terça-feira, 8 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


VELHAS LIÇÕES
Míriam Leitão


Há dois pontos inescapáveis sobre inflação: ela atinge mais duramente os mais pobres, como mostrou ontem novamente a FGV, e ela não pode ser subestimada. Tivemos índices muito piores que os de agora, mesmo assim é preciso continuar alerta. Erraram todos os ministros que disseram coisas como: é apenas um repique, um soluço, culpa do chuchu, coisa de especuladores, é uma alta atípica, inflação do feijãozinho, exagero da imprensa.


Quando a inflação começa a subir, é sempre um risco. Os dados de ontem do IPC-C1, índice da Fundação Getúlio Vargas, mostram que, em 12 meses, a inflação das famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos ficou em 9,1%. Isso significa que, em um ano, quase 10% da renda dessas pessoas evaporou. A inflação de alimentos, por esse mesmo índice, foi de 18,9%, também em 12 meses. O inimigo não é trivial, ainda que não tenha a mesma dimensão do passado.


Num país que teve inflação tão alta durante tanto tempo, os mecanismos de recriação dos círculos viciosos ainda não estão completamente enferrujados. O Brasil foi o país do mundo que mais aperfeiçoou a tecnologia de extrair inflação da inflação, através dos mecanismos de indexação. Quatorze anos é bastante tempo, mas ainda não o suficiente para apagar a memória coletiva.


Até porque o país não está completamente desindexado. Os aluguéis e contratos prevêem mecanismos de correção em 12 meses. As tarifas públicas são reajustadas, em alguns casos, duas vezes por ano. Planos de saúde sobem sistematicamente acima da inflação. Mensalidades escolares, também. Uma parte da dívida pública é corrigida pelos índices de inflação.


Hoje os fornecedores de matérias-primas, insumos e serviços começam a querer reindexar pelos índices mais altos, e nem todos os compradores estão conseguindo evitar essas pressões. Atualmente, os mecanismos de correção são mais lentos, contudo, se a inflação começar a subir, os fornecedores de serviços e contratos vão encurtar o tempo entre uma correção e outra. Isso é o perigo a ser evitado.


Há pressões de custos e há pressões de demanda. O petróleo está vivendo um choque internacional de grandes proporções, e vários derivados têm aumentos mensais decididos pela Petrobras; outros têm reajustes que são passados automaticamente de acordo com os preços internacionais, como na petroquímica.


O mundo vive uma escalada dos preços de alguns alimentos. O Brasil é grande produtor e exportador de soja, carne, açúcar, café, milho, mas isso não nos protege. O que subir lá fora subirá aqui dentro. O produtor só venderá o produto aqui se for vantajoso financeiramente. Isso faz com que os preços internos sejam contaminados pelas cotações internacionais.


A situação não é desesperadamente ruim como já foi no passado, porém é preciso avaliar que: há choques externos, o país está vivendo um momento de aumento de consumo e de crédito e o governo ampliou seus gastos. O Banco Central tem tido independência para agir, mas vem atuando sozinho nessa luta. Não se luta contra a inflação com uma arma só. Levar a alta de preços a sério e pensar em prevenir novos aumentos não é o mesmo que fazer terrorismo. Erra quem pensa que o problema vai desaparecer sem estratégia, sem um bom diagnóstico, sem atuação coerente do governo, apenas ficando todos calmos.


A política de metas de inflação foi extremamente bem-sucedida. Implantada num momento em que a política de câmbio fixo havia implodido; em que dez em cada dez economistas estrangeiros acreditavam que o país corria o risco de volta da hiperinflação, essa política de metas nos conduziu à inflação descendente. Funciona bem há 9 anos. Nada foi tão longo e teve tanto êxito na luta contra a inflação no Brasil quanto as metas de inflação. O congelamento que durou mais tempo fracassou em 9 meses; o câmbio fixo foi fundamental para quebrar a inércia, mas entrou em colapso no fim do quarto ano e de muitas crises.


A nossa inflação de agora não tem a mesma dimensão, nem de longe, da que já nos sufocou. Evidentemente que não é o caso de fazer estoques e correr para compra de bens que representem reservas de valor. Esse reflexo condicionado daquele passado não estava ocorrendo nem ao consumidor, nem aos analistas quando o ministro da Fazenda falou do assunto, num total despropósito.


A inflação dos dias atuais não tem nada a ver com aquelas emergências do passado. É uma inflação global, com dois choques importantes de preços, e que encontra a economia brasileira aquecida, um boom de crédito, os ministros batendo cabeça em teses contraditórias sobre o que fazer neste momento e os gastos públicos em expansão. Esses ingredientes são suficientes para que a alta de preços se eleve a dois dígitos. E isso é que deve ser evitado.


É hora de cabeça fria, de compreensão exata desse fenômeno, e também de evitar qualquer inclinação à subestimação do que está acontecendo. Este é um país que conhece bem o fenômeno inflacionário e sabe como, individualmente, deve se proteger dele. O perigo é que, quando todos individualmente se sentem protegidos, é que a inflação dispara mesmo. As lições de momentos extremos que vivemos devem servir de base; apesar de estarmos com 6,5% de inflação. O desafio é mantê-la nesse nível, mirar uma convergência lenta para o centro da meta e não deixá-la subir gradualmente.

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