quinta-feira, 19 de maio de 2022

Malu Gaspar: O inverno de Bolsonaro está chegando

O Globo

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro dedica seus dias a incendiar o clima político no país, trabalhando com denodo para assombrar as eleições e ameaçar um golpe, outra ameaça bem mais grave paira sobre seu governo — e a essa, ele não tem a menor ideia de como reagir. 

No mercado, na Petrobras e provavelmente no Ministério de Minas e Energia, o cenário mais provável no segundo semestre para os combustíveis é uma nova escalada de preços e, no limite, até desabastecimento.

Os dados de oferta e demanda mostram que já existe hoje um déficit de 2% no fornecimento de petróleo e derivados no mundo, que por enquanto só tende a aumentar. O endurecimento das sanções econômicas derivadas da guerra na Ucrânia, com grandes consumidores europeus substituindo o combustível russo pelo de outros países, contribui para essa projeção.

A volta à normalidade da economia chinesa após o lockdown, mesmo que gradual, também deverá aumentar o consumo de energia e pressionar os preços. A depender da duração da crise, a escassez poderá avançar pelo inverno europeu, o que tampouco ajuda a situação a se normalizar.

Considerando que os preços do diesel, do gás e da gasolina já estão em valores recordes, o que veremos na economia global nos próximos meses não é nada bonito. Alguns economistas com quem conversei não hesitam em equiparar o momento atual aos grandes choques do passado.

Maria Hermínia Tavares: Monumento ao que somos

Folha de S. Paulo

Faltam políticas bem formuladas e duradouras para lidar com o problema

Tempos atrás, saindo de carro de um concerto da Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo) com uma pessoa conhecida, passei pelo horror da cracolândia. Diante da tragédia humana ali exposta, ela comentou como seria bom se a Sala São Paulo existisse em outro lugar.

Empatia e solidariedade com os últimos dos deserdados não brotam facilmente quando as iniquidades sociais são tamanhas que os outros, vivendo a alguns poucos quilômetros dali, parecem habitar planetas diferentes.

Apesar disso, aqueles sentimentos vicejam no território devastado: na militância febril do padre Júlio Lancelotti; nas várias ONGs, como o Pão do Povo da Rua, que distribui comida e ensina a jovens da região o ofício de padeiro; em iniciativas como o notável @SPinvisível, a desvelar no Instagram a humanidade de quem mora ao relento; na atuação de assistentes sociais e outros agentes públicos que trabalham na ponta das secretarias.

O que tem faltado são políticas bem formuladas e duradouras para lidar com um problema de difícil tratamento, por ser ao mesmo tempo caso de assistência social, de saúde e de segurança, a requerer cooperação entre instâncias dos governos municipal e estadual e delas com organizações sociais atuantes no local.

Bruno Boghossian: O fósforo e o incêndio

Folha de S. Paulo

Grupo do presidente deve usar derrotas judiciais para agitar apoiadores e cultivar instabilidade

Jair Bolsonaro organizou uma blitz judicial contra Alexandre de Moraes. O presidente inaugurou a sequência de investidas no início da semana, ao acionar o STF para acusar o ministro de abuso de autoridade. Derrotado, ele pediu uma investigação a seus camaradas da Procuradoria-Geral da República e preparou uma ofensiva em cortes internacionais.

Não deve haver um único bolsonarista na órbita do Palácio do Planalto que acredite no sucesso dessa operação. O presidente tentou acender um fósforo dentro dos tribunais, mas seu objetivo principal é causar um incêndio do lado de fora.

Bolsonaro trabalha há tempos para agitar suas bases contra Moraes. O ministro, afinal, personifica os dois principais receios do presidente nesta reta final de mandato: perder a eleição e ver seu grupo político na mira da polícia. Ao fazer um lance judicial com uma perspectiva quase certa de derrota, ele busca passar a mensagem de que será preciso levar a briga para outro foro.

