sábado, 26 de março de 2022

Marco Aurélio Nogueira*: Um mundo que treme

O Estado de S. Paulo

O ‘inesperado’ bate às portas de todas as sociedades, nesta época de aceleração, apetites desmesurados, intenções ocultas e desespero nacionalista

Quando se pensava que ingressávamos numa fase mais amena, com a pandemia arrefecendo, eis que o mundo é sacudido por processos traumáticos, a indicar que ainda há muito que caminhar.

Podemos sempre “esperar o inesperado”, escreveu Thomas Friedman. Na vida, na economia, na política e nas relações internacionais. Uma guerra, portanto, como a que envolve Rússia e Ucrânia, precisa ser vista a frio, por mais repulsiva que seja.

Guerras caminham na contramão da civilização, mas fazem parte da história humana, que sempre se afirmou escorrendo sangue e sujeira por todos os poros. Hoje em dia, atingimos níveis elevados de civilidade, mas os guerreiros estão em campo. Não é somente Putin, com seu desejo incontido de poder e revanche, mas outros tantos, de maior ou menor relevância. A Otan não é uma aliança para defender os “valores ocidentais”, mas uma máquina de guerra, que compõe um quadro em que o alegado propósito defensivista fomenta reações agressivas. Todos cobiçam a Ucrânia por seu valor estratégico.

Não temos confrontos totais, mas guerras localizadas, escaramuças militares, arrogâncias nacionalistas, propensões à violência e à conquista, formando uma espiral que faz o mundo tremer a cada dia. Não há, como antes, uma guerra fria produzindo equilíbrios e contenções. O sistema internacional não tem um eixo claro: ele é multipolar, mas imperfeito, carente de padrões e centros de regulação.

Não há heróis e bandidos claramente definidos. Putin é um autoritário assumido, disposto a formar um império eurasiático, indiferente a vítimas e estragos. Zelensky, que governava a Ucrânia sem maior destaque, ganhou estatura e constrói uma imagem: fala o que é conveniente para os EUA e para a Alemanha, está sabendo criar empatia com os ucranianos. Joga o jogo, nem tudo nele é resistência patriótica. E há os norte-americanos, os europeus, os chineses, com suas diferenças e seus interesses. Todos querem ganhar, ou não perder. Disputas por hegemonia assopram o fogo.

Toda guerra é drama e tragédia, mortes, destruição, perdas. Não é diferente com a atual, cujas determinações poderiam ter sido processadas de outro modo. A guerra de Putin acentua as dificuldades da globalização. Força os Estados a cuidarem mais de si mesmos, a se voltarem para dentro, a se protegerem. O comércio internacional mergulha na incerteza. Os governos precisam incrementar suas habilidades de gestão, sua capacidade de coesão, suas políticas e suas interações internacionais.

Bolívar Lamounier*: Um alerta oportuno e necessário

O Estado de S. Paulo.

Os problemas que têm dificultado a retomada do crescimento e a criação de empregos configuram um quadro de riscos crescentes

Como se não bastassem a pandemia, a crise econômica e uma eleição presidencial que se afigura problemática, estamos há um mês vivendo a agonia de uma guerra alucinada, decorrente da agressão da Rússia à Ucrânia.

A pandemia, em particular, teve o efeito de entorpecer nossa sociedade, e nem poderia ser diferente, em razão do caráter altamente transmissível da covid-19. Penso que a guerra acabará causando um efeito semelhante, quiçá pior, por seu impacto na economia mundial e, queira Deus que não, pela ampliação da beligerância. Mas o destino não nos concede a opção de ficarmos sentados chorando. Temos de sair do marasmo e pensar em nosso país, em nosso futuro, externando nossas preocupações e mobilizando a sociedade para o debate.

Esta semana a Academia Paulista de Letras divulgou um alerta oportuno e necessário, pondo em relevo as debilidades que há muitos anos se vêm acumulando. Intitulado Brasil, País Vulnerável, o documento destaca com veemência as vulnerabilidades de nosso país em diversas áreas estratégicas. Tal manifestação tem a chancela da instituição, contando, pois, com o consenso de todos os acadêmicos. Não farei, aqui, um comentário rente ao texto, mas à margem dele, ressaltando alguns pontos sobre os quais tenho me manifestado individualmente.

