segunda-feira, 16 de maio de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Lendo e interpretando os sinais

Os antigos acreditavam que as vísceras de animais sacrificados em rituais podiam decifrar acontecimentos futuros, já os navegadores observando em alto mar o voo dos pássaros podiam antever de que logo teriam a terra à vista, predições fazem parte do engenho humano para encontrar confiança nas iniciativas a que se dedicam. Nas circunstâncias brasileiras atuais poucas vezes foi tão fácil prever, os véus da incerteza foram descerrados e a transparência impera, um golpe militar se prepara à vista de todos, faltando a data se antes ou se no decurso do processo eleitoral.

Diante desse cenário aziago a sociedade prende a respiração e especula sobre qual forma conheceria esse infausto evento. Será a do modelo de 1964, com tanques na rua, prisões em massa de lideranças políticas, de movimentos sociais e personalidades selecionadas, com cassações de mandatos políticos; os grandes jornais serão submetidos à censura prévia nas suas edições, o STF será posto sob intervenção por um cabo e dois soldados?

Nesse ponto, o futuro escapa à previsão do observador limitado ao campo de visão das ações dotadas de racionalidade, fora delas, como na Alemanha dos anos 1930, reina o imprevisível em que uma vontade tirânica se impõe sem outro propósito que não a acumulação de poder político no exercício do seu poder coercitivo. É da lógica da situação que, caso vingue o golpe, seu desdobramento natural será a institucionalização do fascismo sempre latente entre nós desde o Estado Novo de 1937 a 1945.

Marcus André Melo*: Polarização e voto

Folha de S. Paulo

A economia afeta o voto, ou o voto afeta a percepção da economia?

A polarização política afeta a percepção sobre o desempenho do governo e da economia. Mas muitas análises tendem a focar a avaliação do governo ou dos governantes, obtidas em pesquisas, como determinantes cruciais do voto. As respostas às pesquisas são contaminadas por uma espécie de torcida partidária (no jargão, "partisan cheerleading"); elas são uma forma de comportamento expressivo: o(a)s eleitores querem comunicar emoções com suas respostas. Não analisar.

Em "A Política da Beleza: os Efeitos do Viés Partidário sobre Atratividade Física", Nicholson et al concluíram que a polarização atual nos EUA leva os indivíduos a acharem seus copartidários fisicamente mais atraentes que os do partido adversário. Sim, entre nós ela tem levado algumas pessoas a terem um "crush" nos candidatos do partido com o qual simpatizam.

Assim, a polarização política contamina a percepção das pessoas praticamente em todos os domínios da vida social. Não seria diferente no que se refere à economia e às políticas públicas. Mas aqui a forma convencional de pensar a causalidade entre economia e política é posta de ponta-cabeça: os analistas se perguntam como o comportamento da economia afeta o voto, e não o oposto, que é o foco.

Celso Rocha de Barros: Doria versus Tebet

Folha de S. Paulo

Seja lá quem vencer a disputa desta semana terá uma vida difícil

Nesta semana, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) tentará se consolidar como candidata da terceira via. No caso, terceira via na disputa altamente polarizada entre João Doria e o PSDB.

Na terça-feira haverá uma reunião em que o presidente do PSDB, Bruno Araújo, tentará convencer o partido a desistir da candidatura de Doria e apoiar Tebet. Os dois são os únicos candidatos da terceira via de pé no ringue. Na última pesquisa Ipespe eles tinham, respectivamente, 3% e 1% das intenções de voto.

Em abril, partidos de centro e centro-direita que se autodenominaram terceira via –PSDB, MDB, Cidadania, União Brasil– haviam combinado uma candidatura comum para 2022. Até agora, não deu muito certo.

Hamilton García de Lima*: Que frente democrática para o Brasil?

