sexta-feira, 18 de julho de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


VOTO EMOÇÃO, VOTO CABEÇA
Por Cláudia Izique, para o Valor, de São Paulo


Na mesa de cabeceira de qualquer marqueteiro engajado nas eleições municipais há um livro intitulado "O Cérebro Político: O Papel da Emoção na Decisão dos Destinos do País". Nele, o psicólogo americano Drew Westen, da Universidade de Emory, defende a tese de que a razão e a racionalidade desempenham papel pouco importante na decisão do voto e que é a emoção que prevalece na escolha. Enquanto os republicanos são pródigos no uso de palavras e imagens que desencadeiam cascatas de emoções durante uma campanha, os democratas, segundo Westen, acreditam que a mente humana age sem paixão - e por isso acabam perdendo eleições.

A tese de Westen, que ele garante estar fundamentada na neurociência, não soa como novidade aos ouvidos dos marqueteiros brasileiros. Desde que a lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, instituiu o horário eleitoral gratuito e levou a campanha para a TV, eles passaram a perscrutar a cabeça dos eleitores, sem o auxílio de "scanners" ou de aparelhos de ressonância magnética, mas com pesquisas de opinião pública. "Está superada a idéia de que o voto é uma experiência associada à identidade social com o candidato ou à afinidade psicológica do eleitor com o partido, ou fruto de uma escolha racional", constata o cientista político e analista de pesquisas Antonio Lavareda, responsável pelo marketing da campanha do prefeito paulistano Gilberto Kassab, candidato à reeleição. Com mais de 20 anos de experiência no ramo, ele afirma: a decisão de voto é resultado de um "mix" de fatores afetivos e racionais que se associam em diferentes proporções e variam de acordo com tendências individuais.

Westen chegou a conclusão semelhante - ainda que enfatizando o lado da emoção - por um método considerado mais científico: monitorou a atividade cerebral de 30 pessoas filiadas aos partidos Republicano e Democrata enquanto eram confrontadas com afirmações, positivas ou negativas, sobre seu candidato e o do partido oponente - no caso, George W. Bush e John Kerry, em 2004. Diante de afirmações desabonadoras sobre o adversário, a área do cérebro responsável pelo julgamento racional rapidamente entrava em funcionamento. Mas quando o alvo era o candidato do coração, os circuitos neurais envolvidos com a emoção acendiam, ativados pelo desconforto, e o cérebro do eleitor passava a buscar "recompensas" para afastar o conflito, recorrendo, finalmente, à racionalização, para restabelecer a escolha afetiva. Conclusão: o eleitor decide com a emoção e justifica com a razão.

O fato de os Estados Unidos contarem com um sistema bipartidário com 150 anos de história, terem um terço do eleitorado democrata e outro terço, republicano votando com os respectivos partidos - mas todos compartilhando os mesmos valores do "sonho americano" -, muito provavelmente fez com que a tese de Westen pendesse para um lado mais afetivo, pondera o cientista político Eduardo Graeff, que ocupou a Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Se ele tivesse ouvido os eleitores independentes, talvez não fosse tão radical.


O Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, tem um sistema político multipartidário e eleições que funcionam como uma espécie de plebiscito do governo. Se a economia vai bem e os empregos aumentam, o eleitor tende a aprovar o governante. Se as coisas vão mal, é hora de mudar e ele sai à procura de outro candidato, a despeito de compromissos partidários. É nesse trajeto, acreditam os especialistas, que a intuição dialoga com a razão.

"As emoções são anteriores à cognição dentro do processo de tomada de decisão e os dois sistemas afetivos engendram comportamentos racionais", explica o cientista político Jairo Pimentel, autor da tese "Razão e Emoção no Voto em 2006", em que contesta a posição radical de Westen. O marketing político, ele diz, pode até gerar sentimentos positivos ou negativos, mas não consegue manipular o eleitor que já tem predisposição ou já interpretou a realidade.

"O voto tem cálculo e o eleitor faz conta de acordo com o jogo que se arma em cada eleição", diz Jairo Nicolau, cientista político do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), da Universidade Cândido Mendes. Na contabilidade eleitoral, a identificação com a legenda pode ter algum peso para menos da metade do eleitorado e, ainda assim, sem garantia de fidelidade.

