terça-feira, 12 de outubro de 2021

Merval Pereira - Legislativo intervém no MP

O Globo

Aumentar a influência do Poder Legislativo sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio de uma emenda constitucional, representa grave conflito de interesses, marcado pela tentativa de neutralização da autonomia do Ministério Público, uma de suas mais básicas e fundamentais características. Mesmo atendendo a uma necessidade pessoal de muitos parlamentares, ou à simples vingança, a PEC está tendo tramitação difícil, porque a reação da minoria que ainda resiste ao desmonte dos mecanismos de combate à corrupção está forte.

A obstrução é o mecanismo parlamentar para impedir que escândalos como esse tenham sucesso no Congresso, impostos por uma maioria formada pela união espúria de interessados em se blindar de seus crimes. Ou, caso a proposta seja aprovada, para que pelo menos fique gravada na testa de seus apoiadores a marca da vergonha.

Esse desfiguramento do CNMP é mais uma obra do presidente da Câmara, Arthur Lira, que controla o Centrão, em parceria com o PT e todos os partidos ou parlamentares investigados e punidos pelo MP, o que o torna um escândalo. Todas as medidas aprovadas ultimamente por inspiração do Centrão para desmontar a máquina de combate à corrupção tiveram apoio do PT.

Míriam Leitão - Dilema do gasto na reconstrução

O Globo

O país terá que ser reconstruído ao fim do governo Bolsonaro e da pandemia. Muitas áreas precisarão de mais dinheiro: saúde, educação, ciência, meio ambiente, proteção de indígenas, transferência de renda. A responsabilidade fiscal terá que ser vista por outra ótica. Não creio que o país tenha que ficar prisioneiro do dilema entre cortes inaceitáveis ou descontrole fiscal. Quem governar o Brasil após essa administração desastrosa precisará de mais capacidade de pensar fora das fórmulas fiscais nas quais a polarização política muitas vezes nos colocou.

Aumentou a ligação do país com o SUS. As pessoas viram, na hora da vacinação, o rosto do sistema único de saúde. Não é mais uma abstração dos formuladores de políticas públicas. Cada pessoa que se vacinou e registrou nas suas redes o lema “viva o SUS” se sente integrante da resistência do sistema público. E isso inclui gente de todas as idades, idosos, jovens e adolescentes. Mesmo antes da pandemia, especialistas como André Medici, diziam que era preciso gastar mais com o SUS, além de gastar melhor. Depois da pandemia, as necessidades serão maiores.

Carlos Andreazza - Entrar e então morrer

O Globo

Circularam, no último fim de semana, ao menos duas falas barbarizantes de Marcelo Queiroga, ministro da Saúde e médico. E ressentido. É um governo de ressentidos. De ressentidos e oportunistas, não raro também incompetentes. Tudo previsível. Este perigo: o ressentido de súbito com — o que supõe ser — poder. O perigo: este tipo — o ressentido empoderado, ademais incompetente, um agente grato, mostrador de serviço — sob a gestão do bolsonarismo; sob o controle da máquina de genuflexão bolsonarista. E então as falas de Queiroga, previsíveis.

Numa, comparou a exigência do uso de máscaras — como medida de contenção da peste, um vírus transmitido por via aérea — ao de preservativos contra doenças sexualmente transmissíveis. Decerto se tendo por mui esperto, perguntou se, por esse motivo, deveríamos obrigar as pessoas a usar camisinha. Na outra, confrontado com a marca de 600 mil mortes, sentiu-se autorizado — estava irritadinho — a relativizar o volume: seriam, afinal, 380 mil os que morrem do coração anualmente no Brasil, outros muitos de câncer.

Terá faltado somente um “e daí?” — talvez um “não sou coveiro” — para que fosse Jair Bolsonaro absolutamente. Nunca será. Mas precisa — pode e deve — se esforçar. É estimulado a se esforçar, a se humilhar. Pelo poder. Estimulado — desafiado — a debulhar seu ressentimento. Pela existência.

Eliane Cantanhêde - Os preços e o voto

O Estado de S. Paulo

O desastre da economia abala todos os segmentos do eleitorado de 2022, do miserável ao rico

Nem o Plano Real resistiu a Jair Bolsonaro. Após 28 anos do sucesso da maior obra de engenharia econômica do Brasil, a inflação volta ao cotidiano de pobres e ricos, assalariados e empresários e, principalmente, dos miseráveis que já não tinham o que comer e dar de comer aos filhos. Mais do que índices abstratos, o aumento da inflação, de 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em doze meses, bate na vida de todo mundo, ou seja, de todo eleitor.