Oscar Vilhena Vieira*: Como se não houvesse amanhã

Folha de S. Paulo

O governo federal colocou em prática a estratégia de subverter o sistema brasileiro de proteção ambiental por meio de 'reformas infralegais'

Constituição de 1988 assegurou a todos o "direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado... impondo ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", antecipando de forma premonitória as ameaças impostas pela crise climática que hoje constitui um dos principais desafios para a humanidade.

Em atendimento a esse verdadeiro pacto intergeracional estabelecido pelo artigo 225 da Constituição Federal, o Brasil adotou em 2004 um Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento na Amazônia Legal, que foi consolidado pela lei 12.187, de 2009. A implementação desse plano contribuiu de maneira efetiva para a redução de 83% do desmatamento na Amazônia Legal, entre 2004 e 2012, contrariando interesses de grileiros, madeireiros, garimpeiros ilegais e de setores envolvidos em projetos agrícolas insustentáveis.

João Gabriel de Lima*: Para evitar a destruição do futuro


O Estado de S. Paulo.

Movimentos como o Sunrise não se limitam a protestar. Pautam discussões e influenciam leis

Eles se hospedam em Airbnbs e se movem nos corredores do Capitólio. Inspiram-se no passado – o movimento dos direitos civis – e usam ferramentas do presente: bancos de dados, aplicativos e redes sociais. Em reportagem recente, a revista The New Yorker saudou o movimento Sunrise, formado por jovens ativistas, como o novo padrão de ambientalismo na era digital.

Nada pode ser mais danoso à democracia que o sentimento de que todos os políticos são mentirosos e eleições não servem para nada, conforme observou o jornalista Eugênio Bucci em artigo publicado nesta semana no Estadão. Movimentos como o Sunrise valorizam a prática democrática. Eles não se limitam a protestar e angariar adeptos. Buscam aliados entre os representantes eleitos, pautam discussões no Congresso e influenciam leis.

Hélio Schwartsman: Apostando na inflação

Folha de S. Paulo

Derrotar um político que concorre à reeleição nunca é fácil

"Hýbris", o termo grego para "soberba", é um troço complicado. Há pouco, petistas mais entusiasmados falavam numa vitória de Lula já no primeiro turno. A pesquisa Datafolha divulgada esta semana, que mostra uma redução da vantagem do petista sobre Bolsonaro, serve para injetar um pouco de realidade nas mentes mais exaltadas.

Derrotar um político que concorre à reeleição nunca é fácil. A taxa de sucesso na recondução de governantes ao cargo é da ordem de 80%, considerada uma base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio. Se quisermos ser mais específicos, o quadro fica ainda mais desafiador. Desde a redemocratização, 100% dos presidentes brasileiros que tentaram a reeleição a obtiveram. Verdade que o N é pequeno, apenas três: FHC, Lula, Dilma.

Cristina Serra: 'Os amigos do pastor Gilmar'

Folha de S. Paulo

É a eles que Milton Ribeiro empenhava-se em atender, como Bolsonaro determinara

Dois dos ministérios de maior alcance social, Educação e Saúde, são os mais prejudicados no desgoverno Bolsonaro por uma combinação perversa de trambicagem político-religiosa, corrupção em grande escala e incompetência na gestão de políticas públicas.

As duas pastas estão no quarto titular. Pela Saúde passaram Mandetta, o cometa Teich, o capacho Eduardo "um manda, outro obedece" Pazuello e hoje é ocupada pelo sonegador de vacina para crianças, Marcelo Queiroga.

A Educação estreou com o despreparado Ricardo Vélez Rodríguez e foi rebaixada com o fugitivo Abraham Weintraub. Carlos Decotelli mentiu sobre o currículo e não pôde assumir. Assim chegamos a Milton Ribeiro, aos pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura e aos amigos de ambos, a quem o ministro, pressuroso, empenhava-se em atender, como Bolsonaro determinara.

Alvaro Costa e Silva: Corrupção escancarada

Folha de S. Paulo

Confiante no poder dos pastores, Bolsonaro não liga para o azar nem para a Educação

A cara de espanto do mito foi qualquer nota. Era março de 2020, quando a pandemia começava a mudar o mundo, e ele não estava nem aí, negando a gravidade da situação em conversa com a seita em frente ao Alvorada. Eis que um imigrante haitiano começou a falar: "Bolsonaro, acabou. Você não é presidente mais. Precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros".

