quarta-feira, 28 de julho de 2021

Vera Magalhães - Guedes virou apêndice

O Globo

Pouco importa que Paulo Guedes encontre justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.

Esses sinais externos de esvaziamento são apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia — não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal, privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar, morreu na bacia das almas do pragmatismo político.

Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes excomungado Centrão.

Para isso, Bolsonaro não hesitou em despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem pública do seu antes “Posto Ipiranga”.

Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.

Elio Gaspari - Brigar com vice é mau negócio

O Globo / Folha de S. Paulo

O Brasil não precisa de mais esse rolo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Bernardo Mello Franco - Liga dos párias

O Globo

Em entrevista ao CQC, o então deputado Jair Bolsonaro classificou Adolf Hitler como um “grande estrategista”. A gravação voltou a circular nesta segunda, depois que ele posou para fotos com uma representante da extrema direita alemã.

Beatrix von Storch é vice-líder da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista e xenófobo. Em março, a sigla passou a ser investigada sob suspeita de abrigar neonazistas e conspirar contra a democracia alemã.

A deputada é neta de Schwerin von Krosigk, ministro das Finanças de Hitler. Ele foi preso pelas tropas aliadas e condenado por crimes de guerra no Tribunal de Nuremberg.

Parentesco não é destino, mas Von Storch parece compartilhar parte do ideário do avô. Ela se elegeu com falas contra imigrantes e já foi suspensa de uma rede social por incitar o ódio contra muçulmanos.

Líderes de países democráticos evitam se encontrar com a turma da AfD. Os extremistas só costumam ser recebidos por párias como o ditador sírio Bashar al-Assad e o autocrata bielorruso Alexander Lukashenko. Agora conseguiram montar seu palanque no Palácio do Planalto.

A família Bolsonaro sonhava integrar um movimento global de extrema direita. Com as derrotas do americano Donald Trump e do italiano Matteo Salvini, sobrou a companhia de figuras periféricas como o premiê húngaro Vikor Orbán e os aloprados da AfD.

Zeina Latif - Está uma farra danada

O Globo

A conquista da chefia da Casa Civil, coração do governo, é o caminho mais seguro para as ambições do Centrão

É amplamente reconhecido que a excessiva fragmentação partidária constrange a governabilidade do presidente, pois dificulta a conquista de apoio majoritário no Legislativo. Como aponta Carlos Pereira, a saída encontrada pelos constituintes para conciliar multipartidarismo e presidencialismo foi delegar mais poderes ao Executivo.

 Permitiu-se assim coalizões pós-eleitorais, ao que Sérgio Abranches denominou “presidencialismo de coalizão”. Trata-se de dividir recursos políticos com aliados, como cargos e recursos, em troca de apoio. Não é uma exclusividade brasileira, mas talvez aqui a dependência seja maior.

As reformas eleitorais dos últimos anos começam a surtir efeito, mas há um longo caminho adiante. As cláusulas de desempenho e a proibição de coligações eleitorais para cargos legislativos têm levado à redução do número de partidos. Em 2018, atingiu-se o pico de 30 partidos no Congresso; atualmente são 24 — cifra muito distante dos 12 em 1986.

Luiz Carlos Azedo - O pacto com o Centrão

Correio Braziliense

Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. O PP é o antigo PDS, originário da Arena, partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.

O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.

Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.

Ricardo Noblat - PP escancara a porta para Bolsonaro, mas sob certas condições

Blog do Noblat / Metrópoles

Tudo é uma questão de confiança

Entende o novo chefe da Casa Civil da presidência da República, o senador Ciro Nogueira (PI), que se filiar ou não ao Progressista (PP) é uma decisão que cabe unicamente a Jair Bolsonaro. A porta do partido está escancarada para que ele entre. Será bem recebido.

É só uma questão de Bolsonaro confiar menos ou mais nas chances de se reeleger por um partido de médio porte. O PP ganharia com isso porque certamente aumentaria suas bancadas nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado.

O PSL era um partido nanico até que Bolsonaro o escolhesse para ser candidato a presidente da República. Hoje, mesmo tendo sido abandonado por ele, é dono da segunda maior bancada de deputados na Câmara. Deverá reeleger parte dela.

Hélio Schwaetsman - A batalha das variantes

Folha de S. Paulo

Resta-nos torcer pela gama, mas nos preparar para a delta

variante delta vai provocar uma terceira onda de Covid-19 no Brasil? Não sabemos, mas essa é uma possibilidade para a qual precisamos estar muito atentos.

