quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Merval Pereira: Bolsonaro ajuda Lula

O Globo

A insensibilidade do presidente Bolsonaro diante do sofrimento alheio, quando ele é difuso, é sinal de que é incapaz de compreender o alcance do papel de um presidente da República, que chegou aonde chegou pelo voto dos cidadãos, e não por escolha divina. Bolsonaro é capaz de comover-se com a morte de um rapper conhecido por fazer “funk de direita” ou de um militar no exercício de sua função, mas é incapaz de homenagear um grande artista nacional que seja de esquerda ou simplesmente adversário de sua maneira de ver o mundo.

Para ele, existem apenas os que são seus apoiadores ou os adversários, não há brasileiros como coletividade, todos os que deveriam estar representados por ele como presidente. Não viajar para a Bahia diante da catastrófica inundação que deixou milhares de desabrigados e mais de 20 mortos, para passear de jet ski no sul do país, é mais um desses episódios que demarcam sua psicótica personalidade. “Espero não ter que voltar mais cedo”, comentou, na esperança de não interromper suas férias.

Malu Gaspar: Bolsonaro e a tutela do Centrão

O Globo

Quando 2021 começou, o ministro Paulo Guedes dizia que a economia brasileira estava iniciando uma recuperação “em V”. Jair Bolsonaro foi na contramão: “O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda…. Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos. Essa mídia sem caráter”.

Guedes tentou contemporizar (em relação às finanças, e não à mídia, claro). Disse que o presidente estava se referindo apenas ao setor público, em situação difícil depois dos “excessos de gastos cometidos pelos governos anteriores”. E, procurando se mostrar no controle da situação, garantiu que o auxílio emergencial só seria prorrogado se fosse possível manter o teto de gastos e que não haveria reajustes aos servidores públicos.

Numa coisa, porém, o presidente e o ministro concordavam: era preciso derrubar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia tinha aprovado a reforma da Previdência que o governo queria, mas Guedes achava que ele boicotava as privatizações e a reforma tributária. Se tivessem um amigo no controle, pensavam presidente e ministro, o governo decolaria.

Luiz Carlos Azedo: Para a maioria dos brasileiros, o ano não quer acabar

Correio Braziliense

Para o governo federal, tudo parece normal. Todos os anos, em algum lugar do Brasil, a tragédia se repete, sem que se tenha um plano para socorrer as vítimas das chuvas

O presidente Jair Bolsonaro encerrou seu expediente no fim de semana antes do Natal, porém, para a maioria dos brasileiros, parece que 2021 é um ano que não quer acabar. Aquele ditado “ano novo, vida nova” não é bem o nosso caso. As principais mazelas de 2021 não estão ficando para trás. Na prática, 2022 promete ser um ano muito difícil, duro, e brevíssimo, porque só começará a fazer a diferença quando a situação sanitária do país se normalizar. A propósito, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para agradar ao presidente da República, faz tudo que pode para impedir que isso ocorra, haja vista, por exemplo, a omissão diante da epidemia de H3N2 (Influenza) e a sabotagem aberta à campanha de vacinação de crianças contra a covid-19.

De origem europeia, nosso calendário civil é utilizado oficialmente pela maioria dos países. Promulgado pelo Papa Gregório XIII [1] (1502-1585), em 24 de fevereiro de 1582, na bula Inter gravíssimas, substituiu o calendário juliano, decretado pelo imperador romano Júlio César (100-44 a.C.), em 46 a.C. Entretanto, em 2022, o calendário que realmente fará a diferença é o eleitoral. Em 2 de outubro, escolheremos o presidente da República, os governadores, os senadores e deputados federais, e estaduais e distritais. Eventual segundo turno para presidente e governadores poderá ocorrer em 30 de outubro.

Cláudio Gonçalves Couto*: O presidente sem compaixão

Valor Econômico

Age como tirano o governante que persiste em se divertir em vez de compadecer e cuidar de seus governados que sofrem

Nos últimos dias causa perplexidade a indiferença com que o presidente da República lida com o desastre das inundações no sul da Bahia e norte de Minas. Enquanto seus governados padecem sob as águas, Jair Bolsonaro farreia sobre elas, no Guarujá ou em Santa Catarina.

A catástrofe ambiental que flagela milhares, destruindo casas e bens, ceifando vidas e arruinando a já precária infraestrutura local, é insuficiente para comover o presidente, que frui de aprazível folga à beira-mar como se nada de grave acontecesse no país que ele pretensamente governa. Questionado por um adulador sobre sua permanência até o fim de semana do Ano Novo, retorquiu reveladoramente: “Espero que não tenha que retornar antes”.

Cristiano Romero: A contribuição de cada presidente à estabilidade

Valor Econômico

Sarney e Collor, os mais atacados, contribuíram para a estabilidade

Daqui a nove meses, será realizada a nona eleição direta para presidente da República no Brasil, decorridos 37 anos do fim do regime militar. O pleito ocorrerá em meio à forte polarização que vem caracterizando a política nacional desde o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e que se acirrou com a reeleição de Dilma Rousseff em 2014 e a ascensão de Jair Bolsonaro, em 2018. É bem provável que a disputa transcorra num ambiente de grande instabilidade.