Esta última era uma profecia fácil. Mas o jeito de Bolsonaro se comportar —incomodado, olhos baixos, mãos entrelaçadas na cintura— suscitou a esperança entre seus adversários de que aquele homem fosse o mensageiro de uma maldição às avessas, a qual impedisse o destino trágico do país: fome, inflação, desemprego, destruição ambiental, aparelhamento das instituições, orçamento secreto, corrupção. Sim, corrupção, cada vez mais escancarada.

Demétrio Magnoli: Sob um guarda-chuva nuclear

Folha de S. Paulo

Sem este fator, Putin provavelmente teria sido derrotado

Quando deflagrou a invasão da Ucrânia, Putin imaginava uma cavalgada triunfante das forças russas até Kiev. Seu colossal erro de cálculo transformou a operação de conquista numa amarga guerra de atrito conduzida à sombra do arsenal nuclear da Rússia.

Sem o fator nuclear, Putin provavelmente teria experimentado uma derrota humilhante no teatro de guerra. À luz do fracasso da ofensiva inicial russa, a Otan atenderia aos apelos de Zelensky, impondo uma zona de restrição aérea sobre a Ucrânia.

Mísseis e aviões da aliança destruiriam, num intervalo de dias, os sistemas de radar e as baterias antiaéreas das forças invasoras. Na sequência, o efetivo aéreo da Otan lançaria uma campanha de patrulha dos ares, neutralizando os aviões russos. Então, ao que tudo indica, os ucranianos repeliriam, em terra, os incompetentes invasores.

Ascânio Seleme: Símbolos e fatos eleitorais

O Globo

Para ganhar eleição, é preciso que o discurso aponte para a mesma direção que o símbolo adotado

Geraldo Alckmin pode não agregar muitos votos, mas certamente transfere confiança a uma chapa liderada por Lula. Seu papel significa muito mais uma direção, uma declaração de princípios do PT e de seu candidato a presidente. Serve como símbolo em favor da estabilidade, do entendimento e, sobretudo, da democracia. Do outro lado, a presença do general Braga Netto na parceria com o presidente Jair Bolsonaro também é um símbolo, mas de sinal trocado. Sua presença na cédula eleitoral é a garantia de recrudescimento no caso da renovação do mandato de um governo já truculento.

Claro que símbolos apenas não ganham eleição. Alckmin pode virar apenas um vice decorativo, como Hamilton Mourão, sob Bolsonaro, ou Michel Temer, com Dilma Rousseff. Pode também ser um novo José Alencar, o vice de Lula que tinha voz e cargo no governo, sendo ministro da Defesa por quase dois anos. Mas, para ganhar eleição, é preciso também que o discurso aponte para a mesma direção que o símbolo adotado. No caso de Lula, que certamente já tem e não perderá os votos do eleitorado de esquerda, é preciso falar também a linguagem de Alckmin, que não é de direita, mas de centro. Tarefa que tem sido difícil para o candidato do PT, que enfrenta resistências dentro do seu partido.

Pablo Ortellado: Não existe censura do bem

O Globo

Em outubro de 2020, em plena campanha eleitoral americana, uma reportagem do jornal New York Post sugerindo que o filho de Joe Biden fazia tráfico de influência na Ucrânia foi impedida de ser compartilhada no Twitter e sua distribuição foi reduzida no Facebook. A reportagem se baseava em e-mails encontrados num laptop de Hunter Biden, que havia sido deixado para conserto e não foi buscado de volta.

A reportagem foi considerada sem respaldo em fatos e, por isso, sua difusão foi bloqueada nas mídias sociais. Agora, mais de um ano depois, o New York Times, o mais prestigioso jornal americano, reconheceu a autenticidade dos e-mails do filho do presidente. Com esse reconhecimento, ficou evidente a arbitrariedade das plataformas, cuja ação pode ter surtido efeitos eleitorais.

Mais recentemente, outras medidas questionáveis tomadas pelas plataformas no contexto da guerra na Ucrânia mostram que elas têm usado com muita discricionariedade seu poder de moderação, em desrespeito ao princípio da neutralidade. Não importa se a parte prejudicada — Trump ou Rússia — é boa ou ruim. Supressão de ideias no debate público, em desrespeito às regras, é censura, censura privada. E não existe censura do bem.

Carlos Alberto Sardenberg: Roubaram ou não roubaram?

