quinta-feira, 3 de julho de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO

SERRA NÃO NADARÁ NUM MAR DE ROSAS
Maria Inês Nassif


Há algo mais do que um simples racha entre PSDB e DEM no ar poluído da capital paulista. A candidatura à reeleição do prefeito Geraldo Kassab (DEM) é um ingrediente novo num cenário onde há 15 anos três partidos - o PSDB, o PT e o PP (ou seja qual for o nome do partido do ex-prefeito Paulo Maluf) - monopolizam as atenções do eleitor. Kassab interrompe o que tem sido uma gradativa e natural transferência para o PSDB dos votos mais à direita, historicamente destinados a Maluf, ao entrar diretamente na disputa por esse eleitorado; e o candidato tucano, Geraldo Alckmin, além de deixar de ser o caminho natural para o eleitor malufista, tem dificuldades de acesso ao eleitorado mais à esquerda e ao voto de periferia, que teria de disputar com Marta Suplicy (PT).

Em 2004, PSDB e DEM estavam juntos, com o hoje governador José Serra (PSDB) na cabeça de chapa e Kassab na vice. Serra, com um perfil mais à esquerda do que o DEM e com um eleitorado forte ao centro, conseguiu com a aliança também agregar votos à direita e vencer as eleições. Em outubro próximo, DEM e PSDB não apenas serão concorrentes, mas terão candidatos com um perfil ideológico muito semelhante.

Em 2000, quando era vice-governador e candidatou-se a prefeito, Alckmin conseguiu ser o maior beneficiário do esvaziamento do eleitorado malufista. Maluf foi seriamente atingido pelo catastrófico mandato de seu apadrinhado, Celso Pitta (1996-2000). Segundo estudo de Fernando Limongi e Lara Mesquita, 27% dos eleitores que votaram em Maluf em 1996 transferiram seu votos para o PSDB na eleição seguinte ("Disputa por votos malufistas deve marcar eleições à prefeitura de São Paulo", Cristiane Agostine, Valor, 29/10/2007). A partir de então, a polarização entre PT e Maluf na capital paulista cedeu espaço ao PSDB. Em 2000, Marta Suplicy obteve 38,01% dos votos no primeiro turno, e o então PPB de Paulo Maluf, com 17,35%, foi para o segundo turno com uma distância de apenas 0,14 pontos percentuais sobre o PSDB. Nas eleições de 2004, vencidas, enfim, pelo tucano José Serra, o PSDB teve 43,56% no primeiro turno, contra 35,82% de Marta Suplicy. Maluf veio em distante terceiro lugar, com 11,92% dos votos.

A soma dos votos da classe alta e a manutenção de parcela do eleitorado ex-malufista, de classe média conservadora (que deu acesso dos tucanos à periferia de São Paulo), pode ter sido determinante para a vitória de Serra. Foi determinante, contudo, não ter ninguém concorrendo em sua faixa de eleitorado e conseguir avançar sobre os votos conservadores. O hoje governador conseguiu votos à direita sem ter uma firme rejeição do eleitorado de centro-esquerda, onde disputava votos com o PT.

Alckmin e Kassab disputam mesmo voto

Essas eleições concentram candidatos à direita na capital paulista - Kassab, Alckmin e o próprio Maluf, que nas pesquisas ainda exibe 8% das intenções de voto. Os votos conservadores estão rachados e qualquer dos dois candidatos depende de polarizar com a petista Marta Suplicy para ter chances de ir ao segundo turno. Ser uma alternativa viável à petista arregimenta votos à direita, que tende a exercer o voto útil contra o candidato de esquerda.

Se Alckmin conseguir isso, ainda terá de superar suas dificuldades de acesso aos votos de periferia. Aí o PT tem superioridade porque foi o alvo preferencial da administração petista, ainda na memória recente; e porque tem beneficiários dos programas sociais do governo Lula. No segundo turno das eleições de 2002, quando disputaram a Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra, a diferença de votos dados aos dois na cidade foi mínima - 48,94% para o tucano e 51% para o petista, o que representou escassos 167 mil votos. Na Zona Leste, Serra levou uma surra de Lula: em Sapopemba, Itaim Paulista e Guaianazes, o presidente obteve 60% dos votos. Kassab, candidato à reeleição, retomou programas do governo de Marta e governou para a classe média - isso lhe dá possibilidade maior de acesso ao eleitor pobre e pode atrair os eleitores ricos, onde os tucanos exercem a hegemonia.

Marta ainda pode crescer na periferia. Lá, é mais forte a atuação de movimentos sociais, que tendem a exercer o seu voto útil no PT; os programas sociais do governo federal são em maior número; e parcela do petismo local compete ativamente com a política de clientela liberada do malufismo.

Com o PT com preferência consolidada na população pobre e o PSDB na população rica, os votos da classe média conservadora, malufista ou ex-malufista, são fundamentais para qualquer candidato que dispute com Marta. É difícil, nessa circunstância, imaginar que durante toda a campanha as relações entre Kassab e Alckmin serão cordiais - na verdade, eles estarão competindo fundamentalmente um com o outro, junto ao mesmo eleitorado, para disputar o segundo turno. Alckmin, que fez da sua candidatura a maior pedra no sapato do governador José Serra - cuja aliança em torno da reeleição de Kassab consolidaria, por si, o apoio à sua candidatura em 2010 - pode ser um complicador maior ainda, quando a disputa eleitoral exigir um ataque frontal ao candidato do DEM. A vida de Serra não vai ser um mar de rosas.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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