segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Marcus André Melo – ‘Postos Ipirangas' em outras democracias?

Folha de S. Paulo

Possíveis ministros da Fazenda tornam-se ativos nas campanhas eleitorais

Moro anunciou Pastore como conselheiro para assuntos econômicos; Doria entronizou Meirelles no mesmo papel. Guedes vem cumprindo o papel de posto Ipiranga de Bolsonaro. Economistas garantidores da credibilidade de governos. Existe este papel em outros países?

Mark Hallerberg (Hertie) e Joachim Wehner (LSE) investigaram a seleção de titulares de Ministérios da Fazenda e dos Bancos Centrais em 40 democracias. A base de dados contém informação sobre 427 chefes de governo, 537 ministros da Fazenda e 212 presidentes de Banco Centrais, e se estende por 50 anos.

A base revela surpresas: muitos ministros da Fazenda não são economistas. Gordon Brown, titular da pasta sob Tony Blair, era formado em história. Este padrão é mais frequente sob o parlamentarismo —sobretudo em governos de coalizão— no qual o gabinete é formado por parlamentares. Um quarto dos ocupantes da pasta possuía titulo de PhD em economia. Mas no Chile, na Polônia e no México, todos o possuíam; na Espanha, na Grécia e em Portugal, eram mais de 2/3. Quanto mais estável e rica a democracia, maior a probabilidade de não economistas e executivos financeiros no cargo.

Celso Rocha de Barros – A chapa Lula / Alckmin: precisa?

Folha de S. Paulo

Ter um vice como Alckmin ajudará a retomada de políticas progressistas

Na coluna de 7 de novembro, escrevi que acho uma boa ideia a chapa Lula/Alckmin para a eleição presidencial de 2022. Na época, não tinha muita expectativa de que a aliança de fato acontecesse. Talvez eu tenha perdido a capacidade de reconhecer boas notícias, ou talvez tenha medo demais de um novo surto de estupidez antipolítica.

De qualquer forma, a probabilidade de que a aliança aconteça subiu muito neste último mês. No momento, o principal obstáculo parece ser a escolha do candidato para o Governo de São Paulo. É algo perfeitamente negociável entre adultos.

Catarina Rochamonte - Vacina, passaporte e bom senso

Folha de S. Paulo

As polêmicas quanto à comprovação de imunização são principalmente ideológico-culturais

O que parece uma restrição legítima da liberdade para alguns, afigura-se como cerceamento dos direitos individuais para outros; o que parece uma simples regra sanitária para uns é considerada uma aberração autoritária por outros. Nem uns nem outros precisam ser rotulados e condenados por expor sua opinião.

Há que se considerar, porém, que o interesse coletivo é prioritário em situações calamitosas como a de uma pandemia, situação na qual o indivíduo que sofre algum cerceamento de suas vontades precisa alargar sua compreensão para a necessária consideração do bem comum.

Ruy Castro - Chovendo pacas ---não o bicho

Folha de S. Paulo

Ninguém mais faz. Entrega. Ninguém mais se coloca. Posiciona-se. A língua se cafoniza

Narrativa, até há pouco, era uma narração, uma história, um conto. "Os Lusíadas", de Camões, era uma narrativa poética; "Dom Casmurro", de Machado de Assis, uma narrativa de ficção; "Os Sertões", de Euclides da Cunha, uma narrativa histórica. Mas a palavra caiu para a 2ª divisão. Narrativa é agora uma história fabricada, que se tenta impor como verdade, e assim a tratam os políticos. Quando um deles é acusado de roubar ou mentir, diz que isso é uma "narrativa". Claro que essa resposta também é uma "narrativa".

Bruno Carazza* - Para inglês ver

Valor Econômico

Agenda pública de encontros com lobistas só virá depois das eleições

Na primeira metade do século XIX, por razões humanitárias e também econômicas, a Inglaterra, então senhora do mundo, passou a exercer grande pressão política para que os nascentes Estados americanos coibissem o tráfico negreiro. Para atendê-la, em 1831 e 1850 o Império brasileiro editou leis proibindo primeiro a entrada e depois o comércio ultramarino de escravos africanos.

Sem fiscalização, contudo, as normas não surtiram resultado. Essa seria a origem da expressão “para inglês ver”, que designa iniciativas governamentais lançadas para mostrar serviço, mas que na verdade não terão efetividade alguma.

No dia em que se comemorou o Dia Internacional contra a Corrupção (9/12), o presidente Jair Bolsonaro publicou o decreto nº 10.889/2021, que institui o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal, batizado de e-Agendas. A iniciativa é boa, pois constitui mais um passo num esforço que remonta ao governo Fernando Henrique - aprimorado depois por Lula, Dilma e Temer - de tornar públicas as agendas de ministros, secretários e outras autoridades.

