terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Luiz Werneck Vianna*: O futuro dura muito tempo para chegar

O futuro dura muito tempo para chegar em nosso país, às vezes chega perto, roça mesmo o limiar do horizonte como se aprestasse a aportar, mas recua sem forças de ir em frente sem conseguir se desvencilhar das pesadas correntes que o atam ao passado. Três décadas atrás, com a entrada em cena da Carta de 88 teve-se a sensação que o caminho estava aberto para ele, mas debalde, apetites mórbidos pelo poder, inclusive com origem nos setores subalternos da sociedade, nos conduziram ao desastre da eleição de Collor, do qual nos soubemos livrar sem que tivéssemos aprendido com os equívocos que nos desapartaram da política que nos levaram a derrotar o regime autoritário em 1985. Se antes combinamos os temas e a agenda da democracia política com os da questão social, desde aí a pauta do social passa a dominar com a implícita concepção de que os valores e as instituições democráticas instrumentalmente estariam a seu serviço.

Os efeitos nefastos dessa separação não tardaram a se fazer sentir, especialmente no fosso aberto, a partir da conquista da hegemonia na esquerda pelo PT, entre a memória da política das lutas pela democratização orientadas por amplas alianças e a política levada a cabo pelo PT que desconsiderou os nexos dos temas sociais com o aprofundamento da democracia, especialmente no governo Dilma Roussef. Em equívoco igualmente grave, os governos do PT passaram a conceder primazia à conquista de posições no interior do Estado, em que logo se insinuaram práticas não republicanas na administração pública, em detrimento do seu enraizamento na sociedade civil.

Merval Pereira: Votos (in)úteis

O Globo

Nunca o voto útil terá tanta importância quanto na eleição presidencial do ano que vem. Isso porque serão vários votos úteis, à esquerda e à direita, que podem decidir a votação logo no primeiro turno, a favor do ex-presidente Lula, ou fortalecer o presidente Bolsonaro para que chegue ao segundo turno com mais chances. Ou mesmo substituir Bolsonaro por um candidato da terceira via (no momento o ex-juiz Sergio Moro parece o mais provável nesse caso).

À medida que surge, segundo as pesquisas de opinião, a possibilidade de Lula vir a ser eleito ainda no primeiro turno, abrem-se dois caminhos. No primeiro, o ex-presidente pode assustar os que temem sua vitória e reforçar os candidatos alternativos. Ou os eleitores podem abandonar Moro e outros menos votados no momento para fortalecer Bolsonaro contra Lula. Os que não querem a continuação de Bolsonaro podem, por outro lado, decidir votar em Lula ainda no primeiro turno, para resolver logo a eleição e evitar que o atual presidente tenha chance de vencer no segundo.

Pedro Cafardo: Há algo de bom previsto para a economia em 22?

Valor Econômico

Cenário macroeconômico deve permanecer nebuloso para a maioria, com poucos sinais positivos para o país

O editor de Brasil do Valor, Marcos de Moura e Souza, propôs um desafio ao colunista: que tal uma visão otimista para o novo ano neste último texto de 2021, só uma, em meio à maré de pessimismo prevista em várias frentes da economia?

Desafio aceito, o colunista transferiu a pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de positivo para o ano que começa sábado.

A pergunta foi direta: Poderia fazer previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022? José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal, respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.

Raphael Di Cunto: A vez da agenda de costumes na Câmara

Valor Econômico

Plenário focará em temas que geram comoção popular

Se em 2021 a pauta econômica foi o foco da Câmara dos Deputados, em 2022 os temas setoriais dos deputados e relacionados aos costumes ganharão mais espaço, avisa o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Dois fatores devem provocar isso: o esvaziamento da agenda econômica legislativa do governo e o redirecionamento para assuntos que chamem a atenção dos eleitores e criem “marcas” para os mandatos - porque nem só de “orçamento secreto” se faz uma reeleição.

É uma mudança de foco que também interessa ao governo. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem pouco para mostrar na economia, com as privatizações travando, a inflação disparando e o PIB crescendo pouco. Mas fideliza sua base eleitoral e evita o crescimento da “terceira via” ao fomentar o debate em torno da pauta conservadora de costumes e outras polêmicas.

Paulo Rodrigues Pereira*: “Revolução liberal’, ilusão ou bravata

Valor Econômico

Guedes cumpriu o velho papel de vender sonhos a uma elite econômica desiludida

O debate econômico marcou profundamente o último século da política brasileira. Isso se deu de forma tão acentuada que existiram momentos, raros, em que Ministros da Fazenda foram tão importantes, que acabaram emprestando legitimidade ao Presidente da República. No regime militar, quando mesmo os setores mais conservadores começavam a ver abalada sua fé na ditadura, Delfim Neto usava o seu "milagre" para dar uma sobrevida ao governo dos generais. Até Getúlio Vargas buscou acalmar as elites produtivas no seu governo constitucional, dando a chave do tesouro a Horácio Lafer, um príncipe progressista da indústria paulista que prometia uma conciliação entre desenvolvimentismo e liberalismo. Paulo Guedes entrou nessa seleta lista ao ingressar na "Aventura Bolsonaro", descendo do pedestal de uma posição consolidada no mercado financeiro para endossar uma candidatura, no mínimo, curiosa. Justificou sua escolha, prometendo uma revolução.

