terça-feira, 29 de julho de 2008

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O CRIME E O VOTO NO RIO
Editorial / O Estado de S. Paulo


Dos 4,5 milhões de cariocas aptos a votar este ano, pelo menos 500 mil, ou 1 em cada 11 eleitores, vivem em áreas controladas por traficantes de drogas ou milícias. Estas são quadrilhas armadas de policiais, bombeiros e agentes penitenciários que começaram vendendo proteção a comerciantes, passaram a taxar os serviços locais do chamado transporte alternativo e a oferecer acesso clandestino a TV a cabo - isso quando não se apossaram pura e simplesmente dos negócios mais lucrativos das “comunidades”, como revendas de antenas parabólicas e botijões de gás. Vistas de início pelas atarantadas autoridades como uma espécie de linha auxiliar no combate ao narcotráfico, as milícias proliferaram a ponto de se estimar que já dominam uma centena de favelas do Rio de Janeiro - e recorrem à brutalidade para controlar também o voto de seus moradores.

Traficantes e milicianos não apenas tratam de pressioná-los, por todos os meios, para que votem nos seus candidatos, mas transformam os seus redutos em currais eleitorais - onde só aqueles podem fazer campanha. Na semana passada, a polícia apreendeu na casa do chefão da Rocinha, Antônio Bomfim Lopes, o Nem, uma ata de reunião que transcreve a sua ordem de “todo o empenho” para o seu candidato a vereador: “Ninguém trabalhando para candidato de fora, não agendar visita, não convidar para eventos.” E a advertência: “Não aceito derrota!!!” O predileto chama-se Luiz Cláudio de Oliveira, codinome Claudinho da Academia, presidente da associação dos moradores da favela e réu em 14 processos penais. Tem o apoio do dirigente do MST José Rainha Júnior, sugerindo uma relação como as que devem ter facilitado a entrada das Farc colombianas no ramo da droga.

Diante da imundície da ficha do aliado de Rainha, a Justiça Eleitoral fluminense poderá impugnar a sua candidatura. Partiu do TRE do Rio, a propósito, o movimento para negar registro a candidatos condenados em primeira instância - o que o TSE vetou por estar em desacordo com a Lei das Inelegibilidades. A Polícia Federal, de seu lado, vai investigar esse e outros casos de coação a eleitores mediante violência, cujos beneficiários também poderão ser removidos da disputa se o Ministério Público confirmar as denúncias. E uma candidata a vereadora, Ingrid Gerolimich, do PT, requereu garantias para pedir votos na Rocinha. Acompanhada de policiais militares de fuzis em punho, andou pela favela que tinha sido aconselhada a evitar. “Foi um ato de protesto por todos os candidatos”, explicou. Nessa linha, o candidato a prefeito Fernando Gabeira sugeriu que todos, em conjunto, a imitassem.

A lei do cão que os delinqüentes vêm impondo ao eleitorado dos seus antros se estendeu, no último sábado, aos repórteres fotográficos de três jornais que acompanhavam uma incursão eleitoral do senador Marcelo Crivella, candidato à prefeitura pelo PRB, pela Vila Cruzeiro, no bairro da Penha. Em dado momento, um bandido armado com um fuzil os obrigou a apagar de suas câmeras as imagens feitas pouco antes no local que mostravam duas figuras escondendo os rostos quando abordadas por Crivella. (Nas redações, as fotos foram recuperadas e publicadas.) O patético, no episódio, foi a reação do governador Sérgio Cabral, que o considerou “sinal de um estado de exceção”, como se a violência tivesse sido cometida por uma autoridade propensa a praticar atos ditatoriais ou como se esperasse que traficantes e milicianos agissem de acordo com os princípios democráticos.

Exceção é o poder público ter algum sucesso diante das máfias que construíram ao longo de décadas de impunidade o proverbial Estado dentro do Estado no Rio de Janeiro, não em pouca medida graças à sua capacidade de se infiltrar nas instituições políticas e no próprio Judiciário. Uma dessas situações excepcionais foi a prisão em flagrante do deputado estadual Natalino Guimarães, do DEM - 12 dias depois de ter sido expulso da Polícia Civil. O seu irmão, vereador Jerominho Guimarães, do PMDB, também ex-policial, está preso desde dezembro. A dupla é acusada de comandar a milícia Liga da Justiça, que age na região de Campo Grande, na zona oeste da cidade. Outro deputado - mais um vindo da polícia - tido como chefe de milícia é o petista Jorge Babu. É fácil imaginar como se elegeram.

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