A economia, a queda de emprego e renda, a disparada de preços e seus efeitos no dia a dia abalam todas as faixas do eleitorado. O salário continua o mesmo, caiu ou pode ter evaporado. Alguém teve aumento de 20%, 30%, 40% ou 50% nos últimos doze meses? Mas conta de luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. Pessoas disputando ossos, pelancas e restos de comida são de deixar o País, e cada um de nós, sem dormir.

Luiz Carlos Azedo - Terrivelmente boicotado

Correio Braziliense

Um grupo de senadores tem defendido que Bolsonaro desista da indicação de Mendonça e escolha outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo 

O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (igreja evangélica pentecostal), acusou os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, e das Comunicações, Fábio Faria, de boicotarem a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Jair Bolsonaro, desde o fim de semana Malafaia vinha ameaçando denunciar os ministros. Mendonça é pastor da igreja presbiteriana Esperança, em Brasília. Indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF é uma promessa de campanha do presidente da República.

Para aumentar o desconforto de Mendonça, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, ontem, arquivou o mandado de segurança requerido pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), para impor ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que pautasse a sabatina de Mendonça. Nunca um candidato ao STF passou por tanto desconforto no Senado. Alcolumbre recebeu a indicação em julho e a mantém na gaveta, apesar de todas as pressões, por razões que ainda não são de todo conhecidas.

Sabe-se que o ex-presidente do Senado está insatisfeito com Bolsonaro desde as eleições passadas, quando seu irmão, Josiel Alcolumbre, seu primeiro suplente no Senado, perdeu a disputa para a Prefeitura de Macapá. Mesmo com o apoio do então prefeito Clécio Luís (sem partido) e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), foi derrotado pelo médico Dr. Furlan (Cidadania), ex-deputado apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). Alcolumbre atribuiu a derrota à demora do governo federal em restabelecer a energia no Amapá, que sofreu um “apagão” às vésperas das eleições.

Joel Pinheiro da Fonseca - Só Bolsonaro 'mente'?

Folha de S. Paulo

Presidente pode ter levado a mentira a um novo patamar, mas está longe de ser o único líder que já mentiu

Bolsonaro representa um desafio para os grandes veículos de imprensa. Primeiro porque os elegeu como inimigos jurados, acusando-os sempre que pode. E em segundo lugar porque, enquanto o jornalismo visa a trazer clareza e fatos ao debate público, a comunicação do presidente tem o objetivo contrário: criar uma verdadeira nuvem de afirmações falsas e acusações sem provas de modo que o debate racional fique impossível.

Em reação a isso, muitos jornais —inclusive a Folha— tomaram a decisão inédita de classificar como “mentiras” algumas das falas factualmente erradas do presidente (e de pessoas do seu entorno). Isso tem sido celebrado como uma tomada de posição histórica contra uma ameaça singular à nossa democracia. Nesse caso, devo discordar.

Hélio Schwartsman - Militância antivacinal

Folha de S. Paulo

Houve um instante em que tivemos motivos para temer um desfecho diferente

O único ponto em que o Brasil se saiu bem na pandemia é a disposição da população para vacinar-se. Considerada só a primeira dose, nossa cobertura já ultrapassou a de países que iniciaram a imunização bem antes. Por aqui, 72% da população já levou a primeira injeção. Em Israel, foram 68%; nos EUA, 65%; na Alemanha, 68%. Também estamos conseguindo uma excelente cobertura entre os mais jovens (18 a 24 anos), coorte em que a hesitação vacinal tende a ser maior.

A longa tradição do SUS em promover campanhas universais e gratuitas de imunização contra as mais variadas moléstias em várias faixas etárias decerto tem algo a ver com a alta confiança do brasileiro em vacinas. Houve, porém, um instante em que tivemos motivos para temer que o desfecho seria diferente. Em dezembro passado, o Datafolha registrava que 23% dos brasileiros não pretendiam vacinar-se contra a Covid-19. Em maio (dado mais recente), esse número havia caído para 8%, o mesmo registrado em agosto do ano passado, que podemos considerar uma espécie de taxa basal.