Depois de ter a ordem institucional interrompida em 1964, quando, apoiados por civis interessados em tomar atalhos para chegar ao poder, chefes militares derrubaram o presidente João Goulart num contexto de grave crise econômica, o Brasil custou a reconquistar a estabilidade política. O poder só foi devolvido aos civis 21 anos depois e, mesmo assim, por meio de eleição indireta realizada pelo Congresso.

William Waack: Legados de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

O pior governo da história recente criou involuntariamente alguma esperança

Em 2021 consolidaram-se importantes legados de Jair Bolsonaro para 2022. Nenhum o favorece – e alguns serão dor de cabeça para quem lhe suceder.

Setores privados da economia empreenderam ações políticas e conseguiram defender em parte as visões de modernização do País em linha com grandes transformações internacionais. É assim que obtiveram as demissões, no começo do ano, dos ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Eles eram péssimos para os negócios, para dizer o mínimo.

Ganhou corpo nesse processo uma inédita coligação de instituições financeiras internacionais e nacionais, da agroindústria e da própria indústria. Criaram-se várias instâncias de articulação (formais e informais) que terão peso nas escolhas dos próximos governantes. Bolsonaro conseguiu a “proeza” de rachar internamente vários desses segmentos que o apoiaram em 2018. Não tem mais como colar os cacos dos cristais quebrados.

Bruno Boghossian: A terceira via e o eleitor do partido nulo

Folha de S. Paulo

'Nulistas' convictos e outros grupos que não querem votar em Lula ou Bolsonaro no 2º turno

João Amoêdo votou em Jair Bolsonaro no segundo turno de 2018, convencido de que ele seria "um presidente muito ruim". O empresário diz agora que o governo conseguiu ser ainda pior do que ele imaginava. Numa entrevista à Folha, o ex-presidenciável afirmou que não vai repetir a escolha no ano que vem, mas também se recusa a votar em Lula para derrotar Bolsonaro.

O fundador do partido Novo é um exemplar do eleitor arrependido que rejeita Bolsonaro e está em busca de um candidato alternativo para 2022. Pessimista com a tal terceira via, ele reedita a falsa equivalência que fez sucesso na última disputa e diz que prefere votar nulo se o segundo turno for um confronto entre o atual presidente e o PT.

Míriam Leitão: Um líder morto e o ano indígena

O Globo

Piraíma’á subiu numa árvore bem alta para caçar e de lá despencou. Uma queda acidental. Ainda falou algumas palavras, antes de morrer. O fato ocorreu no domingo, 26. Tinha, segundo Patriolino, um funcionário da Funai, 48 anos. Piraí, como era conhecido, era líder do povo guajá na aldeia Juriti, na Terra Indígena Caru, no Maranhão. Quando estive lá com o fotógrafo Sebastião Salgado, foi o que falou de forma mais eloquente do que todos os outros sobre os riscos do desmatamento.

As horas finais antes do seu enterro, na segunda-feira, mostram a dureza do cotidiano indígena. Os que o acompanhavam andaram até a aldeia, chegando lá às seis da tarde. Foram buscar reforços e avisar à Funai. Voltaram andando pela mata na enorme distância até o local onde ele havia caído. De lá trouxeram o corpo, chegando a uma da manhã. Quem me contou tudo isso foi Salgado, repassando áudio do amigo Agostinho de Carvalho:

Thiago Amparo: Em 2022, Bolsonaro preso

Folha de S. Paulo

A resolução para o próximo ano deste país deve ser para que isso ocorra

Democracia, como o Ano-Novo, é uma ficção, deliciosamente posta em prática com um punhado de devaneio e outro de esperança. Que o virar do calendário traga consigo a responsabilidade de quem, em 2021, deveria ter sido preso —se a Procuradoria-Geral da República descesse do poste de onde assiste a tudo e se o Congresso parasse de monetizar vidas em bilhões para autorizar investigação, seja por crime de responsabilidade, seja comum, ou ambos.

Janeiro, 2021, Bolsonaro no dia em que mais pessoas morreram em Manaus: "A hidroxicloroquina, a azitromicina, ivermectina, a Anitta, zinco, vitamina D têm dado certo". Fevereiro: "Começam a aparecer os efeitos colaterais das máscaras". Março. "Chega de frescura, de mimimi, vão ficar chorando até quando?". Abril: "Não vai ter lockdown". Maio: "Tem uns idiotas aí, o 'fique em casa'". Junho: o escândalo de suspeita de corrupção na compra de vacina.

Conrado Hübner Mendes*: PGR 2021: retrospectiva da omissão

Folha de S. Paulo

Vendeu 'descriminalização' da política, entregou impunidade de delinquentes públicos

Protagonista da CPI da Covid e pré-candidata à Presidência, a senadora Simone Tebet viu seu pai se fazer prefeito, governador e senador. Ingenuidade não explica que, no Natal de 2021, declare: "Ninguém imaginava que Bolsonaro poderia namorar o autoritarismo ou ameaçar instituições democráticas".