Folha de S. Paulo

Problema das frentes políticas remonta ao início do atual período democrático

O tema das frentes políticas voltou a estar no centro da discussão no Brasil e tem sido abordado de variadas maneiras desde que a democracia passou a ser ameaçada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Porém, o problema remonta ao início do atual período democrático, em particular ao processo constituinte dos anos 80. Um dos enfoques recentes aborda o problema na perspectiva das lideranças. O cientista político Sérgio Abranches, por exemplo, considera que há "lideranças que se consideram democráticas" mas, no fundo, são intolerantes frente a "grupos de campos ideológicos distintos".

Segundo este autor, as frentes políticas deveriam ser formadas com base numa "agenda mínima", deixando-se de lado diferenças específicas e ideológicas em prol da "contradição principal", que seria a disjuntiva "neofascismo versus democracia republicana".

Outra abordagem, proposta pelo ensaísta Luiz Sergio Henriques, invoca a ameaça protofascista como um processo de deterioração interno da democracia brasileira.

O remédio apresentado por este autor é o centro político como um espaço "para fazer mover o conjunto das forças políticas e a própria sociedade". A pedra no caminho desta alternativa seria, no dizer de Henriques, a "incerteza sobre o principal partido da esquerda, sua linha básica e a orientação dos seus simpatizantes, que não foram treinados na política de frentes". Porém, na sua perspectiva, parece bastar ao PT acenar simbolicamente ao centro, escolhendo um vice-presidente conservador, "para acalmar os mercados".

Os problemas e desafios que ambos autores colocam são reais e necessitam de solução, embora me pareça que o centro político esteja longe de poder oferecer qualquer alternativa no atual contexto brasileiro, perdido que está em sua ortodoxia programática e sua catatonia política.

Fernando Gabeira: O golpe nosso de cada dia

O Globo

Férias. Pensei em escrever artigos sobre novos temas. Mas como fugir da ameaça de golpe que domina o noticiário? O problema é que nem sobre isso posso escrever como queria.

A preparação para resistir a um golpe implica inúmeras iniciativas. Vivi dois, um no Brasil, outro no Chile, sem contar tentativas fracassadas.

Lembro-me de ter escrito em Santiago um artigo para a revista Punto Final sobre o golpe no Brasil e algumas lições sobre seu êxito. Escrever sobre resistência a um golpe num jornal nacional acabaria dando ao próprio golpe algumas ideias de como melhor se instalar no país, neutralizando a resistência.

Prefiro, no momento, outro caminho: escrever sobre as vantagens da democracia. Isso me dá a possibilidade de abordar alguns temas sepultados no Brasil de hoje.

Demétrio Magnoli: A farda e a toga

O Globo

A Constituição define as funções das Forças Armadas: “defesa da Pátria”, “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de qualquer dos Poderes, “garantia da lei e da ordem”. Reunidos logo após o encerramento da ditadura militar, os constituintes pretendiam vincular os homens em armas à proteção do sistema democrático. Hoje, sob o comando de Bolsonaro, uma facção fardada flerta com o golpismo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) colabora involuntariamente com os ensaios golpistas ao conduzir, à revelia do texto constitucional, um debate sobre a segurança das urnas com o Ministério da Defesa.

A articulação golpista de Bolsonaro ganhou forma operacional em março de 2021, com a ascensão de Walter Braga Netto ao cargo de ministro da Defesa e a simultânea substituição dos três altos comandantes militares. Edson Pujol, o comandante demitido do Exército, confrontara o presidente ao declarar que as Forças Armadas são instituição de Estado, não de governo ou de partidos. Depois da represália, os fardados aceitaram participar da retórica golpista emanada do Planalto.

Carlos Pereira: Servindo a dois senhores

O Estado de S. Paulo

Presidentes são agentes de eleitor e de legislador que nem sempre compartilham da mesma preferência

É muito difícil um presidente ser ao mesmo tempo popular e desfrutar de um bom relacionamento com o Legislativo. O presidencialismo multipartidário brasileiro, na realidade, carrega um paradoxo quase que inexorável entre popularidade e governabilidade.

