quarta-feira, 16 de julho de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O BAÚ DO VELHO REPÓRTER
Villas-Bôas Corrêa


Em dia de faxina para colocar em ordem a bagunça das pastas e malas de recortes e lembranças do repórter veterano, encontrei uma velha foto, ainda nítida com a marca do saudoso e grande fotografo Achiles Camacho, das reportagens semanais dos meus tempos de iniciante – lá se vão quase 60 anos – dos Comandos Parlamentares de A Notícia e O Dia.

Nela o registro de um flagrante impossível de ser imitado nestes tempos de absoluta insegurança da falência múltipla dos três poderes. Não consegui localizar com precisão qual é a favela, das muitas que subi sem jamais encontrar qualquer dificuldade. Mas o episódio salta inteiro do buraco de décadas: ao redor de um balaio de caranguejos cozidos, meia dúzia de moradores da favela destrincham o crustáceo com as mãos. Entre eles, em fraterna intimidade, os deputados federais Heitor Beltrão, da finada UDN, Breno da Silveira, também udenista e o padre deputado Medeiros Neto, do PSD.

Tão surpreende quanto o flagrante é a sua crônica. Não há insinuação de bravata na veneranda imagem de deputados acompanhados de repórter e fotografo nos altos de uma favela. O que choca como uma pancada na nuca é o contraste entre o ontem e o hoje. Afinal, cinco décadas são um instante na história de um país ou de uma cidade.

A Cidade Maravilhosa "cheia de encantos mil" é um verso da marcha de André Filho, lançada em 1934, em gravação de Aurora Miranda, que virou hino e como a Copacabana, a Princesinha do Mar do samba canção de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravação de Dick Farney, de 1946 são contemporâneas da foto da favela. De uma cidade que se perdeu na rolagem dos anos até a degradação da imundície, da insegurança, dos engarrafamentos que infernizam a população assustada, que se tranca em prédios com grades, tão vulneráveis como as delegacias e penitenciárias de que os presos entram e saem como visitantes.

Não há a menor justificativa para o espanto ou o destaque de manchetes com os vexames a que se submetem os candidatos a prefeito e a vereador nesta cidade que é cada vez menos civilizada, ordeira e atraente.

O debate pelas tribunas parlamentares sobre a legitimidade das exigências dos novos donos do pedaço – os líderes das milícias armadas que controlam a virtual totalidade das favelas – de prévio pedido de licença dos candidatos para a caça ao voto em plena temporada oficial de campanha é de encafifar o mais insensível dos cariocas de nascença ou por adoção.

A vereadora Verônica Costa parece jactar-se da sua habilidade em passar por baixo das cercas com a devida licença dos chefes das milícias. Passa recibo na proibição de não cometer a imprudência de "entrar em seis comunidades da Zona Norte do Rio". O animado debate ganha o colorido com os toques de revelações precisas: "No Rio das Pedras, procurei o Nadinho e ele liberou". Mas, esclarece as ressalvas: "Eles têm regras. Hoje em dia só entro pedindo licença à milícia. Só se entra com autorização".

O candidato a prefeito, Fernando Gabeira, do PV, propõe a troca constrangedora da escolta policial por um telefone vermelho, ligado ao Tribunal Regional Eleitoral (TER) e que seria utilizado pelos candidatos quando em situação de risco.

O exemplo mais expressivo é do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio e que foi repreendido como menino de escola que faz uma arte, pelo presidente da associação de moradores da favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por ter feito campanha no espaço sob seu controle, acompanhado de assessores e candidatos à Câmara Municipal, sem prévio aviso e a devida permissão.

Nesta cadência, dentro em pouco as milícias vão exigir que a política também peça licença antes de ultrapassar os limites que demarcam as áreas da cidade.

Depois da barriga do Ronaldo Fenômeno nada mais ameaça deslocar o nosso queixo.

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