Alvaro Costa e Silva – A marca da maldades

Folha de S. Paulo

Bolsonaro não tem tempo a perder se quiser cumprir sua missão exterminadora

Nos últimos dias o governo tem caprichado no pacote de maldades. Das duas, uma: ou baixou em Bolsonaro um espírito natalino antecipado e às avessas ou ele percebeu que está mesmo nos últimos dias e não há tempo a perder se quiser cumprir sua missão exterminadora.

O presidente havia vetado a distribuição gratuita de absorventes, prejudicando mais de quatro milhões de jovens que não têm itens básicos de higiene nas escolas quando estão menstruadas e 713 mil delas que vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas —sem contar mulheres que moram nas ruas. Mas, diante da repercussão negativa e da mobilização do Senado para derrubar o veto, resolveu voltar atrás. Mais uma vez. A tática é jogar cascas de banana sempre. Se quebrar a perna de alguém, ótimo.

Pedro Fernando Nery - A faminta

O Estado de S. Paulo

No orçamento dos governos, há espaço para combater a fome, mas não há disposição

Não conheço Rosângela Sibele. Escolhi sua história para este Dia das Crianças. Li sobre ela nos jornais: suco Tang, miojos e uma garrafinha de Coca-cola. Mãe de cinco, sendo duas crianças pequenas, ela disse que estava com fome ao ser presa pelo furto. Consegui imaginar mais sobre o seu drama nas anódinas planilhas do Portal da Transparência.

É que com as informações burocráticas do site é possível conjecturar sobre a sua desgraça, comum a tantos brasileiros neste 2021. Rosângela Sibele nunca foi beneficiária do Bolsa Família. Recebeu o auxílio emergencial em 2020. Neste ano, parece ter sido cortada fora. Como o ministro Paulo Guedes argumentou no início do ano, o auxílio emergencial até voltaria em 2021, após ser suspenso durante a segunda onda, mas seria focalizado.

Índole indiscutivelmente voltada à delinquência. Apesar do pleito da Defensoria, Rosângela Sibele teve a soltura negada pela primeira e pela segunda instância. Os desembargadores consideraram que seu comportamento perdeu a característica de bagatela e o princípio da insignificância não pode ser acolhido. Rosângela Sibele já havia furtado alimentos e produtos higiênicos duas vezes, antes da pandemia.

Por que uma mãe que furta alimentos nunca esteve no nosso principal programa social? Por que foi preciso uma pandemia e um benefício generoso como o auxílio emergencial de 2020 para receber apoio? Por que no pior momento da crise ele foi cortado? Sua história, assim de longe, parece contar o fracasso de nossa política social que perpassa vários governos.

Rubens Barbosa* - As transformações globais e a Defesa

O Estado de S. Paulo

É preciso aprimorar as instituições e processos voltados para questões da defesa nacional

As Forças Armadas no Brasil, para seu fortalecimento, deveriam passar por ajustes e transformações para responder aos desafios das profundas mudanças no cenário internacional. O crescente avanço tecnológico das últimas décadas transformou significativamente os paradigmas dos conflitos e das ameaças, exigindo de todos os países um questionamento permanente de adequação das estruturas de seus instrumentos de defesa e dos conceitos neles vigentes.

O Centro de Estudos da Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) elaborou documento de trabalho sobre a Política e a Estratégia Nacional de Defesa e encaminhou recomendações ao governo e ao Congresso para, num sentido mais amplo, aprimorar as instituições e processos voltados para questões da defesa nacional.

As recomendações abrangem três áreas consideradas relevantes e estratégicas:

Felipe Salto - Às favas os escrúpulos

O Estado de S. Paulo

Responsabilidade fiscal: defendida no caso dos absorventes, desprezada no caso dos precatórios

O relatório sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do deputado Hugo Motta, constitucionaliza o calote. Essa versão piorada da proposta original do governo fixa um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entrará na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”. Na mesma semana, o presidente vetou a distribuição de absorventes em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mandaram às favas os escrúpulos de consciência que restassem.

A proposta, coassinada pela deputada Tabata Amaral, não cria despesas obrigatórias de caráter continuado e, portanto, não requer medida compensatória. O argumento na hora do veto estava errado. O próprio artigo 6.º do texto aprovado submete a despesa com a compra de absorventes aos chamados contingenciamentos. O dinheiro viria do orçamento do SUS, mas poderia ser congelado, se necessário. O artigo 17 da LRF trata de despesas obrigatórias permanentes. Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas do Senado, logo percebeu a confusão e desmontou essa base do veto.