Lidamos aqui com um experimento biológico inédito, que consiste em lançar a nova variante num ambiente em que a cepa dominante é a gama. É Darwin quem dá as cartas. Se a delta apresentar uma vantagem competitiva sobre a gama, então a variante que fez sua primeira aparição na Índia deverá se espalhar com rapidez entre nós, com grandes chances de provocar um novo round de contaminações. A delta já mostrou que é capaz de vencer a alfa e a beta.

Há, é claro, outros fatores a considerar. O mais importante é a quantidade de pessoas que ainda são suscetíveis à infecção por Covid-19. Mesmo que a delta seja muito mais contagiosa do que a gama, a devastação que ela pode causar ficará limitada se a grande maioria da população já estiver imunizada, por vacinas, por ter se recuperado da doença ou por uma combinação dos dois.

Mariliz Pereira Jorge - Fim da fila da vacina

Folha de S. Paulo

O sommelier de vacina é um egoísta, um baita ignorante

A Prefeitura de São Paulo, a exemplo do que já tinha feito a de Belo Horizonte, decidiu que vai para o fim da fila quem tentar escolher o fabricante do imunizante contra Covid-19. Aos críticos dos sommeliers a medida parece justa. Quem muito escolhe fica sem nada.

Com mais de 550 mil mortes, parece suicídio recusar qualquer que seja a oferta. Então, que se lasquem. Eu mesma pensei assim, num primeiro momento. Mas não é uma questão de revanche contra quem brinca com a própria sorte numa pandemia.

A medida não parece tão simples de ser cumprida. Aos profissionais de saúde, que já têm a enorme responsabilidade do corpo a corpo com a população, caberia fiscalizar e punir os dribladores. Num país onde a frase favorita é "você sabe com quem está falando?", dá para imaginar de que lado a corda roeria.
Parece também muito fácil chegar a um posto de saúde qualquer e, antes de entrar na fila, obter a informação sobre qual imunizante está sendo aplicado e dar marcha à ré, sem ser enquadrado nem receber uma advertência por escrito. Fazer de conta que o sommelier vai ficar de castigo faz barulho nas redes sociais, ganha espaço na impressa, mas resolve pouco o que de fato importa: ter vacinas, várias, para todos.

Carol Pires - Nazismo ou delírio?

Folha de S. Paulo

Hitler volta e meia serve de inspiração para fanáticos.

Há um ano, o general Luiz Eduardo Ramos dizia ser "ultrajante" falar em golpe militar e criticou quem comparava Jair Bolsonaro a Adolf Hitler, porque não contribuía "para serenar os ânimos". Na semana passada, enquanto Ramos estava para ser desalojado da Casa Civil para abrir espaço para o centrão de Ciro Nogueira, Bolsonaro se encontrou com a vice-líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Beatrix von Storch, neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler na Alemanha nazista.

Hitler é o exemplo do quão perverso e letal um político pode ser. Não há comparação. Mas o Hitler mentiroso e propagandista do ódio, que precede o genocida, volta e meia serve de inspiração para fanáticos.

Em 1998, Bolsonaro defendeu alunos do Colégio Militar de Porto Alegre que escolheram Hitler como personalidade histórica mais admirada. Disse que os garotos estavam "carentes de ordem e de disciplina". De lá para cá, Bolsonaro fez foto ao lado de um sósia de Hitler, escolheu um slogan ("Brasil acima de tudo. Deus acima de todos") de inspiração nazista ("Alemanha acima de tudo") e precisou demitir um ministro que personificou Goebbels.

Luiz Felipe D’Avila* - ‘O Jardim dos Finzi-Contini’

O Estado de S. Paulo

A História mostra que o sonambulismo adesista das elites aos governos acaba em tragédia...

Parte da elite empresarial brasileira navega entre o cinismo, o oportunismo e o egoísmo. O cinismo nas suas conversas de salão permeia os sussurros de que a eleição de 2022 já está definida: será o embate entre Lula e Bolsonaro. Um grupo já começa a fazer hedge com Lula, quer ajudá-lo a ressuscitar o presidente da era Palocci e Henrique Meirelles, que governava o País em sintonia com o mercado e com a agenda social. O outro grupo faz hedge com Bolsonaro. Entende que a volta do PT é inaceitável e não resta alternativa senão manter-se próximo do presidente e tentar domar o seu destempero com conselhos de mercado para fazer a economia voltar a crescer.