Maria Cristina Fernandes: Jair Berlusconi estrebucha

Valor Econômico

Alerta de Umberto Eco sobre Itália de 2003 serve ao Brasil

 “Deve fazer uma provocação por dia, tanto melhor se inconcebível e inaceitável. Isto lhe permite ocupar as primeiras páginas e as notícias de abertura da mídia e ser sempre o centro das atenções. Em segundo lugar, a provocação deve ser tal que a oposição seja obrigada a aceitá-la e a reagir com energia. Conseguir produzir todos os dias uma reação indignada das oposições permite se mostrar ao próprio eleitorado como vítima de uma perseguição”.

Ao fim de uma semana em que o presidente Jair Bolsonaro disse que as eleições podem ser “conturbadas”, chamou de “psicopatas” e “imbecis” quem classifica as manifestações em sua defesa de atos antidemocráticos, desafiou quem um dia se arvore a prendê-lo, conclamou o “povo bem armado, que jamais será escravizado” e, por fim, entrou com ação no Supremo contra um de seus ministros por “abuso de autoridade”, a descrição acima parece lhe cair como uma luva.

Data, porém, de quase 20 anos atrás, quando Umberto Eco pôs-se a descrever o modo Silvio Berlusconi de governar. Bem antes de Donald Trump, foi o ex-primeiro-ministro italiano quem antecipou o que viria a ser bolsonarismo no poder. O artigo, escrito em 2003, foi editado em livro que, no Brasil, teve publicação póstuma (“A passo de caranguejo”, Record, 2022).

O bisavô do presidente é de Anguillara, a 256 quilômetros da Milão de Berlusconi. Quando o ex-primeiro ministro estreou na política, a Itália emergia da operação “Mãos Limpas”, inspiradora da “Lava-Jato”, parteira de Bolsonaro. Filho da classe média alta italiana, Berlusconi valeu-se de fortuna, construída com um império de comunicação, para fazer política com o discurso de que não roubaria porque já era rico. Bolsonaro sempre foi político mas chegou à Presidência com o discurso de que não roubaria porque com ele também ascenderiam as Forças Armadas.

William Waack: Não colou

O Estado de S. Paulo

Sem conseguir articular qualquer plano, as chances políticas de Bolsonaro diminuem

Jair Bolsonaro consolidou a posição de maior inimigo de si mesmo e suas chances de derrotar Lula estão diminuindo. As de promover um golpe também. O capitão rebelde nunca teve um plano bem acabado para qualquer coisa, limitando-se às improvisações táticas. Só deu certo em 2018, quando surfou uma onda que até hoje não entendeu.

O problema das redes sociais para qualquer agente político, e disso Bolsonaro não escapou, é supor que o “engajamento” de seguidores em temas barulhentos como ataques ao Judiciário significa apoio político decisivo para “emparedar” os juízes. Note-se que os integrantes do STF só demonstraram alguma insegurança quando os chefões do Legislativo se atrasaram em manifestar “solidariedade” aos tribunais superiores na ocasião em que Bolsonaro tentou arrastar as Forças Armadas para a irresponsável tática de contestar o sistema eleitoral.

Merval Pereira: Um novo sabor

O Globo

Durante a Guerra das Malvinas, o genial escritor argentino Jorge Luis Borges a definia como “lutas de carecas por um pente”. É o que acontece com a terceira via, que até agora não demonstrou ter cabelo suficiente para se pentear, mas briga entre si por uma brecha na polarização entre Bolsonaro e Lula, a tal ponto que não sobrou nada da musculatura que, imaginava-se, poderia ter quando ainda era um grupo forte, com o União Brasil de cofres forrados de dinheiro dos fundos partidário e eleitoral.

Foi exatamente o que instalou a cizânia entre os oposicionistas. Com a força que o Congresso passou a ter num governo que simplesmente abriu mão de governar para se dedicar à reeleição, e com muito dinheiro para os partidos das verbas secretas e dos fundos de financiamento público, ficou mais atraente eleger uma bancada forte na Câmara e no Senado, e talvez governadores, do que tentar a Presidência da República num pleito que parece estar inevitavelmente polarizado entre dois populistas bons de voto.

