segunda-feira, 30 de junho de 2008

A QUESTÃO DA PREVIDÊNCIA

A QUESTÃO DA PREVIDÊNCIA
Gilvan Cavalcanti de Melo
*

I

Causa-me um certo desconforto e constrangimento falar de Reforma da Previdência e não sobre a Seguridade por um simples raciocínio: o conceito de Seguridade Social está consagrado na Constituição de 1988. Até agora a legislação, seja por medida provisória, por emenda constitucional ou qualquer outra alternativa, não foi revogada, portanto, continua em pleno vigor.

O conceito de seguridade social estabelecido na Constituição é identificado como “um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art.194, CF). Na literatura americana o conceito aparece com muita freqüência associado a programas dos chamados riscos sociais: aposentadoria e pensões (por idade, invalidez ou morte), seguro-doença e auxilio-maternidade; seguro-acidente de trabalho; seguro-desemprego e auxílios familiares. A literatura européia mostra como aqueles países evoluíram de um sistema de seguro para um sistema de seguridade, tornando mais abrangente a proteção. A concepção contida na Constituição não é, porém algo novo Há, ainda, uma definição adotada pela OIT na convenção nº 102 aprovada em Genebra em 1952, dentro da mesma abrangência da nossa Carta Magna: “Seguridade Social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, de outra forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos”. É bom recordar que o parecer nº 78 de 1994, do então deputado Nelson Jobim e hoje Ministro do STF, relator da Revisão Constitucional optou para manter na íntegra o texto do artigo 194, afirmando: “O conceito de seguridade social adotado na Constituição de 1988, em que pese não haver sido implementado em sua plenitude, continua atual, coerente e viável. A integração das ações de saúde, previdência e assistência social, é a nosso ver, primordial para que se possa desenvolver de uma forma mais racional e eficiente o atendimento à população”.

Mas, não se pode negar, que a partir dos anos noventa a idéia da seguridade vem perdendo terreno. A legislação que regulamentou a seguridade abriu caminhos particulares para as diferentes áreas: Lei Orgânica da Saúde, Lei do Custeio e dos Planos de Benefícios da Previdência, Lei Orgânica da Assistência Social e outras vão, enfim, estabelecer diretrizes especificas. A fragmentação vai se consolidando através de medidas provisórias, leis complementares e emendas constitucionais. Do ponto de vista administrativo e do financiamento a Seguridade Social não tem mais existência formal. Entretanto, sua operacionalidade vem apresentando eficácia administrativa. E por esta razão, ainda, não foi extinta.

É sabido que as contribuições instituídas constitucionalmente para financiar a Seguridade são recolhidas e administradas pela Receita Federal, através de legislação especifica, cabendo ao Tesouro o repasse, conforme a sua programação financeira. É evidente que legalmente não se pode objetar. Observa-se, por outra parte, que recursos de seguridade arrecadados pela Receita não vão para a seguridade. Este órgão exterior, repassador de receitas, também, pode retê-las ou priorizar alocações (ver quadro abaixo).

RECEITAS E DESPESAS DA SEGURIDADE SOCIAL(1)
(SALDO COM O REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RCPS)) - ANO 2000
(em R$ bilhões)

I - RECEITAS

Receita previdenciária líquida(2)
55.715
Outras receitas do INSS(3)
0.536
Multas sobre contribuição previdenciária
0.657
CONFINS
38.634
Contribuição social sobre o lucro líquido
8.666
Concurso de prognósticos
0.468
Receita própria do Ministério da Saúde
0.573
Outras contribuições sociais(4)
1.045
CPMF
14.396
TOTAL DE RECEITAS
120.691
II DESPESAS

Pagamento total de benefícios(5)