Somente dois cientistas políticos e meio sustentaram a tese do "risco zero" com sinceridade enquanto Jair prometia enviar gente para a "ponta da praia".

Tebet aprovou indicação de André Mendonça ao STF. Resignação talvez explique voto "não pelo seu passado, mas pelo que espero que faça no futuro, um voto de confiança".

"Passar borracha" num passado recheado de violência permitiu a ela confiar em Bolsonaro. No futuro poderá dizer "ninguém imaginava que Mendonça poderia namorar o fundamentalismo contra a autonomia das mulheres e a diversidade".

Celso Ming: O excesso e as consequências

O Estado de S. Paulo.

No século 4º antes de Cristo, os sete sábios da Grécia Antiga foram convocados ao santuário de Delfos para escolher as duas frases que sintetizassem o pensamento helênico e fossem inscritas nos frontispícios do templo de Apolo. E foram elas: “conheça-te a ti mesmo” (gnote se autón) e “nada em excesso” (medén agán).

Um princípio depende do outro, porque para saber onde começa a hybris, ou seja, onde começa o excesso, é preciso primeiro conhecer a natureza de si mesmo. Quem passa dos limites enfrenta inevitavelmente as consequências. Quem come demais, enfrenta a obesidade, assim como quem come de menos, outro excesso, acaba sendo vítima da anorexia. Quem demora demais para agir chega atrasado – ou não chega.

São verdades que valem não apenas para cada pessoa, mas, também, para as sociedades. A decadência de Atenas começou quando a soberba tomou conta da cidade, alimentou a ambição de conquistar o mundo em volta dela e induziu as elites a dar passos maiores que suas pernas. Os impérios desabam quando conquistam mais do que podem administrar.

Eugênio Bucci*: Filme escancara o mal que ataca a civilização

O Estado de S. Paulo.

O filme ‘Não olhe para cima’ é um diagnóstico ferino do mal que vem comendo por dentro aquilo que já chamamos de civilização

O Estado se ajoelha para o capital e ainda abana o rabinho. A ciência, para se fazer ouvir, precisa enviar representantes aos programas de celebridades na televisão, onde disputa espaço com o sensacionalismo mais torpe e as frivolidades mais fúteis. A política perdeu os laços que um dia teve com o argumento racional; agora, se quiser alcançar o público, tem de contratar cantores beócios, ainda que afinados, e empacotar sua mensagem em versos lacrimosos e melodias previsíveis. Assim caminha a humanidade – para a extinção.

Em poucas palavras, este é o recado essencial do filme Não olhe para cima, dirigido por Adam Mckay, em cartaz no Netflix. Estamos falando, aqui, do assunto mais momentoso das festas de final de ano. Nestes tempos de amortecimento dos sentidos cívicos, as pessoas se entretêm umas às outras “postando” comentários sobre a superprodução. Trata-se de uma febre natalina, mais contagiosa que outras febres, para as quais a sociedade resolver fechar os olhos de uma vez.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Lava Jato, 2014-2021

Folha de S. Paulo

Entre decisões do STF e conveniência de Bolsonaro, operação merecia final melhor

A frase do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) sobre fazer um pacto para "estancar a sangria" da Operação Lava Jato, de 2016, rende até hoje má fama ao Legislativo.

Jucá, afinal, era o protótipo do parlamentar bem instalado nos esquemas de poder em governos de qualquer matiz ideológico. A sangria foi efetivamente estancada, e a Lava Jato, se não está morta, encontra-se em coma profundo.

O Legislativo, entretanto, não é o principal responsável por isso, ainda que parlamentares possam ter participado de articulações contra a operação, iniciada em 2014.

No plano objetivo dos projetos aprovados e rejeitados, a atuação do Congresso nessa seara pode ser descrita como bastante adequada. Os parlamentares modernizaram a legislação sobre abuso de autoridade, o que era uma necessidade real e antiga, e derrubaram os excessos da proposta anticrime do ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro.

O principal responsável pela cauterização generalizada, por bons e maus motivos, é o Supremo Tribunal Federal —com a contribuição espúria de Jair Bolsonaro, que tratou de proteger os seus e nomeou um procurador-geral amigável.

Não há como afirmar que a reação do STF tenha sido imotivada. As conversas vazadas entre Moro e procuradores mostraram abusos que necessitavam de respostas jurídicas. Exposta a parcialidade do magistrado, justificou-se a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Poesia | Manuel Bandeira: Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,

O vento varria os frutos,

O vento varria as flores...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De frutos, de flores, de folhas.

 

O vento varria as luzes,

O vento varria as músicas,

O vento varria os aromas...

E a minha vida ficava



Cada vez mais cheia

De aromas, de estrelas, de cânticos.

 

O vento varria os sonhos

E varria as amizades...

O vento varria as mulheres...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De afetos e de mulheres.

 

O vento varria os meses

E varria os teus sorrisos...

O vento varria tudo!

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De tudo.

 

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.