segunda-feira, 21 de julho de 2008

DEU EM ZERO HORA


É MELHOR CUMPRIR A LEI
Paulo Brossard


Fatos dos últimos dias estão a revelar falta de unidade do governo, que é comum quando muitos mandam e ninguém obedece. O presidente da República, ao retornar do giro diplomático empreendido, acostumado como está a opinar e doutrinar a respeito de tudo, chegou a ordenar o retorno de um delegado de polícia ao posto de que se afastara ou fora afastado, e o delegado que fora ou não afastado diz que vai, mas não vai, porque não fará nenhuma investigação, não presidirá nenhum inquérito. E agora? Mas o presidente também disse que não gostou do espetáculo publicitário que tem marcado atos policiais que nada recomendam à necessária discrição inerente ao governo e à administração. No meio desse alarido oficial, aqui e ali, alguma coisa parece estar mudando.

Misturando elementos vários, como justiça e corrupção, governo e permissividade, não será difícil separar coisas tão diferentes. De uma parte, impressionados com as dimensões da corrupção, muitos entendiam, ou pelo menos deixavam entrever, que para combatê-la tudo era permitido, fosse ou não autorizado por lei, enquanto outros pensavam que o ferro em brasa, apto a escoimar a pústula, não excluía ter presente os ditames da lei, de modo a não claudicar no alvo e no modo de enfrentá-lo. Em outras palavras, o combate rijo à corrupção para uns não se sujeitaria aos limites legais, para outros a firmeza na luta contra o câncer social inegável, mais acertado seria se atentasse aos preceitos existentes, talvez menos rápidos, mas mais seguros. As divergências, em verdade, refletiam o perfil mental das pessoas, sua formação e as respectivas experiências de vida.

Enfim, uns queriam extirpar o mal de um golpe enérgico, que interrompesse de pronto a propagação do flagelo e outros entendiam que a degenerescência enraizada dificilmente seria erradicada de uma vez. As leis encerram experiências antigas confirmadas pelo tempo. Elas não são boas por serem antigas, mas são antigas por se terem revelado boas porque adequadas. O respeito à defesa, aos prazos marcados e aos recursos que permitem repensar os juízos deve ser observado somente em tempos normais? Por que não deve sê-lo sempre, particularmente em momentos convulsionados capazes de excitar os sentimentos coletivos? Se a justiça tarda, é a negação de justiça, como diz a sabedoria popular, uma justiça a meia rédea também será uma fraude à justiça. De resto, não se deve esquecer a advertência de Rui Barbosa: "Quando a lei deixa de proteger os nossos adversários, virtualmente deixa de nos proteger"; ou há quem duvide dessa verdade?

Na minha apreciação será sempre preferível o meio em que as garantias legais sejam preservadas, ainda que, o termo de procedimento tarde algumas horas. Será tempo ganho. Tudo deve ser bem feito, especialmente os pertinentes aos princípios fundamentais de liberdade e de ordem.

***
Antes de terminar, devo registrar a notável exposição acerca da "Epidemia do Crack", de Itamar Melo e Patrícia Rocha, desdobrada em capítulos estampados neste jornal. Trabalho sério e doloroso, sem dúvida, e que merece por isso mesmo ser recolhido das páginas efêmeras do jornal para outras mais duradouras, como as do livro. É pungente mas é real e dramaticamente vivo, embora conduza à decadência e à morte.

*Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal

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