A sua tese era simples. Com a redemocratização, o Brasil teria parado de crescer pelo aumento do seu custo de produção, cujo principal fator seria justamente a carga tributária. Dobrado, o custo tributário sugaria recursos da sociedade, a impedindo de investir e crescer. A solução era retomar ao patamar fiscal dos anos 80, reduzindo os tributos a algo perto dos 20% do PIB. Ao ser perguntado como faria isso, Guedes costumava subir o tom e acusava seus entrevistadores de serem pouco ousados, atribuindo, talvez aos jornalistas, as máculas da macroeconomia brasileira. A sua promessa, um pouco abstrata, era de redução dos gastos do governo e dos déficits fiscais com reformas, privatizações e liberalizações de setores da economia. Com um custo menor, os tributos poderiam ser gradativamente reduzidos.

Míriam Leitão: Duas luzes que não se apagam

O Globo

As lutas que o arcebispo sul-africano Desmond Tutu e o biólogo americano Thomas Lovejoy encarnaram continuarão vivas. Os dois morreram neste Natal, deixando uma sensação de luto em quem sonha com um mundo que elimine o racismo, os preconceitos e proteja a biodiversidade. São causas irmãs. Nem sei se algum dia eles se conheceram, mas a última semana do ano começa com essa orfandade dupla. Não há futuro sem o combate às distâncias sociais entre pretos, brancos e indígenas que compõem a multiétnica nação brasileira. Não há futuro sem a proteção ambiental principalmente da Amazônia. Então Desmond Tutu e Thomas Lovejoy permanecerão como inspiração de lutas vivas.

Zuenir Ventura: A vez das crianças

O Globo

No domingo passado, ao comentar em sua coluna a crise na Receita Federal, onde centenas de auditores entregaram seus cargos de direção, Míriam Leitão relatou o clima de “indignação” e citou alguns exemplos do “plano de demolição” de Bolsonaro imposto a outras áreas, como Ibama, ICMbio, Iphan, Funai, Fundação Palmares, Ministério da Educação. A essa lista, eu acrescentaria a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Quem tinha dúvidas sobre as segundas intenções de Bolsonaro ao pressionar para que se publicasse o nome de servidores da Anvisa que aprovaram a imunização de crianças entre 5 e 11 anos perdeu a inocência ao tomar conhecimento de que as ameaças de violência e até de morte foram tantas que a agência teve de pedir proteção policial aos ameaçados. A situação chegou a tal ponto que o diretor-presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres, confessou em entrevista a Melissa Duarte, aqui no GLOBO: “Temo pelos servidores da Anvisa”. Ele ressalvava que, por mais que haja um esquema de proteção, “quem está nas pequenas cidades ou nos aeroportos com colete da Anvisa é alvo fácil”. Segundo ele, já há “mais de 170 ameaças compiladas”.

Hélio Schwartsman: O que Bolsonaro pensa da vacina?

Folha de S. Paulo

Candidatos a presidente deveriam passar pelo psicotécnico

O que o presidente Jair Bolsonaro pensa da vacinação contra a Covid-19? Há evidências de que ele não é exatamente um fã dos imunizantes. Algumas de suas declarações sobre vacinas ganharam lugar de destaque no bestialógico nacional. "Se você virar jacaré, é problema seu". "Se crescer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles [Pfizer] não têm nada com isso".

O presidente, porém, não é consistente em sua insensatez. Houve momentos em que ele tentou tomar para si o crédito pela vacinação. Especialmente em março, o mandatário e seus filhos ensaiaram uma mudança de discurso pela qual o Brasil seria, graças aos esforços do governo federal, o país que mais vacinava no mundo. Essa inflexão, contudo, não foi para a frente. Imagino que as revelações da CPI da Covid, instalada em abril, tenham tornado a narrativa insustentável.

Cristina Serra: Orçamento da fome

Folha de S. Paulo

Mais da metade da população (117 milhões) não consegue comer o que precisa

O Orçamento de 2022, recentemente aprovado, mostra como o Brasil está do avesso. O fundo eleitoral é uma obscenidade de R$ 4,9 bilhões e o aumento salarial de apenas três categorias de servidores (PF, PRF e Departamento Penitenciário), de interesse pessoal de Bolsonaro, mordeu R$ 1,7 bilhão do "meu, do seu, do nosso" dinheiro.

Duas reportagens desta Folha também ilustram o desatino da inversão de prioridades com o dinheiro do contribuinte. Ana Luiza Albuquerque revelou que 13 motociatas do genocida, para apregoar o golpismo, levaram R$ 5 milhões dos cofres públicos. E Constança Rezende mostrou que o Ministério da Defesa usou dinheiro de combate à Covid para comprar filé mignon, picanha, bacalhau, camarão, salmão e bebidas. O cardápio de luxo para os fardados custou R$ 535 mil.