O Globo

A Lava-Jato, embora tenha sido liquidada por uma manobra jurídica e política, voltará à cena nas próximas eleições. Primeiro, porque seus principais nomes, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, disputarão votos. Segundo, porque políticos condenados cujos processos foram cancelados, Lula à frente, também estarão nas urnas.

E quer saber? Será um bom momento. Haverá, é claro, um debate jurídico sobre o modo de atuação da Lava-Jato, mas também dos tribunais que anularam os processos. Isso é importante, mas não parece um tema que desperte as paixões do público.

Desconfio, entretanto, que restará uma questão central, esta sim de fácil entendimento: roubaram ou não roubaram? Houve ou não a construção de um sistema de assalto à Petrobras, em particular, e aos governos, em geral?

O primeiro debate favorece os condenados e ex-condenados. Estes poderão apresentar decisões jurídicas de várias instâncias, inclusive do Supremo, tornando nulas as sentenças emitidas pela Lava-Jato. Aqui está o terreno dos garantistas, do grupo de advogados dos réus, o Prerrogativas, derrotados nos primeiros momentos, vitoriosos ao final. E vitoriosos ao velho estilo: adiando, procrastinando, embananando os processos.

Dora Kramer: Perdas e ganhos

Revista Veja

Lula lucra no cenário local mais importante enquanto reserva a Alckmin papel secundário na cena nacional

Praticamente firmada a improvável aliança entre Luiz Inácio da Silva e Geraldo Alckmin, fica a pergunta sobre o que ganham esses até outro dia severos adversários ao se juntarem numa chapa para concorrer à Presidência da República. Dúvida pertinente para a qual não há respostas definitivas.

Podemos, no entanto, nos aventurar pelo nem sempre seguro terreno da especulação com base nas trajetórias, força política, representatividade, peso eleitoral e ambições de um e de outro.

Na perspectiva do resultado eleitoral de 2018, Geraldo Alckmin é um perdedor. Chegou com menos de 5% ao primeiro turno do certame presidencial depois de ter sido quatro vezes governador de São Paulo. O passado recente, portanto, não lhe sorri. O presente tampouco se desenha como garantia de êxito futuro.

Figura importante no PSDB, pelo qual concorreu duas vezes a presidente, ele saiu do partido no fim do ano passado vendo seus correligionários praticamente lhe pagarem o táxi de ida. Isso fica agora mais evidente na comparação com o atual esforço de tucanos para manter em suas fileiras o governador do Rio Grande do Sul.

A Eduardo Leite promete-se de tudo, até a perspectiva de um golpe de mão no governador de São Paulo, João Doria, na convenção onde deveria ser confirmada a candidatura vitoriosa nas prévias. Para Alckmin, nada houve além de lamentos formais. Ou seja, se não chegava a ser non grata já não era persona de liderança gratíssima no partido.

Marcus Pestana*: Minas: laboratório para a responsabilidade fiscal (I)

O leitor já deve estar preocupado: “lá vem papo hermético e chato de economista”. Verdade. Vez ou outra me lembro que fui professor de economia. Mas, gostemos ou não, ela mexe com a vida de todos nós.

Minas e o Brasil perderam a rota do desenvolvimento em função principalmente da crise fiscal. Mudar este quadro depende de recuperar a capacidade de investimento do setor público. Não há mágica.

Até o Plano Real, em 1994, o orçamento público era uma peça de ficção. Era impossível projetar corretamente receitas e despesas. A inflação mensal que chegou a 80%, em março de 1990, e antes da estabilização rondava a casa dos 25% a 40%, fazia o papel de ajuste. As receitas cresciam e era só segurar as despesas que o “equilíbrio” era recuperado.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Condenação de Deltan intimida procuradores

O Globo

Foi exagerada a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou ao ex-procurador da República Deltan Dallagnol, conhecido como líder da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em R$ 75 mil. Por quatro votos a um, a Corte decidiu que houve danos morais na apresentação sobre o caso do tríplex do Guarujá (SP) feita em 14 de setembro de 2016, quando Lula foi apresentado como comandante de um esquema criminoso.

Os excessos da Operação Lava-Jato são conhecidos. Juízes e procuradores têm o dever de aprender com os erros. A entrevista coletiva em que Dallagnol pôs Lula no centro de um quadro exibido na tela, como foco para onde convergia todo o esquema desbaratado pela Lava-Jato, foi certamente além da conta — e o próprio Dallagnol já reconheceu isso. A denúncia não trazia sequer a acusação de associação criminosa.