Essa visão irresponsável de parcela da elite colabora para perpetuar o atraso do Brasil. O oportunismo do corporativismo empresarial retarda a abertura comercial, compromete a produtividade e a competitividade do País nos mercados globais, sabota a aprovação da agenda modernizadora do Estado e destrói a igualdade de oportunidades. Sempre disposta a cortejar o poder para garantir o êxito nos negócios, ela não se envergonha de abandonar o discurso liberal proferido na imprensa por conversas reservadas ao pé de ouvido dos políticos para manter benefícios tributários, subsídios setoriais e reserva de mercado. Assim, essa parcela oportunista da elite colabora para manter a Nação num estado permanente de pobreza, desigualdade e volatilidade política.

A simbiose entre o populismo e o corporativismo é nociva para o Brasil. Não se cria igualdade de oportunidades numa nação em que o Estado é refém de feudos de privilégios. Não se prospera numa nação carcomida pela corrupção e pela atroz desigualdade social. Não se cultiva a fleuma da esperança num país onde o poder público nutre eterna desconfiança da competição de mercado e arquiteta inúmeras leis e regras para inibir o empreendedorismo, a inovação e a produção de conhecimento.

Rafael Cortez* - Política vira pilar de proteção

O Estado de S. Paulo

O sucesso desse novo desenho está condicionado à transformação de uma coalizão de governo em apoio eleitoral

 “Eu sou do Centrão.” A exposição do pertencimento a essa controversa entidade da política brasileira é do próprio presidente Bolsonaro, com vistas a reduzir o custo da aproximação com a “política tradicional”. O choque dessa estratégia em relação ao discurso eleitoral do presidente já virou lugar comum e não surpreende ao observador minimamente atento das movimentações palacianas. O ponto mais relevante da reforminha ministerial é justamente a escolha de um nome da política tradicional em substituição de um nome oriundo das Forças Armadas, já que o próprio presidente reiteradamente legitima seu governo pela ligação com os militares e recentemente promoveu trocas em postos militares em nome de maior aproximação política com a instituição. 

A reforma tem fundamentalmente o objetivo de proteger o mandato presidencial, ou a busca pelo “equilíbrio”, nas palavras do novo ministro, Ciro Nogueira. Não por um acaso, o escolhido vem do Senado, casa que irá julgar as indicações no campo jurídico feitas pelo presidente e, no limite, irá definir o grau de pressão política, quando da votação do relatório da CPI da pandemia, possivelmente responsabilizando o presidente por crimes de responsabilidade. 

O equilíbrio citado depende do mínimo de estabilidade política, o que significa conter os choques decorrentes do próprio estilo presidencial e dos constrangimentos oriundos da politização das Forças Armadas. A desconfiança entre militares e políticos ajuda a preservar o mandato. O eventual impeachment representaria a transferência de poder justamente para os militares, que ameaçam esse espaço da política tradicional.

Bolsonaro muda Casa Civil para tentar viabilizar reeleição

Presidente negocia filiação ao Progressistas, partido do novo ministro Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão; sigla tem forte presença no Nordeste

Felipe Frazão, Lauriberto Pompeu e Marcelo de Moraes / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A entrada do senador Ciro Nogueira (PI) na Casa Civil, confirmada nesta terça-feira, 27, representa um movimento político importante para o presidente Jair Bolsonaro em um momento de crescente perda de popularidade do governo. Ao levar o Centrão para a “cozinha” do Palácio do Planalto, Bolsonaro avança várias casas no jogo para barrar o impeachment, atrai apoio no Senado e tenta alavancar sua campanha ao segundo mandato, em 2022. Presidente do Progressistas, Nogueira foi confirmado ministro e capitão do time bolsonarista com a missão de diminuir o desgaste de Bolsonaro, alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, tirar o governo da rota de colisão e conquistar aliados.

O presidente se reuniu nesta terça-feira, 27, com Nogueira e acertou que ele será o responsável, a partir de agora, pela articulação política do Planalto com o Congresso. Sem partido, Bolsonaro negocia a filiação ao Progressistas e quer contar com a estrutura da sigla PP, forte no Nordeste, em sua tentativa de reeleição.

