quinta-feira, 31 de julho de 2008

REALISMO REDIRECIONOU ITAMARATY NA FASE FINAL DA RODADA DOHA
Jarbas de Holanda



Bloqueado em seu fechamento pela exigência da Índia e da China de salvaguardas restritivas de importações, sobretudo de produtos agrícolas, que foram rejeitadas pelos EUA, o último grande esforço da Rodada Doha, em Genebra, para a abertura do comércio global, ensejou uma virada significativa na política externa brasileira. Na etapa conclusiva das negociações, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, deixou de lado a retórica terceiro-mundista retomada nos últimos anos, aprovando e assumindo uma decidida defesa, ao lado da representação da Austrália, da proposta do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy – apoiada pelos EUA, União Européia e Japão -, que representava a alternativa capaz de salvar a Rodada do impasse, ou fracasso (que terminou acontecendo) e de abrir caminho para essa abertura. Tal virada de nossa diplomacia comercial refletiu orientação direta do presidente Lula e foi definida em função os interesses concretos do Brasil de ampliar – nos países desenvolvidos e também em outros emergentes, como a China e a Índia – o mercado para nossos produtos industriais e do agronegócio, incluída a prioridade de transformação do etanol numa expressiva commodity energética.

Trechos da avaliação da proposta do diretor da OMC, em editorial da Folha de S. Paulo, de ontem, intitulado “A cartada do Brasil”: “Na esfera agrícola, os Estados Unidos aceitam reduzir em 70% seus subsídios, limitando-os a US$ 14,5 bilhões/ano. A União Européia compromete-se com um corte de 80%, restringindo-os a 24 bilhões de euros por ano. Em escala mundial, as tarifas agrícolas mais altas seriam reduzidas em 70%. Alguns produtos designados como “sensíveis” poderiam ter alíquota acima de 100%. A proposta permite que países desenvolvidos classifiquem como sensíveis até 4% de seus produtos. Em contrapartida, devem aumentar as cotas de importação nos mesmos 4%. Países em desenvolvimento podem classificar como especiais até 12%. No âmbito industrial, os países desenvolvidos limitariam suas tarifas a 8%. Países em desenvolvimento teriam três opções. No caso dos emergentes, como o Brasil, a contrapartida seria participar de pelo menos dois acordos setoriais de liberalização comercial. Em razão de ser um dos principais beneficiários de uma abertura agrícola, o Brasil decidiu afastar-se de parceiros tradicionais e apoiar a proposta, unindo-se aos EUA, União Européia e Japão.

Trecho de editorial do Globo, também de ontem, sob o título “Romper as amarras”: “Será lastimável se houver novo fracasso na Rodada de Doha, o que certamente congelará o projeto de liberalização do comércio mundial por algum tempo, durante o qual o protecionismo poderá recrudescer, ajudado por uma conjuntura de desaquecimento global. Se isso acontecer, pelo menos o Brasil terá conseguido romper os limites estreitos da visão míope terceiro-mundista que vinha pautando a sua diplomacia comercial. Enfim, parece ter ficado evidente ao Itamaraty que os interesses nacionais não podem estar condicionados a geopolíticas retrógradas. Tampouco faz sentido o país se imobilizar por causa da crise argentina, causada pelos erros do casar Kirchner.”

Em perspectiva similar a deste editorial, pode-se dizer que, mesmo com o fracasso da Rodada Doha, a postura assumida pelo Itamaraty na fase conclusiva das negociações, e a firmeza com que a adotou, favorecerão mais espaço para nossos produtos nos grandes mercados norte-americano e europeu, bem como a afirmação do país como um negociador realista e de fato empenhado na liberalização do comércio global. Para que consigamos essas compensações, porém, é preciso – segundo vários analistas analisam hoje – que a política comercial praticada pelo Brasil nos últimos anos mude no mesmo sentido realista. O que foi bem resumido em entrevista ao Estado de S. Paulo do ex-embaixador Rubens Barbosa, na qual ele critica o descaso com acordos bilaterais ou regionais no âmbito da Aladi (Associação Latinoamericana de Integração) e de negociações com os EUA, a União Européia e países da Ásia. Mais adiante afirma Rubens Barbosa, que agora coordena o departamento de comércio exterior da Fiesp: “A posição do Brasil nos últimos dias da Rodada Doha foi de um rompimento com o G-2- e com o Mercosul. A Argentina tinha claramente outra posição e nós fomos abandonando a unidade do Mercosul e do G-20. Pessoalmente acho que foi uma boa decisão.” Reportagem da Folha – “Colapso de Doha muda política comercial” – traz como subtítulo “Chanceler brasileiro admite agora priorizar acordos bilaterais com outros países para ampliar o comércio externo do país”.

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