quarta-feira, 13 de agosto de 2008

DEU EM O GLOBO

PF DESAFIA STF E ALGEMA 32 DE UMA SÓ VEZ
Anselmo Carvalho Pinto


A Polícia Federal prendeu e algemou 32 pessoas suspeitas de envolvimento com corrupção ontem, na Operação Dupla Face, a primeira depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou limitar o uso de algemas aos casos em que há risco de agressão ou fuga. Os presos, com investigações em Mato Grosso e mais quatro estados, são servidores públicos e despachantes. Advogados reclamaram da exposição de seus clientes, que foram fotografados e filmados no momento da prisão. A OAB de Mato Grosso protestou. O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse que “se não há periculosidade, se é crime financeiro, de falcatrua, o chamado crime do colarinho branco, não há necessidade de algema”. O superintendente da PF em Cuiabá, Oslaim Santana, defendeu o uso de algemas: “Depois que alguém é preso, nunca se sabe qual é a sua reação.”

Em SP, pai e avô acusados de tentar matar uma jovem fizeram acordo com a Polícia Civil para não serem algemados no momento da prisão.


Algemas para todo mundo

PF contraria STF e, na primeira operação após decisão dos ministros, imobiliza 32 presos

Na primeira grande operação desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão de limitar o uso de algemas no Brasil, a Polícia Federal prendeu e algemou ontem 32 pessoas envolvidas com corrupção na superintendência do Incra e na Receita Federal de Mato Grosso. Os presos são suspeitos de receber propinas para a liberação de certidões para a venda de propriedades rurais, entre outros crimes. Advogados dos presos protestaram contra a exposição dos clientes, que foram, inclusive, fotografados com as algemas ao serem presos. A operação foi batizada de Dupla Face pela PF.

A Justiça Federal em Cuiabá expediu 34 mandados de prisão e 65 de busca e apreensão de documentos nas cidades de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e, principalmente, Mato Grosso, onde funcionava a base do esquema.

Vinte e oito prisões foram cumpridas em Cuiabá. Os mandados de prisão são contra 13 servidores do Incra, três da Receita Federal e 16 despachantes, que faziam a intermediação entre os servidores e as pessoas interessadas em obter benefícios nos órgãos públicos. Entre os presos está o procurador do Incra Antônio Reginaldo Galdino Delgado. Segundo o delegado federal Luciano de Azevedo Salgado, responsável pelo inquérito, o procurador do Incra "dava pareceres favoráveis aos interesses da quadrilha". Até a noite de ontem, a PF ainda procurava duas pessoas cujos nomes não foram revelados.

OAB de Mato Grosso protesta contra PF

O advogado José Petan Toledo Piza, que defende nove presos, entre eles o procurador Delgado, protestou na frente do prédio da PF contra o uso das algemas.

- São todos funcionários públicos, eles não oferecem perigo. Por que algemá-los? Talvez para contrapor a decisão do STF. Agora, as algemas já os condenaram perante a sociedade - disse o advogado.

Toledo Piza informou que ontem mesmo iria entrar com o pedido de relaxamento da prisão de seus clientes. Outros dois advogados, que não quiseram se identificar, também condenaram a exposição dos detidos.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Mato Grosso protestou contra a operação. O presidente da entidade, Francisco Faiad, anunciou que vai ouvir os depoimentos dos presos e enviá-los à Justiça Federal de Cuiabá e ao Ministério da Justiça, a quem a PF está subordinada. Ele quer punição aos policiais federais envolvidos na operação.

- O que houve aqui foi um abuso de autoridade. Mais um espetáculo para a mídia - disse Faiad.

No último dia 7 de agosto, o STF anulou a condenação do pedreiro Antônio Sérgio da Silva, de Laranjal Paulista, por homicídio sob o argumento de que sua permanência algemado perante o júri popular influenciou no veredicto que fixou a pena em 13 anos e seis meses de prisão por ter assassinado, a facadas, o marceneiro Marcos Djalma de Souza Soares.

Superintendente da PF defende algemas

Com a decisão, o Supremo estabeleceu que o uso de algemas só pode ocorrer quando há "evidente perigo de fuga ou violência" por parte do preso. A decisão deve se transformar em súmula vinculante, mecanismo segundo o qual as instâncias inferiores terão que seguir o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ou tribunais superiores. Por enquanto, a decisão só vale para o caso específico do pedreiro de Laranjal Paulista, que será submetido a um segundo julgamento. O STF ainda precisa redigir e votar a redação da súmula vinculante para que ela passe a ter validade, o que será feito nas próximas semanas.

O superintendente da PF em Cuiabá, Oslaim Campos Santana, defendeu o uso das algemas. Segundo ele, trata-se de um procedimento padrão adotado em operações policiais.

- A algema é uma proteção tanto para o suspeito quanto para o policial. Depois que alguém é preso, nunca se sabe qual é sua reação. E se, por um acaso, nós o prendermos por um crime menor e o cidadão cometer um homicídio? Ele pode ter uma reação violenta - disse Oslaim Santana.

Segundo o delegado, o manual de procedimentos da PF estabelece o uso das algemas e a proteção da imagem do acusado. Na Operação Dupla Face, no entanto, os presos foram filmados e fotografados pelas equipes de reportagem. No final da tarde, a PF os levou em um ônibus para realizar exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML). Também neste momento a imprensa conseguiu registrar novas imagens dos presos com as algemas.

A operação foi batizada de Dupla Face em razão de a maior parte dos acusados ser formada por servidores públicos, que "aparentavam possuir conduta ilibada, entretanto se locupletavam ilicitamente através de habitual recebimento de propina", segundo a PF.

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