O golpe que o partido de Luciano Bivar deu no ex-juiz Sergio Moro foi exemplar da astúcia de uma raposa da velha política. Tirou-o do Podemos prometendo mundos e fundos, qual um amante mal-intencionado, e deixou-o ao relento, para assumir o posto que lhe prometera. Sem nenhuma chance de vitória, vai guardá-lo para fazer uma campanha baratinha, não brigar nem com Lula nem com Bolsonaro e deixar os candidatos do União Brasil livres para organizar seus palanques.

O novo passo da escalada autoritária do presidente Bolsonaro, rumo à contestação de uma provável derrota nas urnas em outubro, parece ser fabricar o descrédito das pesquisas de opinião, que dão vantagem ao ex-presidente Lula unanimemente. Para confirmar a regra, uma exceção foi a pesquisa do dia 30 de março, que mostrava Bolsonaro empatado tecnicamente com Lula, no que parecia uma recuperação da popularidade do presidente. Depois disso, os números se estabilizaram, e Lula continua à frente.

Luiz Carlos Azedo: Traído por Garcia, situação de Doria é insustentável

Correio Braziliense

Pesquisa quantitativa e qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos rejeição

Difundiu-se no Ocidente que a palavra Weiji significa crise e oportunidade em chinês, simultaneamente. Essa tradução é atribuída ao linguista norte-americano Benjamin Zimmer, num editorial de um jornal em língua inglesa para missionários na China, de 1938. Ganhou popularidade após um discurso antológico de John F. Kennedy, em Indianápolis, no dia 12 de abril de 1959. Desde então, integra o vocabulário otimista de políticos, consultores, economistas e executivos. A crise do PSDB seria, assim, uma oportunidade de refundação.

O sinólogo Victor H. Mair, da Universidade da Pensilvânia, porém, lembra que essa interpretação não é absoluta: enquanto wei significa “perigo, perigosos; causar perigo, ameaçar; risco; precário, precipitado; alto; medo, pavor, receio”, ji pode ter outros significados, como “ocasião apropriada, ponto crucial, momento incipiente, segredo, ardil”. Esse é o ponto em que se encontra a crise do PSDB, cuja cúpula resolveu descartar a candidatura do ex-governador João Doria, mas ainda não sabe como fazê-lo por acordo.

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, não construiu uma saída negociada para Doria e percorreu um roteiro que esgarçou demais as relações dentro do partido, em razão de manobras, dissimulações e traições. A prévia realizada para escolher o candidato do PSDB, na qual o exd-governador paulista foi vencedor, revelou-se muito mais um ardil para afastá-lo do Palácio dos Bandeirantes do que um processo de escolha democrática, como fora concebido na origem.

Cristiano Romero: Réquiem para o PSDB

Valor Econômico

Ex-líderes em atividade afundam sigla de Covas, Montoro e FHC

A campanha de integrantes PSDB contra João Doria, candidato do partido à Presidência, já é o episódio mais deplorável da eleição de 2022. Doria foi escolhido em eleição prévia, realizada em novembro do ano passado, portanto, a maioria dos militantes da sigla optaram pelo ex-governador de São Paulo por considerá-lo seu melhor representante na disputa política mais importante deste ano, ponto.

Se, agora, o PSDB cassa a candidatura definida de forma legítima, pelo voto direto de seus filiados, o sinal transmitido à sociedade e, principalmente, aos eleitores que votaram e votam em seus candidatos, mesmo não sendo tucanos, é um só: o partido, o único do país a promover prévias, não acredita em democracia. Em que acredita, então, o “fundador” da social-democracia no Brasil?

Na terça-feira, o presidente da legenda, Bruno Araújo (PE), um dos principais artífices da “cristianização” do ex-governador de São Paulo, disse que as prévias ocorreram num momento político distinto do atual. Seria de utilidade capital para o debate político nacional se o deputado pernambucano dissesse o que mudou de novembro para cá no cenário de polarização política que caracteriza a atual disputa pelo poder central no país.

João Doria “perdeu” na véspera a eleição prévia de novembro. Ganhou no voto, mas já sabia que sua vitória contrariava os interesses de ex-líderes tucanos em atividade _ esta imagem o titular da coluna toma emprestada de colegas do jornalismo esportivo, que a criaram para caracterizar jogadores brasileiros que, depois de viverem o ápice da carreira no exterior e dispensados por causa do peso da idade, são contratados a peso de ouro para “jogar” em clubes nacionais.

