quinta-feira, 21 de agosto de 2008

DEU EM O GLOBO


O REAL E O IMAGINÁRIO
Merval Pereira


NOVA YORK. O maior dos problemas de Barack Obama não é exatamente John McCain, mas a sua inexperiência e, sobretudo, a disputa acirrada com sua companheira de partido, Hillary Clinton, que ainda não terminou. Até aqui, a marca mais importante dessa candidatura surpreendente, a novidade, prevaleceu, mas vai se esvaindo. Foi assim que Obama se impôs aos Clinton dentro de um partido que estava preparado para consagrar a senadora por Nova York quase que por aclamação. As primárias seriam apenas uma etapa formal para a sua indicação a candidata, cuja conseqüência natural seria a eleição em novembro, diante de um republicano que carregava o estigma de ser do mesmo partido do presidente menos popular dos últimos tempos, em um país em crise econômica profunda.

Quando a "Obamania" tornou-se um fenômeno, a tática dos que controlam o partido democrata em Washington não conseguiu conter a onda de novos eleitores que deram um colorido inédito às eleições americanas.

Esses eleitores "sem cabresto" tornaram irreversível a vitória de Obama, e até mesmo os superdelegados, que tendiam a votar em Hillary mesmo Obama tendo mais delegados, tiveram que se curvar diante do apelo inédito dos que se sentiram atraídos pela primeira vez, ou de novo, para a política com o apelo intangível da mudança.

Mas o peso da política tradicional continua contendo os supostos avanços que a candidatura de Obama prometia. Cerca de 40% dos eleitores "de cabresto" de Hillary Clinton se rebelam contra a candidatura de Obama, o que o impede de deslanchar nas pesquisas de opinião.

Mais ainda, ele, na tentativa de não se igualar aos "falcões" da Casa Branca, teve uma reação tíbia diante da invasão da Geórgia pela Rússia, enquanto o velho McCain mostrou os dentes afiados, explorando um ponto em que ele não provoca dúvidas nos conservadores.

Quando se trata de guerra, e especialmente contra a Rússia, McCain não difere em nada do mais radical dos republicanos e acalma os eleitores que o consideram "liberal" demais. Já Obama, quando sentiu que precisava ser mais duro contra a Rússia, já havia passado a imagem de fraqueza e inexperiência que o persegue durante essa campanha.

Está fazendo concessões em excesso para o clã Clinton, e também não se mostrou à altura de se ombrear com o frio ex-líder da KGB, que quer levar a Rússia novamente ao centro do tabuleiro de poder mundial.

A queda nas pesquisas de opinião reflete a desconfiança do eleitorado americano com relação à capacidade de Obama liderar um país em crise e cercado de países dispostos a ampliar seus poderes militares, como o Irã e a Rússia, sem falar no combate permanente ao terrorismo.

Não é à toa que a campanha de Obama voltou-se agora para a crise econômica, tentando transferir para McCain o ônus de ser do mesmo partido de George Bush. Paradoxalmente, porém, há quem destaque que, quanto maior for a percepção da crise econômica dos Estados Unidos, mais os eleitores se preocuparão em entregar o país a um político inexperiente.

McCain está fazendo, com sucesso, o que a senadora Hillary Clinton tentou durante a campanha das primárias, mas não conseguiu: desqualificar Obama para o cargo. Vários discursos seus, falando das palavras ocas de Obama e a diferença entre os dois, um apenas teórico, ela, prática e com experiência de poder, estão sendo mostrados na televisão e citados por McCain, que vem explorando essa fragilidade do adversário desde a viagem internacional de Obama - que, se foi um sucesso de público, especialmente internacional, não funcionou para dentro do país.

Além de estarem precisando de quem trate dos problemas do dia-a-dia, que afetam "as pessoas que freqüentam as filas do Wal Mart", fazer sucesso com europeu não é exatamente o que motiva o eleitorado médio americano.

O discurso poético e idílico de Obama seria a representação do seu cosmopolitismo, que contrasta com a maneira de ver o mundo da maioria do eleitorado. Com uma avassaladora votação entre os hispânicos, chegando a ter 66% dos votos, um índice acima da média dos últimos candidatos democratas, Obama trata de assuntos delicados para esse estrato da população de maneira indireta.

Ele defende, por exemplo, que os hispânicos aprendam a falar inglês, um tema que domina a agenda conservadora. O historiador Samuel Huntington criou muita polêmica ao lançar um livro em que defendia a obrigatoriedade de falar o idioma local para que os imigrantes fossem integrados à sociedade americana. "Não se pode sonhar o sonho americano em espanhol", era uma afirmativa polêmica de Huntington.

Já Obama defende a mesma tese, mas de uma maneira mais "moderna". Ele acha que os hispânicos devem falar inglês para se tornarem mais competitivos no mercado de trabalho, mas defende que os americanos também aprendam espanhol, pelas mesmas razões.

Essa é uma postura que mostra como ele procura sempre caminhos alternativos para não se chocar com nenhuma parte do eleitorado, uma postura que, se não lhe tira votos dos hispânicos, irrita uma parcela do eleitorado. E, sobretudo, abre campo para que seja acusado de ambíguo.

Quanto mais Obama se aproxima do establishment político para ganhar apoio institucional - escolhendo para vice, por exemplo, a própria Hillary ou o senador Joseph Bayne, por presidir o comitê de política externa - mais ele se distancia da candidatura original que dominou o imaginário de uma parte do eleitorado.

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