segunda-feira, 30 de junho de 2008

GRAMSCI : UM INOVADOR

GRAMSCI : UM INOVADOR*
Gilvan Cavalcanti de Melo**

Em 27 de abril de 1937 morreu aos 46 anos, Antonio Gramsci, o mais importante, talvez o maior pensador marxista ocidental do nosso século. A morte o derrotou no instante em que conseguira a liberdade. Dois dias antes recebera o documento assinado pelo Juiz do Tribunal Especial de Roma com a declaração de que fora suspensa qualquer medida de segurança em relação a ele.

Gramsci fora preso por ordem de Mussolini, em 8 de novembro de 1926. No processo farsa, montado pelo Estado Fascista, o promotor pediu aos juizes sua condenação, olhando para o Gramsci e alegando: “É preciso impedir este cérebro de funcionar”. A condenação ocorreu, mas não conseguiu impedir que, de dentro da prisão, fosse escrita uma monumental obra “FÜREWIG” {para a eternidade).

Condenado pelo fascismo, Gramsci fez com que sua inteligência penetrasse na densidade opaca da realidade. Rechaçando a vaidade demagógica de uns e o dogmatismo embolorado dos outros, não pensava em formular uma nova e original doutrina da práxis. Só mais tarde manifestou a consciência do valor de sua reelaboração do marxismo. Ousou, de dentro do cárcere, na solidão e solitário politicamente, desafiar a ignorância e as banalidades stalinistas. Foi, também, condenado pelos companheiros, sepultando-se no silencio sua obra e seu nome.

As categorias gramscianas sobre “Sociedade Civil”, “Estado ampliado”, “Hegemonia”, “Guerra de movimento”, “Guerra de Posições”, “Revolução Passiva”, “Revolução – Restauração”, “Bloco Histórico”, “O Príncipe Moderno”, “O Partido como Intelectual Coletivo” e tantas outras, são hoje, nos meios acadêmicos, reconhecidas e estudadas, como instrumentos de análise da modernização conservadora brasileira e suas complexas super-estruturas. Essas categorias e as rigorosas análises intelectuais sobre as diferenças da Revolução Russa de 1917 (Oriente) e o Ocidente são também fonte de inspiração e reflexão dos combatentes modernos do socialismo com democracia.

Gramsci, modesto com o era, não deixou de polemizar com o pensamento mais rigoroso e mais fecundo que formava grandes correntes de opinião. Assim o faz quando estuda o conceito de “classe política” de Gaetano Mosca em relação com o conceito “elite” de Vilfredo Pareto. É Benedetto Croce, o mais importante filósofo italiano, seu principal interlocutor. O conjunto dos “cadernos do cárcere”, na verdade, é um combate em duas frentes: contra o pensamento especulativo e idealista (Croce) e a chamada ortodoxia vulgar e positivista do marxismo.

O ensaísta José Guilherme Melquior, em recente artigo na Revista “Presença”, nº 11, com o título de “Marxismo e Modernidade”, referindo-se ao ultimo livro “Marxismo Ocidental”, escreveu: “as categorias Gramscianas, sua epistemologia humanista, seu enfoque nada economicista, seu discurso de “Croce Leninista”, tudo o separa nitidamente do marxismo clássico. Mas, em compensação, nem um pouco, em Gramsci,de Kulturkritik ou de golpes de estado de especulação apocalíptica. Diante disso como resistir à tentação de escrever um capítulo sobre essa obra tão rica e fecunda, dando-lhe o papel de herói (ao lado de Hegel) num livro cheio de vilões teóricos?”.
A vida de Gramsci, pelo modo, lugar e tempo de sua concretização, poderia ser designada como a de um homem derrotado. Na ignorância de uma época faz iluminar a extraordinária força moral e o rigor intelectual do homem que, sem se deixar abater, fez de suas derrotas novas fontes de energia para recomeçar a avançar. Suportou o seu destino, com coragem e sobriedade intelectual, sem concessões ao vulgar e patético, conservando sempre o controle racional dos sentimentos.

* Artigo publicado no Jornal do Commercio – Recife - domingo, 8 de maio de 1988 = Caderno C , pág. 7.

** Gilvan Cavalcanti de Melo é pernambucano, membro do Conselho Editorial da Revista Presença (Rio de Janeiro) e do Conselho Fiscal da Cooperativa Brasileira de Cinema (Rio de Janeiro).

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