Doria nunca teve vida fácil no PSDB. Sua ligação com o partido se deu por causa da relação de seu pai com o ex-governador Franco Montoro (1916-1999), um dos fundadores, ao lado de Mário Covas (1930-2001) e Fernando Henrique Cardoso). O pai de João Doria, publicitário como o filho, entrou para a política por insistência de Montoro. Este gostaria que ele se candidatasse a deputado federal por São Paulo, mas, nascido em Salvador, João Agripino da Costa Doria Neto preferiu disputar a vaga pela Bahia.

Eleito no início da década de 1960 pelo então Partido Democrata Cristão (PDC), onde Montoro pontuava como um dos principais líderes, o pai de João Doria Jr. Teve o mandato cassado na primeira leva de cassações do golpe militar de 1964. Exilado em Paris, o ex-deputado não teve sequer condições financeiras de levar a família _ a mulher e dois filhos _, o que só veio a ocorrer dois anos depois. Porém, em 1968, eles tiveram que retornar ao Brasil pela mesma razão que os impediram de ir com o pai no primeiro momento.

Presidentes de PSDB, MDB e Cidadania rifam Doria e escolhem Simone como candidata da terceira via

Por Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo

Executivas nacionais precisam referendar indicação; pesquisas feitas a pedido dos três partidos mostram alta rejeição do ex-governador

BRASÍLIA – Os presidentes de PSDBMDB e Cidadania decidiram nesta quarta-feira, 18, indicar a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como candidata única da terceira via à Presidência. A decisão ainda precisa passar pelo crivo das executivas nacionais dos três partidos, que devem se reunir na próxima terça-feira, mas já indica que o ex-governador de São Paulo João Doria, pré-candidato do PSDB, foi rifado.

Pesquisas encomendadas pelos partidos mostraram que a rejeição a Doria é muito alta e Simone teria maior potencial de crescimento. Ele foi aprovado em prévias do PSDB, em novembro do ano passado, mas, desde então, enfrenta resistências para tornar o nome viável.

A cúpula tucana faz pressão para Doria desistir do páreo, sob a alegação de que a pré-candidatura dele atrapalha os concorrentes do partido, principalmente em São Paulo, Estado administrado pelo PSDB há quase 30 anos, onde o governador Rodrigo Garcia disputa a reeleição. A ala do partido favorável a Simone quer que o senador Tasso Jereissati (CE) seja candidato a vice na chapa.

Doria não aceita renunciar e já mostrou disposição para recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma vez que sua pré-candidatura foi oficializada em prévias. No sábado, em carta enviada ao presidente do PSDB, Bruno Araújo, o ex-governador acusou o comando do partido de querer promover um “golpe” para retirar seu nome “no tapetão”. Araújo disse que a carta representava a intenção de Doria de romper com o partido.

O ex-governador foi convidado para participar de uma reunião com dirigentes do PSDB, na manhã desta quarta-feira, mas não compareceu, sob a justificativa de que já tinha compromissos agendados. Antes da decisão dos presidentes dos partidos de encaminhar o nome de Simone, Doria deu sinais de que estava disposto a conversar com os dirigentes na próxima semana.

Após pesquisa, presidentes do PSDB, MDB e Cidadania concluem que Tebet é mais viável

Decisão sobre Tebet ainda precisa ser referendada pela Executiva dos três partidos que vão se reunir na próxima terça-feira

Eduardo Gonçalves / O Globo

BRASÍLIA — Em reunião a portas fechadas, os presidentes do PSDB, MDB e Cidadania chegaram à conclusão nesta quarta-feira que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) é mais viável eleitoralmente do que o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB). Os três dirigentes — Bruno Araújo (PSDB), Baleia Rossi (MDB) e Roberto Freire (Cidadania) —  combinaram entre si que vão levar agora o nome da parlamentar para ser referendado pela Executiva dos três partidos na próxima terça-feira.

A decisão foi baseada na análise de uma pesquisa feita pelo Instituto Guimarães, com mais de 2.000 entrevistados, no último fim de semana. Segundo interlocutores que participaram da reunião e tiveram acesso aos dados, Doria apareceu com uma rejeição acima de 50%, enquanto o índice de Simone ficou na casa dos 20%.

