quinta-feira, 3 de julho de 2008

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A CULPA É DOS OUTROS
Rolf Kuntz*

O presidente Lula garante: há gente torcendo pela inflação "para ter um discursinho para atacar o governo". Essa gente, segundo ele, há três anos não tem assunto para criticar o governo.
"Quem torce para este País não dar certo simplesmente vai quebrar a cara. Se não fosse presidente da República, ia dizer quebrar outra coisa." Podia ter dito. Isso não faria muita diferença e não tornaria menos patético o palavrório presidencial. O discurso é velho, tem sido muito usado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não foi inventado por ele e não revela muita criatividade.
A seqüência das afirmações é típica. Primeiro, alguém se alegra porque alguma coisa vai mal e isso representa munição para usar contra o governo. Depois, há um deslizamento, uma espécie de contrabando conceitual: o adversário do governo é inimigo da Pátria. Pode ser o Brasil. Pode ser outro país. Foi assim no tempo dos militares, na época do "ame-o ou deixe-o". Foi assim no nazismo e em regimes autoritários de vários matizes. O padrão se repete com o governo petista.
O discurso de Lula fica a um passo de atribuir a esses adversários, inimigos do Brasil, a responsabilidade pela inflação crescente. Ele não completa a seqüência, mas não renuncia a uma insinuação: "Se tem alguém especulando com a expectativa inflacionária..."O governo está aí para enfrentar o perigo e salvar o Brasil, assegura o presidente.
Não diz como agirá, mas promete não permitir o retorno da inflação. De onde vêm as pressões?
Quando se trata de esclarecer esse ponto, ele se limita, por enquanto, a pôr a culpa nos de fora - além, naturalmente, de plantar aquela insinuação contra inimigos internos nunca nomeados com suficiente clareza.Alguém mostrou a Lula, recentemente, uma informação jornalística sobre especulação com alimentos, petróleo e outros produtos básicos.
Ele somou os dados e montou um discurso confuso, mas convincente para um certo tipo de auditório, misturando a crise imobiliária, as perdas bancárias no mundo rico, a atuação do banco central americano (o Federal Reserve, Fed) e as ações e omissões das autoridades americanas e européias.
Usou esse material na reunião de cúpula do Mercosul, na cidade argentina de Tucumán, e no lançamento do plano de safra, em Curitiba. Sobrou pancada também para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e para outras instituições multilaterais: acusou-as de minimizar os problemas e de poupar de críticas os países mais poderosos.
Além disso, há uma tentativa, segundo Lula, de jogar a culpa nas economias emergentes produtoras de alimentos e de combustíveis. Já houve teorias conspiratórias bem melhores, mas essa pode servir muito bem ao público disposto a levar a sério o palavrório de Lula.
Esse público não deve estar muito interessado nos fatos. Em outubro do ano passado, na assembléia anual do FMI e do Banco Mundial (Bird), a maior parte dos debates e pronunciamentos tratou da crise imobiliária e bancária e dos aumentos de preços de alimentos, de petróleo e de outros produtos básicos. Economistas do FMI chamaram a atenção não só para os fundamentos do mercado, mas também para a especulação no setor de commodities, convertidas em ativos financeiros.
Em maio, ao depor no Congresso americano, Michael Masters, diretor de um fundo de hedge, apenas detalhou informações correntes sobre a onda especulativa nas bolsas de mercadorias.Na reunião de outubro, o presidente do Bird, Robert Zoellick, dedicou a maior parte de seus pronunciamentos à situação dos países pobres importadores de comida.
Anunciou ações de emergência e lançou uma convocação aos governos - incluído o brasileiro - em condições de socorrer as populações mais necessitadas. O novo diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, defendeu ações imediatas de ajuda aos países pobres importadores de alimentos.
Esse tipo de ação, segundo Strauss-Kahn, seria perfeitamente compatível com as normas de trabalho do Fundo, porque a crise produz, entre outras conseqüências, problemas de balanço de pagamentos. Nesta semana, a instituição divulgou estudos sobre os danos causados aos países mais pobres pelo encarecimento da comida e do petróleo. O FMI já iniciou programas de auxílio.
E o governo brasileiro?
Por enquanto, Lula e seus ministros se limitam a discursar contra a inflação e a proclamar um aperto fiscal inexistente. Na prática, a despesa do governo continua abrindo espaço às pressões inflacionárias. A única ação efetiva contra o surto de inflação, no Brasil, continua sendo a política de juros do Banco Central. O resto é conversa.
*Rolf Kuntz é jornalista

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