As preferências do eleitor mediano, que elege o presidente pelo voto majoritário em dois turnos no território nacional, na grande maioria das vezes não são alinhadas com as preferências do legislador mediano, eleito pelo voto proporcional nos Estados.

Se o presidente priorizar os eleitores, muito provavelmente aumentará a sua popularidade. Por outro lado, se ignorar o legislador mediano, possivelmente enfrentará problemas de governabilidade, caracterizados por insucesso legislativo, alto custo de governabilidade e maior escrutínio e controle de suas atividades pelo Congresso, podendo levar, inclusive, à interrupção prematura de seu mandato.

É míope supor que, em eleições proporcionais para o Legislativo, o partido do presidente estaria competindo pelas preferências dos eleitores apenas contra partidos de ideologia oposta. Partidos que poderiam ser agrupados no mesmo espectro ideológico competem entre si para ganhar a representação de subgrupos específicos de eleitores. Como resultado, a preferência agregada do Legislativo pode ser muito distante da que elegeu o presidente.

Bruno Carazza*: O poder ultrajovem na disputa Lula x Bolsonaro

Valor Econômico

Geração Z chega às urnas no embalo do TikTok

 “Se você não é de esquerda aos 20 anos, não tem coração. Mas aquele que não é de direita aos 30, não tem nada na cabeça”. A frase provocativa é de autoria imprecisa. Ao longo da história, foi atribuída ao parlamentar inglês Edmund Burke (1729-1797), ao político francês François Guizot (1787-1874), ao rei sueco Oscar II (1829-1909) e até ao primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965). Todos eles, claro, teriam utilizado a citação em sua fase madura e reacionária.

Independentemente de se concordar ou não com a afirmação (este colunista está do lado de quem diverge), ela expressa uma hipótese político-demográfica: o percentual de conservadores cresce à medida em que os eleitores envelhecem. E não faltam evidências anedóticas recentes para reforçar isso.

Segundo pesquisas realizadas à época da votação, os defensores do Brexit derrotaram quem queria permanecer na União Europeia por 60% a 40% na população acima de 65 anos; mas entre os britânicos de 18 a 24 anos, o Brexit levou uma goleada: 27% a 73%.

Sergio Lamucci: Atividade e inflação em 2022 e 2023

Valor Econômico

Se o primeiro trimestre mostrou uma atividade mais forte e o segundo trimestre ainda pode ter desempenho razoável, perspectiva é de uma situação bem mais difícil a partir da segunda metade do ano

A economia brasileira exibe uma combinação de mais crescimento e mais inflação neste semestre, o que tem levado a aumentos frequentes das estimativas para o PIB e para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Há hoje várias projeções de uma expansão da economia na casa de 1% a 1,5% neste ano, enquanto diversas previsões para o IPCA estão em torno de 9%. Com um PIB um pouco melhor e em especial uma inflação resistente, os analistas passaram a apostar num nível mais alto para os juros - e por mais tempo. Por tabela, a expectativa crescente para 2023 é de uma atividade mais fraca, com crescimento de cerca de 1%.

O diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, elevou na sexta-feira a estimativa para a expansão do PIB de 2022 de 0,6% para 1,25%, ao mesmo tempo em que reduziu a previsão para 2023 de 1,2% para 0,9%, número com viés de baixa. Os indicadores do primeiro trimestre mostraram uma atividade mais forte do que se esperava, apesar da piora das condições financeiras e da aceleração da inflação, nota Ramos.

Em março, a produção industrial subiu 0,3% em relação a fevereiro, enquanto os serviços avançaram 1,7% e as vendas no varejo ampliado (que inclui veículos, autopeças e material de construção) cresceram 0,7%. Há sinais de que a expansão da economia continuou no segundo trimestre, aponta ele, mencionando sinais positivos como a melhora da confiança de empresários e consumidores em abril.

Luiz Fernando Janot*: Cidades sob ameaças

O Globo

As cidades brasileiras nunca foram tão ameaçadas como atualmente. Mudanças de comportamento contribuíram para que determinados espaços públicos perdessem sua vitalidade. A multiplicação de shoppings e condomínios fechados, de certa forma, reduziu a presença da população nas ruas e nos eixos estruturadores do comércio de bairro. As tecnologias de comunicação digital favoreceram o trabalho à distância.