Com a estratégia de ceder espaço ao Centrão, o presidente faz a 27.ª mudança na equipe em dois anos e meio de mandato e tira o protagonismo de generais sem voto, como o ministro Luiz Eduardo Ramos, que deixou a Casa Civil e foi deslocado para a menos prestigiada Secretaria-Geral, até então ocupada por Onyx Lorenzoni. Visto como um curinga, Onyx já passou por outras três pastas e recebeu a promessa de ser transferido para Emprego e Previdência, que será recriado com o desmembramento do Ministério da Economia.

Nogueira é o quarto titular da Casa Civil. Antes dele ocuparam o cargo o próprio Onyx, Walter Braga Netto – hoje ministro da Defesa – e Ramos. Na prática, o senador assume sob a desconfiança da ala militar do governo, que vem perdendo poder. Ao Estadão, Ramos chegou a dizer, na semana passada, que havia sido “atropelado por um trem” ao saber da troca na Casa Civil. 

Bolsonaro tentou contemporizar o mal-estar, uma vez que Ramos tentou dissuadi-lo da mudança algumas vezes. “O general Ramos é uma excepcional pessoa, é meu irmão. Agora, com o linguajar do Parlamento, ele tinha dificuldade. É a mesma coisa que pegar o Ciro Nogueira e botar ele (sic) para conversar com generais do Exército.”

Diante das críticas de que contrariou promessas de campanha ao se casar de papel passado com o Centrão, Bolsonaro disse que precisa melhorar a interlocução com o Congresso. “Fomos nos moldando”, argumentou ele nesta terça-feira.

Nogueira irá operar a ‘alma do governo’, afirma Bolsonaro

Senador aceita oficialmente a Casa Civil após uma reunião com presença do presidente da Câmara

Por Fabio Murakawa, Raphael Di Cunto, Matheus Schuch e Marcelo Ribeiro / Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que se moldou para obter apoio do Congresso, ao discursar diante do futuro ministro da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), a quem entregou “a alma” de seu governo. O ingresso de Nogueira contou com a bênção de outro ícone do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A fala de Bolsonaro ocorreu em evento no Palácio do Planalto, horas depois de Nogueira ter anunciado que aceitaria o convite para assumir um dos postos mais importantes do governo, responsável pela articulação entre os ministérios.

Presidente do PP, ele toma o lugar do general da reserva Luiz Eduardo Ramos, que assumirá a Secretaria-Geral (SG), uma espécie de “zeladoria” do Palácio.

“Chegamos ao governo em 2018 e tínhamos que fazer algo realmente diferente. Tive a oportunidade ímpar de escolher nosso ministério baseado em questões técnicas, pouco políticas. Mas era o que poderíamos e tínhamos de fazer naquele momento. Compusemos um time de ministros nunca visto em outros governos”, afirmou Bolsonaro. “Abandonamos um pouco a questão política, mas vimos que era necessário cada vez mais buscarmos o apoio e o entendimento do Parlamento brasileiro. Fomos nos moldando.”

O presidente completou o discurso dizendo que não abandonou a bandeira do combate à corrupção com a qual se elegeu, apesar da nova moldagem.

Nogueira estava em um canto do palco, ao lado da ministra da Secretaria de Governo (Segov), Flávia Arruda, deputada pelo PL do Distrito Federal também com fortes ligações com Lira. Foi anunciado pelo locutor oficial da Presidência como “senador Ciro Nogueira”. Ramos, ainda chefe da Casa Civil, estava ao lado de Bolsonaro.

O presidente da Câmara participou na manhã de ontem da reunião que selou a nomeação do senador como ministro-chefe da Casa Civil.

Fernando Exman- Teste para o instituto da frente parlamentar

Valor Econômico

Grupo articula formas de melhorar ambiente de negócios

A criação da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo, uma ideia promissora lançada no fim do primeiro semestre, será testada tão logo o Poder Legislativo retorne das férias de meio de ano.

Vá lá: o recesso é uma previsão legal. Está no artigo 57 da Constituição que a sessão legislativa será realizada de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezembro. Só não há paralisação em julho quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixa de ser aprovada a tempo, o que foi evitado, às pressas, por deputados e senadores na primeira quinzena do mês.

Foi por pouco. Ficou no ar o questionamento se o Congresso deveria parar de trabalhar em meio à pandemia e aos graves efeitos da crise sobre a economia. Deputados mais ousados chegaram a usar uma expressão da moda, “direito adquirido”. Alguns ponderaram que a pausa poderia arrefecer a crise, cenário que não se transformará em realidade.