Vale dizer, o custo da medida é estimado em R$ 119,1 milhões. Já a manobra constitucional dos precatórios abrirá folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022. Um ataque à Constituição e ao teto, com direito a calote em despesa obrigatória. E a lei? Ora, deixem-nas para os inimigos...

Para ter claro, essa folga será igual a 405 vezes o custo da distribuição de absorventes para meninas e mulheres pobres. Fere de morte o teto de gastos, como mostrei na coluna de 28 de setembro (O fim do teto de gastos). A distribuição de absorventes, por sua vez, estava rigorosamente dentro do figurino da responsabilidade fiscal.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Jovens aceleram soluções para salvar o planeta

A delegação brasileira, com quase 100 representantes, vai tentar, de maneira oportuna, sacar, para o Brasil, uma parte dos US$ 65 bilhões do fundo que a Conferência da Biodiversidade – COP-26 pretende arregimentar, em Glasgow, na Escócia, no final deste mês, dos 190 países adeptos das convenções ambientais. Deverá ser anunciado um novo Pacto Global, com 21 metas sustentáveis para os próximos dez anos, com vistas a reduzir os índices de aquecimento global e a proteger a biodiversidade.

Essas novas COPs são, ao mesmo tempo, compromissos e prestação de contas à população e às novas gerações, já que não foi cumprido o Protocolo de Kioto, no Japão, de 1997, que recomendava a redução da emissão de gases tóxicos na atmosfera; nem o Acordo de Paris , de 1995, que estabeleceu limites específicos para controle dessas emissões por países e segmentos, sobretudo industriais, e que levou os Estados Unidos, de Trump, a desligar-se do compromisso. Agora volta com Biden.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Congresso precisa rever cortes na área de ciência

O Globo

A ciência, essa persona non grata no governo Jair Bolsonaro, sofre mais uma perigosa estocada. A pedido do Ministério da Economia, o Congresso mudou o projeto de lei que cria o crédito complementar para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, maior fonte de fomento à pesquisa no país. Com isso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que receberia R$ 690 milhões, ficará com apenas R$ 89,8 milhões.

O objetivo do governo é remanejar os recursos para outras áreas. Desenvolvimento Regional receberá R$ 252 milhões para Defesa Civil, habitação e infraestrutura hídrica; Educação terá R$ 112 milhões para bolsas e ensino básico; Comunicações, R$ 100 milhões para programas de inclusão digital; Agricultura, R$ 58 milhões; Saúde, R$ 50 milhões; e Cidadania, R$ 28 milhões.

Poesia | Joaquim Cardozo - Não tenho pátria, nem glória

O RETIRANTE

Não tenho pátria, nem glória...
Embora — sinal da fome —
Nas páginas secas da história
Haja o meu nome e renome.

Mateus, Bastião e Catirina entrando outra vez em cena,
encontram o retirante e a ele se dirigem.

MATEUS

Como é que vens acabado
Velho amigo, meu irmão
Há tanto tempo largado
Pelas sendas do sertão.

RETIRANTE

Sou, de acabado, tão pouco...
A pouco estou reduzido,
Ouve cantar galo rouco
Meu coração comovido...

(pausa)

RETIRANTE
(continuando):

Sou uma sombra sem corpo,
Sou um rosto sem pessoa,
Um vento sem ar soprando,
Sem som, um canto, uma loa.

Nem as palavras definem
O meu tão grande vazio,
Todo o gesto que me exprime
Todo o meu gesto é baldio.

Todo o ardor que em mim renasce
Se extingue com um assovio...
Em mim não há claridades
Sou, apagado, um pavio.
O tecido que me veste
Não tem trama, nem cadeia.
Meus passos são muito leves
Não deixam marca na areia.
Meu andar é curto e breve
Mas contém a vastidão
Como é leve o que me pesa
Meu ausente matolão.

Perto vou, mas vou por longe
Vou junto, mas vou sozinho
Em sombra: burel de monge
Caminho meu descaminho.

(...)


In: CARDOZO, Joaquim. O coronel de Macambira: bumba-meu-boi em dois quadros. Introd. Osmar Barbosa. Il. Poty. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p.68-69. (Prestígio). Poema integrante da série 2o. quadro.