A expansão desordenada das cidades também criou distâncias difíceis de superar a qualquer hora do dia, especialmente à noite. Seja pela má qualidade do transporte coletivo ou por questões associadas à violência urbana. Não se pode esquecer que a mistura das funções da cidade a torna mais dinâmica e atraente.

Se o planejamento urbano aliar as contingências empresariais aos interesses da coletividade, teremos uma cidade mais harmônica e mais justa. Transformar em oportunidade o imediatismo que predomina em nossa sociedade poderá contribuir para um futuro mais promissor. No quebra-cabeça urbano, há que estabelecer limites entre a informalidade e a permissividade.

Marcello Serpa: A nostalgia como ansiolítico

O Globo

Todo cheiro é uma ponte para o passado. Dos cinco sentidos, o olfato é o único com ligação direta com a parte do cérebro onde mora nossa memória afetiva. O cheiro de naftalina me transporta de volta às férias de verão no sítio da minha avó no interior do Rio. Um lugar mágico, onde o tempo não passava, e as bolinhas de naftalina, com seu cheiro de passado, conservavam tudo como deveria ser.

Mas o tempo não para, pelo contrário, só acelera, fazendo a vida passar numa velocidade difícil de acompanhar. Conceitos sendo revisados, ideologias, tecnologias morrendo e nascendo, crenças e valores escrutinados e questionados todos os dias numa revolução sem fim.

A cada tuíte ou post polêmico, cada novo livro de História, cada podcast histriônico, live de presidente, a cada barraco no “BBB”, somos obrigados a encarar nossos dilemas do passado. É preciso entender a história da nossa História, sempre contada pelo andar de cima, justificando preconceitos arraigados: racismo, misoginia, homofobia, xenofobia, gordofobia, chauvinismo... e tantas outras palavras para descrever nossa capacidade de odiar o que nos parece diferente. Vivemos num tempo em que nenhuma convicção fica na prateleira o tempo suficiente para justificar uma bolinha de naftalina.

Ruy Castro: Útil e inútil

Folha de S. Paulo

Segundo Cony, é impossível jogar a cultura fora. Ela boia

Fui checar uma informação sobre Louis Armstrong e li que ele se chamava, de verdade, Daniel Louis Armstrong. A princípio, levei um susto —escutando, estudando e amando Louis quase que desde o meu próprio parto, como podia não saber disso? Então me lembrei de que sabia, sim. Só tinha me esquecido. E por que esquecera? Porque talvez essa informação não tivesse importância. Fui ensinado a acreditar que não existe informação desimportante, mas esta devia ser uma exceção —nem a mãe do bebê Louis, em New Orleans, o chamava de Daniel.

Daí me ocorreu que várias pessoas são famosas por nomes que não constam do registro civil. A querida Fernanda Montenegro, por exemplo, se chama Arlete; Junior, ex-Flamengo, Leovigildo. Angela Maria era Abelim; Dolores Duran, Adiléa; Nora Ney, Iracema; Dick Farney, Farnésio; Tito Madi, Chauki; Cazuza, Agenor. Doris Monteiro é Adelina Doris. E Paulo Francis era Franz Paul; Vinicius de Moraes, Marcos Vinicius; Oswald de Andrade, José Oswald. Mas o que se ganha com saber isso?

Fernando Carvalho*: Propriedade privada a mãe de todos os problemas

Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau a propriedade privada teve início quando um sujeito cercou um pedaço de terra, que não tinha dono e disse: "Isso aqui agora é meu" e encontrou gente ingênua o suficiente para acreditar naquilo.

