quarta-feira, 23 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


OBAMA "TEFLON"
Merval Pereira


NOVA YORK. O provável candidato democrata à Presidência, senador Barack Obama, é um sucesso de público, mas não tinha até agora conseguido transformar esse inegável apelo em um apoio consolidado, tanto assim que as pesquisas de opinião o mostram sempre à frente do senador John McCain, mas a uma distância relativamente pequena. A mais recente pesquisa Gallup mostra uma diferença de apenas três pontos percentuais. O sucesso até o momento de sua primeira viagem internacional como presuntivo candidato pode lhe dar essa musculatura que falta. Está ficando claro que o primeiro-ministro do Iraque, Al-Maliki, aproveitou-se da presença de Obama para mandar o recado de que apoiava a proposta de uma retirada de tropas americanas em 16 meses a partir de janeiro de 2009, provocando irritação na Casa Branca e deixando o senador McCain isolado em sua posição radical de não sair do Iraque "nos próximos cem anos".


De fato, há sinais claros nos últimos dias de que a campanha republicana está perdendo o controle com o sucesso do adversário, e os mais evidentes deles são os anúncios que começaram a ser veiculados, tanto na televisão quanto na internet.


Para tentar quebrar o predomínio de seu adversário na cobertura da mídia, McCain pensa até em antecipar para esta semana o anúncio de seu vice. Somente levantando essa expectativa, a partir da noite de segunda-feira, o candidato republicano conseguiu atrair a atenção para sua campanha, enquanto todos os holofotes se viravam para a viagem de Obama.


Também uma publicidade divulgada nos últimos dias na televisão, tentando culpar os votos de Obama no Senado pela alta da gasolina que tanto afeta a vida do americano médio, mostra o desequilíbrio que tomou conta da campanha de McCain.


Tudo está sendo tentado para reduzir a importância ou colocar no ridículo a viagem de Obama pelo mundo. McCain chegou a dizer que não sabia se "o pessoal do Missouri" iria gostar de ver Obama sendo ovacionado pelos europeus.


Num momento crítico da economia americana, quando o euro fica cada vez mais forte que o dólar e até a compra da fábrica da cerveja Budweiser por uma empresa européia, a AmBev (belgo-brasileira, para nós, e apenas belga para os jornais americanos) é vista como um sinal de fraqueza quase tão expressivo quanto, nos anos 90 do século passado, os japoneses comprarem o Rockefeller Center, em plena Manhattan.


Quatro anos atrás, essa carta antieuropéia foi jogada, com sucesso, contra o candidato democrata John Kerry, que passava as férias na região francesa da Bretanha. Mas Kerry era um milionário com pose de aristocrata, ao contrário de Obama.


Há também muita queixa contra a mídia por parte da campanha de McCain, e com certa razão. A viagem de Obama está sendo acompanhada por um séquito de jornalistas, inclusive os três principais âncoras da televisão americana, e uma verdadeira veneração por Obama é expressa às vezes de maneira tão explícita que permite até exageros como o de Chris Mathews, da MSNBC, que chegou a dizer certa vez que, ao ouvir Obama discursando, sentiu "um excitamento" subindo-lhe pelas pernas.


O caso foi relembrado esta semana no talk-show de Jay Leno, e a campanha de McCain colocou na internet um vídeo irônico com essas e outras demonstrações de "amor" por Obama por parte de jornalistas. Nesse ponto, e não onde Lula as vê, existem semelhanças entre as figuras de Obama e de Lula, a começar pelo apelido de "teflon", em que nada pega, nem mesmo quando muda radicalmente de posição e, tendo sido considerado o senador mais esquerdista de Washington, vota a favor da escuta telefônica sem permissão da Justiça, enquanto o "conservador" McCain pelo menos se absteve.


O governo Lula prefere, de maneira geral, um futuro presidente republicano, "menos protecionista" e, sobretudo, menos "próximo dos tucanos" do que a oligarquia Clinton. A escolha de Obama como candidato democrata afastou o pior pesadelo de Lula, o de ter novamente um Clinton na Casa Branca, o que fortaleceria seu adversário Fernando Henrique.


Mas, embora não esteja ainda afastada a hipótese de que a senadora Hillary Clinton venha a ser candidata a vice na chapa de Obama, a influência maior na candidatura Obama dentro do Partido Democrata está mais para a oligarquia Kennedy do que para os Clinton.
Mas a relação especial que existe entre Lula e Bush, selada na parceria sobre os biocombustíveis, que tanta polêmica provoca hoje no mundo por causa da alta do preço dos alimentos, pode continuar com McCain, que tem se mostrado muito mais sensível à abertura comercial do que seu adversário democrata.


Mas Lula vê na história de Barack Obama semelhanças com a sua vida, embora essa seja uma percepção equivocada, já que Obama faz parte de uma elite, ele próprio um intelectual formado pelas principais universidades americanas, filho de um professor.


O fato de ser o primeiro negro a ter chances reais de vir a ser presidente da República, porém, o tem colocado em uma redoma, longe dos ataques, e qualquer referência mais crítica é considerada "politicamente incorreta".


Ao contrário, Obama encarna o "politicamente correto", e não se dá direito nem mesmo de sorrir de uma piada sobre ele, o que vem provocando reclamações, e até situações radicalizadas como a reação à capa do "The New Yorker" em que aparece vestido de muçulmano com sua mulher fantasiada de guerrilheira no Salão Oval. Mesmo com todas as explicações, que até podem ser insuficientes, a revista foi "punida" e seu repórter, barrado na viagem que Obama está fazendo.


Um detalhe mostra bem até aonde vai a preocupação com detalhes de sua campanha. Para a convenção democrata, foi contratada a ativista ambiental Andrea Robinson, que vai medir as emissões de carbono de cada viagem, de cada placar, até cada xícara de café. E a maior parte da comida será orgânica ou produzida localmente, para reduzir as emissões durante o transporte.

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