Daniela Chiaretti - Um megafone para os cientistas ambientais

Valor Econômico

Três cientistas brasileiros e os dados mais atuais sobre clima e biodiversidade, os dois desafios definidores das próximas décadas

Há poucos dias, em evento virtual da Fapesp, a fundação paulista que promove ciência, três pesquisadores discutiram mudança climática e biodiversidade. Foi uma aula de generosidade em relação a dois dos temas mais importantes da atualidade. O biólogo Carlos Alfredo Joly, da Unicamp, o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, e a bióloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, distribuíram conhecimento a quem se dispôs a ouvir. O Brasil tem grandes cientistas, estes são três deles. Nestes tempos tristes, a terceira lei de Newton parece estar em vigor no Brasil - aquela que diz que para cada ação há uma reação igual e contrária. Apesar de todos os esforços negacionistas, os cientistas brasileiros têm ampliado sua voz. É hora de ouvi-los no megafone.

Carlos Joly é um dos maiores especialistas em biodiversidade do Brasil. Montou e coordenou o Biota-Fapesp, um programa de pesquisas que há 21 anos se debruça sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade em São Paulo. “Não basta conservar o que restou. Precisamos restaurar”, diz Joly. Em sua fala, listou o conjunto enorme de pressões sobre a biodiversidade e que coloca em curso o que alguns autores acreditam ser a sexta extinção em massa. O aquecimento global é um dos principais vetores assim como a mudança no uso da terra com desmatamento e perda de habitats, a distribuição de chuvas, o excesso de fertilizantes nas lavouras, a introdução de espécies exóticas, a poluição. Tudo isso nos coloca em péssima rota. “A crise da biodiversidade está em um limite perigoso”, diz.

É muito improvável que a conferência de biodiversidade das Nações Unidas, a CoP 15, aconteça em outubro, na China, com o país fechado pela pandemia e as desigualdades tecnológicas entre ricos e pobres que complicam a negociação virtual. Os países, é verdade, fizeram alguns avanços nas metas assumidas há dez anos, mas falta um montão. A meta que previa aumento global de áreas protegidas foi uma das poucas cumpridas - chegou-se a 17% da superfície terrestre protegida e 10% dos oceanos, o que é bom mas insuficiente.

Gilvan Cavalcanti de Melo - Travessia política: Gramsci*

Agradeço o convite para debater, nesta travessia política as ideias de um italiano que há anos se tornou referência para mim. Trata-se de Antonio Gramsci, o mais importante - talvez o maior - pensador da tradição marxista-ocidental do século passado, cujos 116 anos do nascimento foram celebrados em 22 de janeiro de 2007.

Gramsci morreu em 27 de abril de 1937, aos 46 anos. A morte o derrotou no instante em que conseguira a liberdade. Dois dias antes, recebera o documento assinado pelo Juiz do Tribunal Especial de Roma com a declaração de que fora suspensa qualquer medida de segurança em relação a ele, que foi preso por ordem de Mussolini em 8 de novembro de 1926. No processo-farsa montado pelo Estado fascista, o promotor pediu aos juízes sua condenação; olhando-o sentenciou: ”É preciso impedir este cérebro de funcionar”. O castigo ocorreu, mas não se conseguiu impedir que, de dentro da prisão, fosse escrita uma obra monumental, para a eternidade (Für ewig).

Condenado, Gramsci fez com que sua inteligência penetrasse na densidade sombria da realidade. Recusou a vaidade demagógica de uns e o dogmatismo mofado dos outros. Não pensou em formular uma nova e original filosofia da práxis.  Só mais tarde manifestou a consciência do valor de sua reelaboração. Ousou, do interior do cárcere, na solidão, inclusive política, desafiar a ignorância e as banalidades stalinistas. Foi por muito tempo negligenciado e desconhecido até pelos que, ao contrário, deveriam  tê-lo amado e o honrado mais intensamente.

Por que minha curiosidade por esse homem e sua obra? Originalmente, meu contato com Marx se deu com leituras de textos de outro italiano, Antonio Labriola (1843/1904). Era uma espécie de vacina antidogmática. A partir daí, descobri Gramsci rapidamente. No início senti comoção por aquele homem frágil, sofredor e perseguido. Na sequência, admiração pela sua coragem e combatividade. Depois, interesse crescente pelo seu pensamento denso. Mais tarde, aceitei seus ensinamentos e visão sobre a filosofia de Marx. Esse encontro ocorreu entre os anos 1958 e 1962, por meio de publicações argentinas que chegavam a Recife. Nesse contexto, um papel importante foi desempenhado nessas minhas descobertas pelo gerente da livraria Editora Nacional, na Rua da Imperatriz.