Aliados de Doria dizem que não aceitarão indicação de Tebet por PSDB, MDB e Cidadania

Se resultado das prévias não for respeitado, ex-governador deve ir à Justiça. Marqueteiro critica pesquisas e fala em 'erro histórico'

Gustavo Schmitt / O Globo

SÃO PAULO - Aliados do ex-governador de São Paulo, João Doria (PSDB), reagiram às informações de que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi escolhida pelo MDB, Cidadania e pelo seu próprio partido para encabeçar a chapa da terceira via. O grupo de Doria disse que não vai aceitar a decisão e voltou a sinalizar com a possibilidade de judicialização, caso não haja respeito ao resultado das prévias presidenciais — eleição interna vencida pelo paulista em dezembro.

O acordo firmado entre MDB, PSDB e Cidadania previa que o candidato do centro democrático seria escolhido com base em pesquisas quantitativa e qualitativa feitas no último fim de semana pelo professor Paulo Guimarães. O combinado era que o resultado do levantamento seria divulgado nesta quarta-feira, o que não ocorreu.

Estrategistas de Doria afirmaram que o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, sequer comunicou o paulista sobre os resultados e tampouco forneceu acesso ao levantamento. Especializado em direito eleitoral, o advogado Arthur Rollo, que representa Doria, voltou a dizer que o resultado das prévias, cuja decisão foi tomada por mais de 17 mil filiados tucanos, está acima de qualquer decisão de aliança da terceira via. A defesa de Doria se respalda num artigo do estatuto tucano que garante a convenção partidária como o momento certo para homologar a candidatura do vencedor das primárias.

Para Rollo, os dirigentes de MDB, PSDB e Cidadania não têm competência para decidir lançar Tebet como cabeça de chapa.

— Eles (Baleia Rossi, Bruno Araújo e Roberto Freire) não têm poder para tomar essa decisão.

Raul Jungmann*: Imposto justo para mineração

O Globo

A reforma tributária precisa ser estabelecida como um projeto de Estado, e não de governo. Se fosse, provavelmente teria avançado muito mais que as tentativas parciais de seguidos governos. As iniciativas para corrigir distorções no modelo defasado com que convivemos fracassam. A imaterialidade prolongada da reforma tributária representa um dos mais graves componentes de insegurança para que seja viável incrementar o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

Com isso, abre-se espaço para destinar receitas do setor privado de modo a, supostamente, atender ao custeio da máquina pública com despesas correntes. É o que tem acontecido com a indústria da mineração. O setor continua visto como um fabricante de recursos abundantes. Quando, na realidade, impõe severos riscos ao investidor. É um dos pilares na internalização de divisas ao país. Mas é uma das atividades mais tributadas no mundo, segundo a consultoria EY. Numa cesta de dez minérios, somos o primeiro em carga mais elevada para oito e o segundo para dois. Por isso a mineração é uma das atividades que mais contribuem com impostos e encargos. Sempre que fatura mais, arrecada mais.

Míriam Leitão: O setor elétrico em curto-circuito

O Globo

O Brasil está se preparando para vender a maior estatal de energia sem discutir um minuto sequer o assunto que está em todos os debates da área: a transição para uma energia limpa, renovável, eficiente e barata. Vender a Eletrobrás custará caro ao consumidor e à competitividade da economia brasileira. Os famosos jabutis do gás não são os únicos seres estranhos do setor. O governo e a Aneel têm tomado decisões que vão encarecer a conta de luz nos próximos anos. Na terça-feira, o órgão regulador decidiu dar sobrevida a uma decisão tomada na época da escassez hídrica e que tem um custo bilionário para o consumidor. Se já não fazia sentido naquele momento, muito menos agora.

A decisão final não foi tomada pela Aneel, mas três diretores baixaram uma resolução alterando as regras do programa emergencial. No ano passado, durante o período de escassez hídrica, foi contratada energia de usina nova a um preço muito alto. Era R$ 1.600 o megawatt/hora e de energia fóssil. Um despautério, porque há energia ofertada por R$ 250 o megawatt. A chuva felizmente veio e essa energia não foi mais necessária. Algumas empresas também não conseguiram entregar a energia nova. Pela resolução, elas passarão a ter o direito de vender esses contratos para quem tem térmica parada. Um dos beneficiados com essa decisão é a holding J&F.