1 – Benefícios previdenciários(6)
64.284
Urbanos
53.858
Rurais(7)
10.426
2 – Benefícios assistenciais
3.510
RMV
1.503
LOAS
2.007
3 - EPU(8)
0.712
Saúde(9)
20.443
Assistência Social geral
1.021
Custeio e pessoal do MPAS(10)
4.077
TOTAL DAS DESPESAS
93.026
SALDO FINAL
27.665
Fonte: SIAF e Fluxo de Caixa do INSS (dados da Previdência)

II

Atualmente se fala, se escreve e se debate muito sobre a Previdência Social. E a controvérsia é concentrada entre a Previdência do INSS X Previdência do Serviço Público. Verifica-se uma forte corrente em favor da unificação dos regimes, pretendendo-se um tratamento isonômico a todos os trabalhadores de empresas e dos serviços públicos de todos os poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No entender dos defensores da unificação esta deverá criar maior igualdade na distribuição de renda e acabaria com os “privilégios” das aposentadorias dos servidores públicos. Parte-se do pressuposto de que todos os encargos sociais são mantidos por toda a sociedade, direta ou indiretamente. O objetivo seria dar um tratamento igual a todos os trabalhadores, sem distinção.

Impõe-se discutir, refletir mais profundamente sobre todas as repercussões do sistema único, principalmente se o mesmo é dirigido para favorecer os cidadãos. Dadas às condições concretas das idéias, esta unificação nivelaria pelas deficiências e não pela eficiência, o que é o objetivo do bem estar da seguridade social, sem qualquer avanço para os trabalhadores em geral.

Os defensores da unificação esquecem que a própria Constituição estabelece uma diferenciação entre empresas e administração pública, dedicando um capitulo a esta última e outro aos servidores públicos. O servidor é admitido como “empregado” do Estado, destacando-se várias situações distintas que o diferencia do trabalhador em geral do setor privado: não negocia salário que é fixado em lei; não tem o beneficio do FGTS; não faz jus ao seguro-desemprego; não tem direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço; não participa dos lucros da empresa; não possui o direito de assinar convenções, dissídios ou acordos coletivos de trabalho e carece do direito de greve. Ressalte-se que todas essas garantias asseguradas ao empregado do setor privado foram expressamente excluídas da Constituição como direitos do servidor público. Embora dele seja exigidos o dever e lealdade de forma tão rigorosa que pode responder, mesmo depois de aposentado, pelos atos praticados na atividade podendo ser castigado com a cassação da aposentadoria, o que alcança, também, o sustento da família, o que evidentemente não ocorre com o trabalhador do setor privado. Se os defensores da unificação têm como objetivo estabelecer a igualdade dos direitos previdenciários esquecem de lutar pela igualdade dos direitos trabalhista.

Rio, 30 de janeiro de 2003

· Secretário da Executiva Estadual/RJ e membro do Diretório Nacional do PPS.

(1) Receitas e Despesas da Seguridade Social conforme o artigo 195 da C.F.
(2) Receita Liquida = Arrecadação bancária + Simples + depósitos judiciais + restituição de arrecadação – transferências a terceiros
(3) Correspondem a rendimentos financeiros, antecipação de receita e outros, segundo o Fluxo de Caixa do INSS.
(4) Referem-se a contribuições sobre o DPVAT (vai para a Saúde), contribuições sobre prêmios prescritos, bens apreendidos (parcela da assistência social).
(5) Referem-se aos benefícios mantidos (previdenciários + assistenciais), excluindo-se EPU e benefícios anistiados.
(6) O valor direto do Fluxo de Caixa do INSS (que somou R$ 65.787 bilhões) devido à separação das RMVs em item próprio.
(7) Dados sujeitos a alteração.
(8) Encargos previdenciários da União: benefícios concedidos através de leis especiais, pagos pelo INSS, com recursos da Seguridade Social, e repassados pelo Tesouro.
(9) Inclui ações de saúde do SUS, saneamento e custeio do Ministério da Saúde.
(10) Pagamento realizado a ativos, inativos e pensionistas do INSS, bem como despesas operacionais consignadas.

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