domingo, 20 de julho de 2008

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

GRANDES TRAPALHADAS
Alberto Dines


O sânscrito entrou em nossas vidas pelas mãos de um delegado da Polícia Federal. Inspirado na bandeira da não-violência do Mahatma Gandhi (o líder indiano que levou o seu país à independência em 1947), Protógenes Queiroz batizou a operação para desbaratar uma poderosa rede de corrupção e crimes financeiros, com o exótico nome de Satia+graha (vontade+firmeza=integridade, rigor moral e espiritual). Sem dúvida: melhoramos de paradigma.

Desastroso está sendo o resultado. É bem verdade que o banqueiro Daniel Dantas agora é réu. Com provas irrefutáveis e inquestionáveis. Não estava nos planos da PF enquadrá-lo como corruptor ativo, mas o mago das finanças, ao perceber o cerco, desta vez desesperou-se: tentou corromper os delegados que estavam no seu encalço oferecendo-lhes o equivalente a um milhão de dólares. Ferrou-se.

O resto da operação sob o ponto de vista jurídico é discutível. Não fosse o aspecto simbólico e espetacular da prisão de Daniel Dantas e alguns de seus cúmplices, entre os quais o megatrambiqueiro Naji Nahas e o pobre do Celso Pitta interessado apenas em garantir sua mesada, a acusação foi considerada precária por juristas que chegam a qualificá-la como inepta.

Cientes das falhas, os responsáveis pela Satiagraha foram em frente e tomaram uma decisão tão desesperada e insensata quanto a de Daniel Dantas ao corromper um delegado: violaram o segredo de justiça e vazaram para a imprensa partes do relatório da autoridade policial certos de que pela quantidade e importância dos nomes envolvidos conseguiriam causar grande comoção na sociedade. Ferraram-se.

Complicaram-se logo no primeiro vazamento que incluía a transcrição de uma gravação telefônica entre um ex-deputado do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh que trabalha para Daniel Dantas e o seu amigo, Gilberto de Carvalho, chefe de gabinete do presidente da República.

O governo procurou reagir e o fez da mesma forma desastrada e trapalhona. As sucessivas declarações do ministro da Justiça, Tarso Genro, enquanto o presidente Lula ainda se encontrava no exterior desvendaram o despreparo jurídico e político do governo para gerenciar situações de crise.

Tal como aconteceu em 2005 no escândalo do mensalão, no ano seguinte com os aloprados do Dossiê Vedoin e no início de 2008 com o Dossiê da Casa Civil, o comando político do governo comporta-se de forma tacanha quando flagrado em situações onde o seu celebrado senso ético fica sob suspeição.

Foi simplesmente ridícula e grotesca a solução encontrada para mostrar à sociedade que o governo não afastou o delegado Protógenes Queiroz do comando da Satiagraha. A gravação de uma reunião de três horas da cúpula da PF e posterior divulgação de um boletim de quatro minutos (além disso, editado) revelam a inexperiência e o nível de desnorteamento do comando político, incapaz de esconder sua propensão para soluções discricionárias e burlescas.

Não adianta esconder: a PF está e sempre esteve dividida quando a sua indiscutível competência esbarra na intocabilidade de certas esferas da administração. E o governo está igualmente dividido no tocante à figura de Daniel Dantas, peça-chave para a montagem da supertele que resultará da fusão da OI-BrT.

As atribulações mais sérias na vida de Daniel Dantas começaram a partir do momento em que foi envolvido no mensalão. Investigá-lo além da tentativa de corromper delegados da PF podem atribular muita gente.

O que nos leva ao real significado do conceito Satiagraha. A firmeza da vontade preconizada por Gandhi nada tem a ver com voluntarismo político ou bonapartismo psicótico. É uma disposição tranqüila e metódica de levar a busca da verdade às últimas conseqüências.

A reação atrapalhada de Daniel Dantas caiu do céu. As trapalhadas do governo ao lidar com o caso mostram que, apesar de tudo, algo acontece.

» Alberto Dines é jornalista.

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