quinta-feira, 10 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


DEUS FEZ A SUA PARTE
Carlos Alberto Sardenberg


Visto de fora, com a vantagem da distância que embaça os detalhes, o Brasil parece muito bem. Visto em perspectiva global, parece excepcionalmente bem.


De que o mundo precisa e vai continuar precisando? No essencial, de alimentos e energia. Ora, o Brasil já é grande produtor e exportador de alimentos, tem terras e capacidade para melhorar sua posição. Energia, o país já tem para o gasto, ou quase, e pode se tornar grande fornecedor mundial.


Há aqui, aliás, outra combinação que favorece o Brasil. O mundo quer também energia verde - e o país já tem desenvolvida a capacidade de produção do etanol da cana-de-açúcar.


É verdade que essa energia tem alcance limitado. Nem plantando toda a terra agricultável do mundo com cana seria possível produzir o etanol necessário para mover a frota mundial de automóveis. O etanol será mistura para a gasolina. Vai daí que o petróleo continuará sendo a principal fonte para os carros, assim como para a indústria global. Tudo bem, a mão de Deus colocou o Brasil nesse jogo.


Pelo que apontam as recentes descobertas de óleo na camada de pré-sal, o país poderá ser um exportador importante de petróleo já por volta de 2015. Conforme as estimativas de técnicos da Petrobras, não seria difícil alcançar vendas externas líquidas de 1 milhão de barris/dia. Mas, leitores e leitoras terão reparado, é tudo na base do "pode ser". Há países não abençoados por Deus, com escassos recursos, que souberam crescer e enriquecer. Japão e Coréia do Sul, por exemplo.


E não é preciso procurar muito para encontrar nações abençoadas mergulhadas em guerras, atraso e miséria. Ou com um crescimento lento e mal distribuído.


Eis uma boa comparação: Israel, sem uma gota de petróleo, com pouca terra boa para plantar, em meio a um deserto, tem uma renda per capita em torno de US$23 mil. É quase o dobro da Arábia Saudita (US$13 mil/ano), entretanto, a maior produtora e exportadora mundial de petróleo. E ainda tem gás, minério de ferro, ouro e cobre.


A história mostra que não é fácil transformar recursos naturais em riqueza da qual as pessoas possam desfrutar. E quando um país consegue combinar a bênção da Natureza com a capacidade da população e a sabedoria de seus líderes, simplesmente decola, como aconteceu com os EUA.


Portanto, o problema brasileiro hoje é como lidar com toda essa potencialidade. O primeiro desafio é não começar a brigar desde já por uma riqueza que ainda não existe.


Qual nosso problema principal? Mobilizar investimentos.


Tome-se o caso do petróleo. Sabe-se onde está e já se conhece, no essencial, a tecnologia necessária para retirá-lo de lá. Mas para fazer isso é preciso construir/ comprar/ alugar sondas, navios, oleodutos, gasodutos e refinarias. Além de formar e contratar o pessoal.


Haja capital.


Há capital no Brasil, mas está longe, muito longe de ser o suficiente. Serão necessários investimentos estrangeiros de porte. Logo, o modelo de exploração precisa atrair o investidor e garantir que a empresa bem-sucedida no negócio poderá fazer e levar o lucro para seus acionistas.


Após a descoberta dos novos campos, o governo brasileiro passou a discutir não exatamente o modelo de exploração, mas quanto disso tudo - que ainda não existe - vai ficar para o Estado. Governos estaduais e prefeituras já cobiçam essa mesma riqueza do futuro.


Já se discute sobre uma nova estatal, por exemplo, que seria a dona exclusiva dos novos campos. Mau começo.


Mesmo porque o atual modelo - leilão e concessão de campos - já se mostrou muito eficiente no que é necessário, aumentar investimentos, nacionais e internacionais, e a produção.


Mas os novos campos vão dar muito dinheiro, comenta-se, não é possível deixar tudo isso para os gringos ou para os capitalistas nacionais. Mas quanto maior o lucro, mais impostos o governo recolhe. E para fazer o lucro, são necessários os investimentos que geram desenvolvimento, emprego e renda aqui mesmo.


Em resumo, é preciso abrir espaço e criar condições para o investimento privado, nacional e internacional, e estatal, da Petrobras.


Quanto aos alimentos? Aí é mais fácil. A terra está aí, é só criar condições para a expansão do agronegócio. Quase se poderia dizer: não atrapalhar o agronegócio.


CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

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