do funcionalismo público e de incentivos fiscais de empresas, abriu folga no caixa de R$ 23 bilhões, dinheiro que o governador pretende investir em infraestrutura e programas de proteção social até o fim do mandato.

O governador disse que existe um pacto entre ele, o governador gaúcho Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio de apoio ao vencedor do processo de seleção interna do candidato presidencial. Ele prometeu diálogo com os demais partidos do que chama de “melhor via” e não terceira via, a partir do ano que vem.

“Não haverá cristianização”, aposta. Para Doria, “o PSDB não é um partido que tem um dono que mande e todos obedeçam. É um partido onde todos têm a possibilidade de expressarem suas opiniões, suas vocações”.

O governador aposta em um segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não contra Bolsonaro. Para ele, o presidente é “o maior produtor de fatos contra ele mesmo”. “Este aspecto precisa ser levado em consideração. Não estamos diante de um presidente normal.”

Eis os principais trechos da entrevista por videoconferência, uma vez que o governador está isolado devido ao fato de ter contraído, pela segunda vez, o vírus da covid-19:

Claudia Safatle - Os custos da pandemia nas próximas décadas

Valor Econômico

Perdas na educação, na saúde e na economia preocupam

Preocupado com sequelas da pandemia que vão estar presentes na economia, na educação e na saúde por várias décadas, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, quer tornar essa uma discussão nacional a partir de um grande evento que pretende promover em novembro. Trata-se de debater os custos de longo prazo da pandemia da covid-19 e desenhar políticas públicas para lidar com eles.

Na educação, esses custos são gritantes, sobretudo para os mais pobres. Segundo o economista Ricardo Paes de Barros, todas as crianças que estão no sistema educacional estão perdendo seu aprendizado.

Esse é um universo de 30 milhões a 40 milhões de crianças e jovens. A maneira de calcular as perdas ocorridas é comparando o que o aluno teria aprendido sem a pandemia com o que aprendeu, diante da pandemia.

Em um projeto do Insper com o Instituto Unibanco, Paes de Barros estimou que a perda para cada jovem no ensino médio, em 2020, foi de 10 pontos de aprendizado na escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). E, tudo o mais constante, eles chegarão ao fim de 2021 com cerca de 20 pontos de perda.

Para se ter uma ideia do que isso representa, um aluno aprende no ensino médio 20 pontos na escala Saeb em língua portuguesa. “Perder 20 pontos quer dizer que você perdeu tudo o que você aprenderia no ensino médio. Então, essa perda é gigantesca”, disse ele quando da divulgação do projeto.

Rogério L. F. Werneck* - Toque de retirada

O Estado de S. Paulo / O Globo

Já era tempo de o Ministério da Economia ter-se dado conta da extensão da vulnerabilidade a que está exposta a condução da política econômica

Salta aos olhos a escalada de dificuldades que vêm sendo enfrentadas pela condução da política econômica nos últimos meses, em decorrência da perda de ascendência do governo sobre o Congresso. Basta ter em conta episódios recentes mais marcantes para discernir os contornos de um processo, cada vez mais claro, de avanço do Centrão sobre a condução da política econômica.

Não é que o governo tenha perdido o controle do Congresso para a oposição. Longe disso. O que se observa é algo bem distinto. Fragilizado como está, o governo perdeu ascendência sobre o bloco parlamentar que supostamente lhe dá apoio. Matérias de seu interesse acabam, sim, sendo aprovadas pelo Congresso. Mas sempre à moda do Centrão. O governo já não tem como impedir que sejam brutalmente desfiguradas.

É o que fica claro quando se tem em conta os episódios do orçamento secreto, da pilhagem da privatização da Eletrobrás e, agora, da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com amplo espaço para reedição do orçamento secreto, em 2022, e triplicação do financiamento público de partidos políticos nas eleições do ano que vem.

Já era tempo de o Ministério da Economia ter-se dado conta da extensão dessa vulnerabilidade tão séria a que está claramente exposta a condução da política econômica. E, dessa perspectiva, é fácil perceber quão temerária foi a decisão do governo de enviar ao Congresso, justo agora, um projeto tão complexo de reforma da tributação direta no País.

Morre aos 75 anos o filósofo Roberto Romano, defensor da democracia

Professor aposentado da Unicamp foi internado em 11 de junho no Incor, diagnosticado com Covid-19

Ivan Martínez-Vargas / O Globo

SÃO PAULO - Morreu na tarde desta quinta-feira (22) em São Paulo, aos 75 anos, o filósofo e escritor Roberto Romano, intelectual público e professor titular aposentado de ética e política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Romano estava internado no Instituto do Coração (Incor) desde 11 de junho para tratar de uma infecção de Covid-19.

Segundo nota do hospital, o professor "evoluiu nas últimas semanas com quadro clínico grave, que culminou em falência de múltiplos órgãos".

O professor graduou-se em filosofia na Universidade de São Paulo (USP), em 1973, e fez doutorado na L’École des Hautes Études en Scienses Sociales, na França, entre 1974 e 1978.

Romano ingressou na Unicamp em 1985 e obteve o título de livre docente dez anos depois. Fez carreira e se aposentou no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da universidade.

Também na instituição, foi presidente da Comissão de Perícia que analisou milhares de ossadas encontradas no cemitério clandestino de Perus, em São Paulo, onde a ditadura militar escondeu restos mortais de vítimas do regime.

"Nossa universidade lamenta profundamente o falecimento do professor Roberto Romano", disse o reitor da Unicamp, Antonio José Meirelles, em nota. "(Ele) sempre se caracterizou pela defesa do ensino público e das nossas instituições de fomento à ciência e tecnologia."

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Os espasmos de um governo fraco

O Estado de S. Paulo

Com ameaça, Jair Bolsonaro confirma definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que não haverá eleições no ano que vem se não houver voto “auditável”, com comprovante impresso, conforme revelou reportagem do Estado publicada ontem. Quando fez a advertência, Braga Netto estava acompanhado dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro faz esse tipo de ameaça golpista. O próprio presidente, no dia 8 passado, mesmo dia em que Braga Netto passou seu perigoso recado, declarou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Para Jair Bolsonaro, a eleição só será “limpa” se for com o tal voto impresso, que o Congresso tende a rejeitar.

Como se sabe, a defesa do voto “auditável” é pretexto de Bolsonaro para anunciar, com meses de antecipação, que não aceitará o resultado das eleições do próximo ano caso seja derrotado. Ao se envolver nessa ameaça, o ministro Braga Netto, general da reserva, arrasta os militares perigosamente para o centro da crise – e, mais do que nunca, o que se espera é que os comandantes das Forças Armadas, que não são políticos nem devem ter compromisso com este ou aquele governo, devem se esforçar para deixar claro seu respeito pela democracia, diferenciando-se dos liberticidas bolsonaristas.

No entanto, esses mesmos comandantes, dois dias antes da ameaça de Braga Netto, deixaram subentendida a possibilidade de uma ruptura institucional, em uma nota do Ministério da Defesa em repúdio ao presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, depois que este disse haver um “lado podre nas Forças Armadas envolvido na falcatrua dentro do governo”. Na nota, os comandantes e o ministro da Defesa dizem que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.