A origem da propriedade privada foi uma das, se não a mais importante revolução por que passou a humanidade. Vamos tentar inferir aqui algumas consequências desse ato histórico fundamental. A mais imediata foi o surgimento do "outro" (o inferno são os outros segundo Sartre). Antes havia o "nós". Por exemplo: "Nós", dizia o troglodita, "precisamos de comida". E os homens se reuniam para caçar um mamute e distribuir a carne do bicho entre eles.

A solidariedade era natural entre os homens. A propriedade privada acabou com isso. Com o advento da propriedade e o consequente surgimento do cultivo de alimentos e a criação dos animais, os que ficaram sem terra naquele tempo passaram a ter que pagar pela carne e pelos grãos necessários à sua alimentação. Assim temos que a propriedade privada criou um problema novo para a humanidade, a fome. Antes a fome era um problema individual que um peixe assado resolvia. A propriedade privada engendrou a fome de coletividades inteiras. O dono de um terreno plantava e criava animais para ele e os seus comerem e o possível excedente era destinado ao escambo com outros proprietários de terras. Os "sem-terra" que não tinham sangue de barata para morrer de fome roubavam ou furtavam comida dos proprietários. Assim temos ainda que a propriedade privada deu origem ao roubo e ao ladrão.

Ao dividir a humanidade em duas partes, aquela que tem as coisas e a outra que nada tem, a propriedade privada deu também origem a duas coisas que a humanidade não conhecia: quem tem se acha melhor que quem nada tem. Aqui tiveram origem os sentimentos de superioridade e inferioridade nas pessoas e os corolários: a prepotência de um lado e a inveja do outro.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Na falta de reforma

Folha de S. Paulo

Sem mudanças administrativas, controle de despesa com servidor terá fôlego curto

A pressão da elite do serviço público federal por reajustes salariais cresceu desde o ano passado e desencadeia paralisações de categorias importantes, com impacto no funcionamento da máquina.

Evidência do grau de insatisfação é a minuta de uma medida provisória preparada por funcionários do Banco Central com a previsão de aumento de 22% —logo em seguida retirada com a explicação de que havia inconsistências no texto. No caso dos diretores e do presidente do BC, os índices seriam de 69,6% e 78,5%, respectivamente.

A pretensão é particularmente alarmante por se tratar da instituição que mais tem alertado para o risco de descontrole das finanças públicas e seu impacto na inflação.

Tais pleitos, assim como os de outras categorias, situam-se muito acima do que foi oferecido pelo governo Jair Bolsonaro (PL), isto é, uma alta linear de 5% para todo o funcionalismo. A medida terá custo de R$ 7,9 bilhões em 12 meses, o que exigirá cortes em outras áreas devido às restrições do Orçamento.

A proposta do Executivo desagradou a todos, como era esperado. Cumpre apontar que o presidente precipitou e acentuou as tensões quando inicialmente propôs reajustes apenas para a área de segurança pública, com impacto limitado em R$ 1,7 bilhão.

A tentativa de favorecer uma das bases de apoio ao bolsonarismo provocou uma previsível grita geral, que agora se tenta controlar.

Vinicius de Moraes*: Morte de um pássaro

(Réquiem para Federico García Lorca)

Ele estava pálido e suas mãos tremiam. Sim, ele estava com medo porque era tudo tão inesperado. Quis falar, e seus lábios frios mal puderam articular as palavras de pasmo que lhe causava a vista de todos aqueles homens preparados para matá-lo. Havia estrelas infantis a balbuciar preces matinais no céu deliquescente. Seu olhar elevou-se até elas e ele, menos que nunca, compreendeu a razão de ser de tudo aquilo. Ele era um pássaro, nascera para cantar. Aquela madrugada que raiava para presenciar sua morte, não tinha sido ela sempre a sua grande amiga? Não ficara ela tantas vezes a escutar suas canções de silêncio? Por que o haviam arrancado a seu sono povoado de aves brancas e feito marchar em meio a outros homens de barba rude e olhar escuro?

Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater asas inexistentes até voar. Escaparia assim à fria sanha daqueles caçadores maus que o confundiam com o milhafre, ele cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro inocente, em cuja voz havia ritmos de dança.