Sergio Lamucci - Os efeitos dos juros de dois dígitos

Valor Econômico

A forte alta da inflação mudou radicalmente o panorama para os juros, o que terá consequências importantes para a atividade econômica e para o custo da dívida pública

A economia brasileira entrou em 2021 com juros básicos de 2% ao ano e chegou a dezembro com a Selic em 9,25%. Nos primeiros meses de 2022, a taxa continuará a subir, podendo alcançar um nível próximo a 12%. A forte alta da inflação, devido a fatores externos e domésticos, mudou radicalmente o panorama para os juros, o que terá obviamente consequências importantes para a atividade econômica e para o custo da dívida pública no ano que vem - e também para os anos seguintes, caso o próximo governo não adote um programa fiscal crível, que enfrente o crescimento das despesas obrigatórias.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Brasil: um país que anda para frente

Valor Econômico

País viveu nos últimos 50 anos um incrível processo de reformas estruturais tanto na economia como na estrutura social

Tenho procurado nas minhas colunas para o Valor equilibrar uma análise crítica dos problemas que enfrentamos na economia com uma visão construtiva sobre as mudanças estruturais que ocorrem há várias décadas e que têm permitido ao Brasil superar suas crises sequenciais. Nos últimos meses este exercício tem sido muito difícil pois vivemos um Zeitgeist ultra negativo principalmente entre os agentes do mercado financeiro e parte da imprensa especializada.

Tenho maturidade e experiência suficiente para entender a razão deste comportamento crítico sobre as coisas da economia. Ele está associado a uma rejeição muito forte à forma de governar do presidente Bolsonaro e, de seu “alter ego” na economia, o ministro Paulo Guedes. O então todo poderoso Posto Ipiranga parece, no momento, um fantasma acuado pelo fracasso de sua gestão da economia neste final de mandato presidencial.

Seu erro inicial foi ter criticado seus antecessores ao dizer que iria mostrar à sociedade como deve agir um ministro da Economia reformista e compromissado com o pensamento liberal. Sua afirmação que mais o desmoralizou foi a crítica radical às chamadas privatizações tucanas e a promessa de obter mais de US$ 1 trilhão em uma nova rodada de privatizações. Mas vamos deixar o ministro Paulo Guedes vagar solitário em seus domínios no Ministério da Economia em Brasília e voltar ao tema central de minha coluna de hoje.

Carlos Pereira - O vai e vem da justiça

O Estado de S. Paulo

Oscilações na interpretação das regras aumenta a desconfiança no Poder Judiciário

Ao longo dos últimos anos o Brasil tem vivido uma verdadeira montanha russa com idas e vindas em decisões judiciais controversas, especialmente relacionadas a casos de corrupção.

O começo do cumprimento da pena, inicialmente admissível apenas após o trânsito em julgado, tornou-se possível depois de uma condenação em segunda instância, mas, recentemente, retornou ao trânsito em julgado; as condenações de LulaEduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves foram anuladas; os crimes de corrupção associados a caixa dois, antes de competência da justiça criminal, são agora da justiça eleitoral; o compartilhamento de dados bancários e fiscais do Coaf e da Receita com a PF e MP passou a depender de prévia autorização judicial, etc.

Como confiar na Justiça diante de tamanha oscilação das suas próprias decisões? O ambiente de polarização política tem piorado ainda mais essa situação, pois a confiança das pessoas nas decisões judiciais não é livre de viés. Ou seja, a aparente racionalidade das pessoas para confiar ou não na Justiça pode ser motivada pela congruência da sua ideologia com a do acusado.

Simone Tebet* - É preciso coragem porque navegar é preciso

O Estado de S. Paulo

País carece de soluções concretas para os problemas reais, pois maioria dos brasileiros está cansada de falsos profetas e promessas

Passamos pela fase mais aguda da pandemia de covid-19, que já ceifou 615 mil vidas no Brasil, mas ainda enfrentamos tormentas e águas revoltas. O presente envelheceu rápido, trazendo inflação, baixíssimo crescimento econômico, falta de emprego e renda. Trouxe descrença e semeou desesperança. A expectativa de uma vida melhor demora a aparecer no horizonte.

Somos uma nação que em breve completará 200 anos de independência, mas que ainda sofre com problemas de séculos passados. Dentre todos, o pior é a vergonhosa fome. As nossas ruas são um espetáculo desolador de miséria e tristeza. Como seguir adiante? Eu acredito que é preciso coragem. Como ensinou o saudoso Dr. Ulysses Guimarães, navegar é preciso!

E navegar não é só uma licença poética. Longe disso. É preciso materializar soluções para os problemas reais, porque a imensa maioria dos brasileiros está cansada de falsas promessas e de falsos profetas. Não podemos continuar reféns de demagogos, de extrema direita ou de esquerda.

O Brasil não quer mais o velho e ultrapassado “nós contra eles”. A polarização chegou a limites inaceitáveis. Com seus caminhos alternativos, o vírus do negacionismo se alastra. Traz descrença e medo. O povo não sabe em quem acreditar e passa a duvidar da sua maior força: o voto. Nasci no auge da ditadura. Cresci assistindo aos movimentos pró-redemocratização. Foi quando comecei a navegar. E tinha esperança!