Joel Pinheiro da Fonseca: Morte por politização

Folha de S. Paulo

É sempre positivo lembrar que a vida tem muito mais do que política

2022 será violento. Bolsonaro fará o que for preciso para se manter no poder. E se os números nas pesquisas não melhorarem, ficará cada vez mais desesperado.

De uma forma ou de outra, todos seremos dragados por essa disputa, que pode separar amigos, parentes, colegas de trabalho e até namorados. Cresce o número de pessoas que não vão para a cama com alguém sem antes saber direitinho em quem a pessoa votou em 2018 e como pretende votar em 22.

O filósofo político Robert Talisse vem acompanhando esse fenômeno e vê razões para nos preocuparmos. É o que ele argumenta em "Overdoing Democracy" (Oxford University Press, 2019, ainda sem tradução), lançado pouco antes da pandemia, mas cujos pontos centrais se tornaram mais fortes desde então.

Carlos Andreazza: Matou o Orçamento e foi às férias

O Globo

Pouco haverá de mais constrangedor do que o ministro da Economia plantando que trabalhou e trabalha ainda por resistir, mui inconformado, ao assalto patrimonialista contra o Orçamento; isso enquanto todas as suas gestões de defesa fiscalista — se fossem reais — fracassam, e ele, mui contrariado, reage evadindo-se em férias.

Talvez seja uma modalidade liberal de protesto. Mata o Orçamento e vai às férias. Passeio que antecedeu a carga de outras corporações por aumento salarial a partir da concessão de reajuste, negociada por Paulo Guedes, a policiais federais, policiais rodoviários federais etc. Mas ele, aborrecido, viajou. Loteou o Orçamento — operador na partilha — e foi esfriar a cabeça.

Lembremos essa parte do teatro — mais um ato em que o bode aboletou-se na sala. Bolsonaro, nalguma ditadura árabe, prometendo aumento a todo o funcionalismo federal. Então a sociedade, sacrificada sob a peste, protestou, Guedes difundindo seus incômodos — e logo o presidente a recuar, tirando o bicho do cômodo, para chegar ao lugar pretendido. Reajuste apenas para as categorias que compõem a base social bolsonarista.

Eliane Cantanhêde: Totalmente irracional

O Estado de S. Paulo.

Nem o Ministério da Saúde suporta mais o negacionismo do presidente Bolsonaro

A pergunta que não quer calar é por que, raios, o presidente Jair Bolsonaro mantém a obsessão em combater o combate à pandemia de covid 19, voltando suas baterias no finalzinho do ano contra o passaporte de vacina e a imunização de crianças de 5 a 11 anos. Todo mundo sabe o quanto o Brasil perde com isso, mas ninguém, ou ninguém em sã consciência, consegue entender o que ele ganha com isso. É um jogo de perde-perde.

O País, Estados, municípios, Supremo, Anvisa, a ciência, a medicina e a opinião pública andam para um lado, Bolsonaro anda para o outro com sua legião de negacionistas e o dr. Marcelo Queiroga, que encarna o espírito do general da ativa Eduardo Pazuello.

A pandemia vai cedendo, com o índice de totalmente vacinados chegando a 70% e com a correspondente queda de internações e mortes, mas a covid, suas variantes e a danada da Ômicron ainda estão no ar. Não é hora para brincadeira.

Em todo o mundo civilizado foram retomadas medidas da fase aguda e implementadas novas, como a terceira dose, o passaporte de vacinas e a imunização de crianças, para protegê-las e conter o ciclo de contaminação. Aqui, a guerra é para driblar Bolsonaro, que nem tomou a primeira dose e está obcecado em impedir o comprovante de vacinas e que as crianças se protejam.

Como achar normal o presidente exigir a lista dos técnicos da Anvisa que autorizaram a vacinação para os pequenos? E o ministro da Saúde inventar consulta pública e exigência de receita médica? Até os médicos da pasta não suportam mais, como mostra o parecer a favor da Anvisa e da vacina para crianças e contra o ministro e o presidente.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O pior corporativismo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro favorece militares e policiais, mas sem respeitar o serviço público

Em sua carreira parlamentar, Jair Bolsonaro foi um líder sindical de militares e policiais. Em seu mandato como presidente, procurou intervir nas Forças Armadas e na Polícia Federal, o que ficou evidente em atritos de motivação política indevida e em decorrentes trocas de comando nessas instituições.

Não deixou, no Planalto, de ser representante dos interesses dessas corporações —que, no entanto, tenta aliciar ou subjugar.

Esse jogo entre mandonismo e militância explica o desejo presidencial de conceder benefícios salariais para a PF —Bolsonaro se empenhou em conseguir recursos para tanto no Orçamento de 2022, oficialmente solicitados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Não se sustenta a leitura de que tal benesse tenha motivação eleitoral, uma vez que as categorias favorecidas somam poucos milhares de integrantes. O mandatário quer, o que é pior, a fidelidade de boa parte da tropa, por motivos entre obscuros e espúrios.

Poesia | Mário Quintana: Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…