"Se o candidato ficar do tamanho do partido, perde a eleição", comenta Graeff. De fato, foi-se o tempo em que os partidos políticos mobilizavam a militância para fazer caixa e lotar comícios. "Isso acabou", sublinha Nicolau. Hoje, os partidos dependem do dinheiro do Estado e, com a campanha na TV, prescindem da militância. "São as organizações não governamentais e do terceiro setor que disputam a atenção da juventude. Os partidos envelheceram e precisam mesmo é de marqueteiro", analisa Nicolau.

Mais que isso: para efeito de voto, é cada vez menos nítido o distanciamento "ideológico" entre legendas. E não só no Brasil. "Não existem mais partidos comunistas ou de direita e há um novo centro. Na Europa, por exemplo, todos são a favor da democracia e contra o desmonte do Estado. Há consenso em relação à democracia e não existem partidos querendo derrubar o regime", afirma Nicolau. Transposto para as eleições municipais brasileiras, o raciocínio identifica consenso em relação às principais demandas das cidades que estão prestes a eleger - ou reeleger - seu prefeito. "As rivalidades, nesse caso, mais se assemelham à disputa de um campeonato de futebol."

Em São Paulo, por exemplo, todos os candidatos têm proposta para melhorar a qualidade dos transportes, do trânsito ou da educação. No caso da educação, a diferença certamente estará fincada em programas de governo que proponham abrir diálogo com o sindicato dos professores ou ampliar o número de horas de permanência dos alunos na escola. Sem grandes diferenças programáticas, as campanhas tendem a ficar centradas na figura dos candidatos, no seu carisma, na competência e na confiança que despertam.

Engana-se, porém, o candidato que pensa levar vantagem se buscar identificação com o eleitor. Esse esforço não produz mais qualquer efeito político. Na primeira campanha com eleições diretas para a Presidência da República, em 1989, os dois bordões do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva - "Trabalhador vota em trabalhador" e "Um brasileiro igualzinho a você" - não funcionaram e Lula perdeu para Fernando Collor de Mello, um caçador de marajás desconhecido, eleito por um PRN ainda menos conhecido. "Em 2002, quando Lula mais se distanciou da identidade popular, ganhou a eleição", lembra Nicolau. Aos que ainda atribuem a vitória de Lula à genialidade do marqueteiro Duda Mendonça - que colocou a imagem de ratos roendo a bandeira nacional sob a frase "Xô Corrupção" - Nicolau adverte: "Lula se elegeu por conta do desgaste de Fernando Henrique Cardoso e da crise econômica e não por causa de imagens, como a das mulheres de branco, correndo no gramado."

"A identificação com a legenda pode ter algum peso para menos da metade do eleitorado e, ainda assim, sem garantia de fidelidade"

Apesar de os recursos simbólicos de Duda Mendonça terem sido avalizados em grupos de pesquisas - "Pôxa, está acontecendo alguma coisa com o meu país", sinalizou um eleitor, descreve Mendonça no livro "Casos e Coisas" -, na lógica do eleitor médio, seis fatores têm peso efetivo, garante o diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos Almeida: a avaliação dos governos, a identidade dos candidatos, o nível de lembrança, o currículo e o seu potencial de crescimento, somados à sua insensibilidade aos apoios políticos. "Popularidade e simpatia são intransferíveis", sublinha Almeida. Assim, um candidato de governo com bons índices de avaliação de "ótimo" e "bom", baixo nível de rejeição, com identidade clara e imagem conhecida, que entra numa disputa com um cardápio de realizações e promessas alinhadas às principais expectativas da população, dificilmente perderá uma eleição.

Em maio de 1988, por exemplo, cinco meses antes das eleições presidenciais, Fernando Henrique Cardoso, então candidato à reeleição, fez uma declaração infeliz: "Todo aposentado é vagabundo", lembra Almeida em seu livro "A Cabeça do Eleitor". O deslize do presidente não teve qualquer repercussão nas pesquisas e ele se elegeu no primeiro turno. Sua candidatura estava blindada pelo desempenho do governo. Quatro anos depois, com a avaliação em queda, Fernando Henrique não conseguiu eleger José Serra.