Os jabutis enfiados no projeto de privatização da Eletrobras — e já até regulamentados — beneficiam o empresário Carlos Suarez, dono de distribuidoras de gás em lugar onde não tem gás. É por isso que, em vez de se construir as térmicas a gás no Rio, vão fazê-lo nos mais variados endereços do país, a um custo de R$ 56 bilhões a serem acrescidos à conta de luz. Ainda será preciso construir os gasodutos que podem chegar a R$ 100 bilhões.

Vinicius Torres Freire: Novo desastre na eletricidade

Folha de S. Paulo

Além da privatização, governo e Congresso armam mais ruína no setor elétrico

eletricidade ainda vai ficar muito mais cara e o setor elétrico vai ficar ainda mais caótico. Se a conta de luz não aumentar ainda mais neste ano, graças a um decreto aloprado que o Congresso quer aprovar, vai aumentar no ano que vem e depois.

É por causa da privatização da Eletrobras? Também, não necessariamente por causa da privatização em si. É por causa do conjunto da obra ruinosa, empreitada dos regentes parlamentares do desgoverno de Jair Bolsonaro.

A privatização da Eletrobras entrou na fase de final de série de TV. Parece que está acontecendo algo importante. Tem fofoca, "emoção". Teve a votação "decisiva" do TCU (Tribunal de Contas da União), que era meio favas contadas (maioria pela validação dos critérios de venda), mas não proibiria nada, embora contestações do TCU pudessem dar pano para manga em tribunais. Mas vai ter tribunal ou outro furdunço legal, típico dos últimos dias de qualquer privatização. A privatização porca é só parte do rolo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bolsonaro tem obsessão por aparelhar Justiça

O Globo

Aparelhar o Judiciário é o capítulo número um do manual do autocrata contemporâneo, seja na Hungria, na Venezuela ou no Brasil. Não há, portanto, mistério algum na intenção do presidente Jair Bolsonaro quando tenta intimidar o ministro Alexandre de Moraes, visto como uma espécie de nêmesis do bolsonarismo no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou quando diz a aliados que pretende “sentar em cima” da lista tríplice para a vaga de ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que não indicaria “críticos do governo” às duas vagas abertas no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Bolsonaro tem demonstrado uma obsessão tenaz com o Judiciário.

Seu alvo principal é o STF, que tem mantido a independência e imposto limites a seus desígnios autoritários. Ele entrou ontem com ação acusando Moraes de abuso de autoridade, recusada pelo ministro Dias Toffoli, que não viu indício de delito. Em seguida, enviou representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo que Moraes fosse investigado. Nada disso terá consequência prática além de reforçar, entre seus acólitos, a animosidade contra Moraes, que presidirá o TSE na eleição.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro decidiu travar as indicações ao TSE e ao STJ. O motivo: nenhum dos nomes que constam da lista submetida como determina a lei lhe agrada. No caso do STJ, a preocupação parece terrena: cedo ou tarde passam por lá processos criminais contra seus familiares, das rachadinhas atribuídas ao primogênito Flávio às acusações recentes contra o jovem Jair Renan. A obsessão mais preocupante, porém, é com as Cortes eleitorais.

A interlocutores do meio jurídico, de acordo com a colunista do GLOBO Malu Gaspar, Bolsonaro afirmou que pensava devolver a lista de indicados ao TSE, plano descabido que parece ter abandonado. Desde a redemocratização, o único ocupante do Planalto que demorou a indicar nomes ao TSE foi Dilma Rousseff. A motivação dela, no entanto, era distinta: não julgava o tema prioridade. Bolsonaro, em contrapartida, amplia a cada dia seu histórico de mentiras, ofensas e ameaças desferidas contra o sistema de votação. Questiona a lisura das urnas eletrônicas sem nenhuma prova, como pretexto para contestar o resultado caso perca a eleição.