Fernando Gabeira - Um passaporte para o absurdo

O Globo

O ano se encerra com mais uma das melancólicas polêmicas entre o negacionismo e a ciência. O tema, estimulado pela variante Ômicron, é a exigência de um passaporte sanitário para a entrada de estrangeiros no Brasil.

Bolsonaro é contra e disse que a Anvisa queria fechar o espaço aéreo brasileiro, uma conclusão absurda diante de um conselho mais que sensato. O ministro da Saúde foi mais longe com sua frase bombástica: “É melhor perder a vida do que a liberdade”.

Não dá para argumentar com pessoas tão fora da realidade. São tão malucos que diziam no princípio que o passaporte sanitário era ruim para a economia.

Acham que os turistas preferem mesmo os lugares onde não há preocupações sérias com a segurança. Supõem que a maioria das pessoas prefere viajar num mesmo avião com passageiros não vacinados e compartilhar hotéis, restaurantes, passeios com esses mártires da liberdade, que, na verdade, preferem morrer a se vacinar.

Demétrio Magnoli - Floyd, branco

O Globo

‘Temos de estar atentos ao discurso da direita. Por que essa gente voltou a convencer uma parcela da sociedade?’, indagou Lula num evento do partido espanhol Podemos, durante sua recente turnê europeia. A pergunta, sábia, tem abrangência internacional. Há, claro, inúmeras respostas não excludentes. Uma delas emerge da constatação de que George Floyd não é, necessariamente, negro.

Em 2020, das 1.021 pessoas mortas pelas polícias dos EUA, 459 eram brancas, 241 negras e 169 hispânicas. Não foi um ano atípico: estatísticas similares repetem-se com regularidade. Contudo contrastam com a percepção de que o uso de força letal pela polícia americana é um problema da minoria negra. Floyds têm todas as cores — e, na sua maioria, são brancos.

Mirtes Cordeiro* - Harald Schistek, um austríaco que aprendeu a conviver com o semiárido

“A Convivência com o semiárido exige igualdade de condições na partilha da vida entre os humanos e os demais seres vivos que habitam o bioma caatinga.” Assim se referia Haroldo, como era conhecido popularmente por homens, mulheres e jovens que praticam a agricultura familiar na região de Juazeiro, na Bahia.

A quinta-feira (09 de dezembro) foi marcada pela morte abrupta de Harald Schistek, nascido em Viena, na Áustria, no dia 13 de janeiro de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial. Radicado no Brasil na década de 70 do século passado, dedicou 45 anos da sua vida a estudar e ensinar como se conviver com o semiárido brasileiro.

Teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, e agrônomo pela Universidade de Agricultura de Viena e pela Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco, na Bahia, escolheu o município de Juazeiro para fazer moradia com Dulce, sua esposa, e Débora, sua filha. Juntamente com o bispo D. José Rodrigues e outros companheiros fundou, em 1990, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPPA), uma ONG que tem como objetivo promover ações “com soluções eficazes, que respeitem as características do povo e das terras da região, descobrir os recursos e as possibilidades existentes, reconhecer que é uma região diferente de outras regiões brasileiras, onde se pode viver bem, convivendo com as diversidades climáticas”. (IRPAA)

O que pensa a mídia - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Constitucionalização da infâmia

O Estado de S. Paulo.

A ideia de que a subversão da ordem jurídica e o abandono da âncora fiscal eram indispensáveis para ajudar os pobres é falsa, e os pobres pagarão por isso

O Congresso promulgou parte da PEC dos Precatórios. Convenientemente, foi deixada de fora a emenda aprovada pelo Senado que vincula os espaços fiscais adicionais exclusivamente a gastos sociais. O heterodoxo “fatiamento” coroa a manobra que nasceu antirrepublicana não só nos meios, como nos fins.

Consolidou-se, não apenas no Planalto e no Congresso, mas em parte da opinião pública, a ideia de que o teto de gastos era um fetiche liberal insustentável. Ironicamente, posicionar-se contra a PEC do presidente que outrora vilanizava sistematicamente os programas de assistência social equivaleria a ser antipobre. Era preciso escolher o mal menor: ou o calote e a pedalada ou o abandono de milhões à miséria. Essa narrativa foi desmentida reiteradas vezes pelos especialistas em contas públicas.

Não é apenas que o governo tenha negligenciado desde o princípio promessas obtusas da campanha que poderiam ter aliviado os pobres ou gerado espaço fiscal, como a implementação de uma tributação mais progressiva ou uma reforma administrativa que tornasse a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. Nem que tenha ignorado propostas parlamentares projetadas para compatibilizar novos gastos sociais com a sustentação do arcabouço fiscal, como a PEC 182/19 ou o Projeto de Lei de Responsabilidade Social.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O Sobrevivente

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)