domingo, 20 de julho de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

ANJOS E DEMÔNIOS
Ugo Braga

A história por trás da confusão armada por Protógenes

Protógenes Queiroz é um herói desastrado. Escreve mal. Tortuosamente, na verdade — para quem duvida, recomendo uma passadinha de olho no texto completo do inquérito, já disponível nos quatro cantos da internet. O delegado é um maniqueísta. A julgar pelo que diz na peça, pode-se concluir que anda nas ruas ressabiado, envolvido num embate eterno entre o bem e o mal, como nas histórias em quadrinhos. Ouviu um galo cantar e saiu por aí dizendo ter indícios de que Naji Nahas, demônio antigo do purgatório brasileiro, detinha informação privilegiada sobre decisões da política monetária dos Estados Unidos. Delírio! Viu a jornalista Andréa Michael, anjo desse mesmo purgatório, noticiar o andamento das investigações e quis incluí-la como integrante da organização criminosa sob sua lupa. Alucinação! Permitiu a uma equipe de tevê filmar a prisão de Celso Pitta de madrugada, na porta de casa, ainda de pijamas e tridente.

Tolice!
As trapalhadas do delegado federal foram tantas e tamanhas que permitiram aos cães de guerra do PT exibir algo em que estão no estado da arte: mudar o foco, alegar ignorância e depois inocência, conjecturar, acusar e confundir.

Na história que Protógenes tenta contar de forma meio atabalhoada, porém, há uma trama coerente, com início, meio e fim. E nela, acreditem, nobres senhores e belas damas, grassa uma pugna bilionária, da qual reluz um facho vermelho e piscante, a iluminar tristemente os arredores do Palácio do Planalto. E me explico.

A privatização da telefonia brasileira, em 1998, dividiu o mercado em fazendas. Os donos de uma delas não podiam ser donos de outras e umas não podiam vender seus serviços nas áreas das outras. O Estado concedeu o direito de terceiros grupos privados competirem localmente com as ex-estatais já estabelecidas. Assim, em tese, se cristalizariam grandes grupos regionais que seriam postos para brigar entre si dali a alguns anos, quando poderiam disputar clientes em todo o território nacional.

A fazenda chamada Tele Norte Leste, depois Telemar e hoje Oi, foi arrematada por um grupo liderado pelo brasileiro La Fonte, grupo este desafeto dos tucanos, então no poder, que o chamavam de “rataiada”. A palavra é um neologismo para designar um bando de ratos. A fazenda chamada Tele Centro-Oeste, depois Brasil Telecom, foi arrematada por um grupo liderado pelo Opportunity, de Daniel Dantas, financista considerado gênio na academia, muito querido do tucanato.

Pois bem, logo nos primeiros anos, a Brasil Telecom, com o perdão do trocadilho, virou um saco de gatos. Sob influência do PT, que detinha postos estratégicos ao eleger diretores, fundos de pensão brasileiros se aliaram à Telecom Itália, integrantes do consórcio que arrematou a companhia, e passaram a tentar destituir o Opportunity da gestão da empresa. Por quê? Porque descobriram que o banco de Dantas, graças a um agressivo arranjo societário e a uma aliança sólida com o Citibank, que o bancava, entrara com quase nenhum capital no negócio, embora mandasse nele absolutamente.

A briga pelo controle da Brasil Telecom foi renhida, sangrenta e cruel. Milhões de dólares voaram de um lado a outro, entre bancas de advocacia e outras despesas menos glamourosas. Até que, em meados de 2002, Daniel Dantas dá uma cartada arriscada. Faz a direção da companhia telefônica contratar a empresa Kroll Associates, maior do mundo na área de espionagem industrial. E passa a monitorar a vida de praticamente todas as pessoas que pudessem influenciar a batalha. E-mails do então ministro Luiz Gushiken e filmagens de viagens do presidente do Banco do Brasil, Cássio Kasseb, estão no material.

Em outubro de 2004, a Polícia Federal é acionada para acabar com a bisbilhotice de Dantas. Deflagra a Operação Chacal a apreende uma série de dossiês, documentos e relatórios de todo tipo, com as informações que o Opportunity havia amealhado nos meses anteriores.

Descobre-se que Dantas reunira informes segundo os quais o megaespeculador Naji Nahas era uma ponte confiável da Telecom Itália até o Palácio do Planalto. Mais, que se articulava num bastidor muito profundo a futura fusão da Telemar, aquela da rataiada, com a Brasil Telecom.

Não por coincidência, o antigo pacto com o Citibank ruiu e o Opportunity acabou mesmo defenestrado do comando da telefônica. Dantas começa a se aproximar de Nahas para, de alguma forma, recuperar o prejuízo. É ali, quase quatro anos atrás, que começa a Operação Satiagraha, com o olho e os grampos de Protógenes sobre a dupla.

O que aconteceu desde então? A Telemar injetou milhões de reais na empresa do filho do presidente da República. Depois, recebeu outros bilhões do Banco do Brasil e do BNDES para comprar a Brasil Telecom. O negócio depende de uma mudança na lei feita por decreto presidencial, que vai sair. Uma vez feito, Daniel Dantas, já apaziguado, bota US$ 1 bilhão no bolso pela parte do capital que ainda detém. E todos vivem felizes para sempre. Apesar de Protógenes.

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