sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Breve notícia de um tabu


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O Orçamento é a principal política pública. Perdoe o leitor por começar com uma tremenda obviedade. Mas é uma obviedade necessária, na medida em que, no Brasil, o Orçamento sempre foi tratado como peça de ficção, por vários motivos.


O principal deles, nos anos de superinflação: como acreditar em uma peça em que se previa, no fim de um dado ano, gastar no ano seguinte x milhões de uma dada moeda se todo mundo sabia que os milhões estariam reduzidos a mil ou a uma mera centena no ano em que o gasto efetivamente ocorreria?

Graças à estabilização da economia, nos últimos anos a mídia passou a tratar o Orçamento com a seriedade que ele merece. Mas a seriedade ainda não consegue desafiar o tabu dos juros.

Vamos aos fatos: o pagamento dos juros é a rubrica que mais recursos públicos consome. Só nos sete primeiros meses deste ano, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,54% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da economia de um país).

Para o ano que vem inteiro, inteirinho, o Orçamento prevê para as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, a menina dos olhos do presidente Lula), apenas R$ 21,2 bilhões, a quinta parte, portanto, do que vai para juros.

Mesmo que se some aos investimentos a parte correspondente às estatais (R$ 50,1 bilhões), tem-se, portanto, R$ 71,3 bilhões de investimentos em todo o ano de 2009 e R$ 106,8 bilhões de juros em sete meses de 2008.

Não, não estou propondo o calote no pagamento da dívida. Só estou expondo uma outra obviedade: há algo de errado em um país que gasta tanto com juros e tão pouco com investimentos produtivos ou com o funcionalismo (4,93% do PIB em 2009 contra os 6,54% dos juros, só entre janeiro e julho).

Por que esse assunto é tabu que nem se ousa ao menos discutir?

Nenhum comentário:

Postar um comentário