Até hoje, há uma polêmica sobre o porquê da recusa de Gramsci em usar o termo materialismo ou marxismo. Uma grande parte de estudiosos atribui o fato a uma maneira de ultrapassar a rigidez da censura. É preciso ressaltar, entretanto, que aqueles termos estavam relacionados a uma visão economicista, dogmática e ortodoxa, cujo símbolo mais conhecido era o manual Ensaio popular, de Nicolau Bukarin. Em sua defesa Gramsci foi buscar o exemplo de Marx no prefácio de O capital. Ali, o corifeu da nova filosofia falava de “dialética racional” e “dialética mística” em vez de dialética materialista e dialética idealista.

Estou convencido de que o uso do termo filosofia da práxis foi consciente, no sentido da revalorização da atividade cultural e da dimensão ético-política. Ao mesmo tempo em que travava uma batalha contra os dogmáticos, Gramsci considerava que a filosofia da práxis deveria reconquistar a força criadora da qual se apoderara o pensamento moderno preconceituoso em relação a  Marx: Bérgson, Sorel, Croce, Weber, Veblen, Freud, o pragmatismo e, através de Spengler, Nietzsche também.

Morre José Arthur Giannotti, referência da filosofia brasileira

Professor emérito da USP e um dos fundadores do Cebrap tinha 91 anos e era um dos mais respeitados estudiosos de Marx

Redação / O Estado de S. Paulo

Morreu nesta terça-feira, 27, o professor José Arthur Giannotti, considerado um dos maiores nomes da filosofia brasileira, aos 91 anos. Paulista de São Carlos, no interior, ele era professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entidade de estudos sociais e de formulação de políticas que surgiu em 1969 e reunia opositores do regime militar. 

Giannotti era um dos mais respeitados estudiosos da obra de Karl Marx no Brasil, autor de obras que se concentram na reflexão sobre o trabalho. Após se mudar para a capital paulista com a família, decidiu ingressar na USP por influência do escritor Oswald de Andrade, que conheceu na adolescência.

Assistiu sua primeira aula universitária no prédio da Rua Maria Antônia, no início de 1950, com outros nove alunos. A memória das primeiras lições com o professor francês Gilles-Gaston Granger, que explorava a epistemologia francesa e a formação do pensamento, foram marcantes o suficiente para que Giannotti as registrasse mais de 60 anos depois nas páginas do Estadão, em um artigo para o caderno Aliás

Entre as décadas de 1950 e 1960 fundou o grupo "Seminários Marx", que também tinha entre seus participantes historiadores, economistas, cientistas sociais, críticos literários e filósofos – entre eles Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Ruth Cardoso e Roberto Schwarz, em diferentes gerações. 

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A vida versus a burocracia estatal

O Estado de S. Paulo

Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade, não custaria a Jair Bolsonaro tornar mais célere a distribuição de vacinas

Governos normais, nada mais do que isto, são capazes de transmitir alguma segurança aos cidadãos em momentos de crise, como, por exemplo, no curso de uma pandemia. Como normal não é, o governo de Jair Bolsonaro, ao contrário, demonstra ter uma capacidade de angustiar os brasileiros que parece não conhecer limites.

O país que o presidente da República deveria governar, se tivesse um plano e não fosse avesso ao trabalho, ultrapassou a terrível marca de 550 mil mortes por covid-19. Já é sabido que só o rápido avanço da vacinação haverá de interromper este morticínio, mas, mesmo assim, o Ministério da Saúde não é sequer capaz de garantir aos Estados e municípios, responsáveis pela aplicação das vacinas, o cumprimento dos prazos para envio das doses que recebe dos fabricantes.

Há mais de uma semana, nada menos do que 16 milhões de doses de vacinas, de diferentes laboratórios, estão armazenadas nos galpões do Ministério da Saúde. “Informes técnicos”, documentos disponíveis para consulta no portal da própria pasta na internet, revelam que este é o quantitativo “estocado”. A inacreditável retenção destas vacinas levou ao menos dez capitais – Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Maceió, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – a suspender a aplicação da 1.ª dose do imunizante. Goiânia e Cuiabá não chegaram a suspender totalmente a vacinação, mas limitaram a aplicação a menos pessoas. É um absurdo haver tantas vacinas “estocadas” e elas não chegarem rapidamente à população.