Quando o eleitor opta pela mudança, sai à procura de um candidato identificado com a oposição. "A pior coisa que pode acontecer é a falta de clareza na imagem", adverte Almeida. Em 2002, depois de ter ocupado o segundo lugar nas pesquisas, Ciro Gomes, candidato do PPS, acabou em quarto lugar por que não fincou pé em nenhum terreno do eleitorado, "nem governista, nem oposicionista", lembra Almeida. Outra regra básica na lógica do eleitor e que vale para qualquer campanha eleitoral majoritária: ele tem que conhecer o candidato. "Tornar-se conhecido é, em geral, um esforço de longo prazo", observa o diretor do Instituto Análise.

Por esse critério, na atual campanha para a prefeitura de São Paulo, os candidatos do PT, Marta Suplicy, e do PSDB, Geraldo Alckmin, que já disputaram três eleições, entrariam em situação de vantagem. Em junho, eles tinham, respectivamente, 31% e 25% das intenções de voto. Gilberto Kassab, do DEM - que participou de uma única eleição majoritária, e na condição de vice de José Serra - contava 13%. Sua gestão à frente da prefeitura da capital, no mesmo período, no entanto, tinha 53% de aprovação e o prefeito, um percentual de 37% de "ótimo" e "bom", de acordo com pesquisa Setcesp/Ibope, o que o coloca na condição de candidato com potencial de crescimento. "Até setembro, o que vai valer é a sua exposição na mídia", afirma Figueiredo.

Nessa altura do campeonato, literalmente, o que menos importa é a intenção de voto, afirma Lavareda. As pesquisas eleitorais só começam a ter peso, segundo ele, dez dias depois do início do horário eleitoral gratuito, que começa em 16 de agosto. Hoje, 25 de julho, os marqueteiros podem ser encontrados em campo, definindo planos estratégicos e táticos, e preparando as mensagens que devem conter elementos afetivos e racionais. Pesquisa sobre a eleição paulistana, divulgada pelo Datafolha há uma semana, revelou que, para o eleitor, Marta Suplicy é a "defensora dos pobres", Geraldo Alckmin é considerado "inteligente" e Gilberto Kassab é visto como "emocionalmente desequilibrado." Paulo Maluf é "o mais corrupto."

Ainda há tempo para mudar essa avaliação. "Campanha é ciência e arte", afirma Lavareda, recorrendo a uma imagem bélica para descrever o esforço de marketing: um míssil dirigido ao alvo, armado com uma ogiva onde está inscrita uma "mensagem", cuja forma - definida a critério dos criadores da campanha - deve ser "emocional" o suficiente para mobilizar e enraizar a mensagem.

Os marqueteiros justificam seu esforço com o fato de as campanhas terem de se confrontar com a qualidade da publicidade veiculada na TV. A concorrência, aliás, é uma explicação para o fato de tantos marqueteiros serem dublês de publicitários: o horário eleitoral gratuito convive com grades de programação na TV e as mensagens precisam enquadrar-se no formato de comercial, para ter efeito e "despertar emoções", diz Lavareda.

Nessa altura da campanha eleitoral, a principal ferramenta dos marqueteiros são as pesquisas de opinião, que lhes permitem identificar o "clima", a avaliação que eleitores têm dos candidatos e sua expectativa em relação à mudança. "O momento "A" é diferente do momento "B". A mudança é imponderável e cabe a quem faz campanha ter discernimento para identificar os rumos a serem tomados", ensina Lavareda. São essas pesquisas que municiam os responsáveis pela campanha com informações sobre o que e como comunicar e indicam os meios mais eficientes.

De volta ao polêmico livro de Westen: o sucesso está nas informações, fundamentadas na neurociência, supostamente preciosas para os marqueteiros da campanha presidencial americana. O psicólogo lembra, por exemplo, que as pessoas, "de modo inato", não gostam de assimetrias faciais e que rostos sorridentes ativam partes do cérebro que reforçam felicidade.

Nos Estados Unidos, no entanto, essa sugestões podem não ter repercussão. "Lá, a relação do partido com o marketing político é diferente", compara Graeff. Os consultores e estrategistas dos partidos, ele diz, são engajados e muitos integram o staff do candidato. "Aqui, quem faz campanha são os publicitários e marqueteiros, prestadores de serviço, que nada têm a ver com o partido. Pior: nossos partidos não "brifam" os marqueteiros", critica Graeff. "Não adianta ter propostas dos melhores especialistas para tudo que é problema social e econômico se falta ao partido e a seus candidatos um núcleo básico de valores pelos quais estejam dispostos a brigar."

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