quarta-feira, 13 de agosto de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


OS OSSETAS E A RAPOSA-SERRA DO SOL
Luiz Carlos Azedo


Infelizmente, no Brasil, quem pensa nos interesses nacionais de longo prazo são os militares. A maioria dos políticos olha para os interesses de curtíssimo prazo, às vezes os do passado

Quando as tropas de Gengis Kan atravessaram o Cáucaso, a Alânia era uma nação em formação, graças à Rota da Seda. O povo de Jas (ossetas), porém, foi expulso das margens do Rio Don — a eterna linha divisória entre a Europa e a Ásia —, para as montanhas do Cáucaso, na fronteira da Rússia com a Geórgia. Essa é a origem das Ossétias do Norte (RU) e do Sul (GEO), repúblicas autônomas da antiga União Soviética criadas por Stálin. Georgiano descendente de ossetas, julgava ter encontrado a fórmula para resolver os conflitos étnicos e a questão das nacionalidades do antigo Império de Pedro, o Grande, e Catarina da Rússia.

Volatilização

Com o fim espetacular e inesperado da União Soviética, a Ossétia do Norte manteve seu status na Federação Russa, mas a Geórgia nunca aceitou a autonomia da Ossétia do Sul. Desde então, a região é um foco de tensões, que agora resultaram numa guerra que desestabiliza a geopolítica da Europa. Quem imaginaria, há 50 anos, a Geórgia em guerra com a Rússia? O Império Soviético parecia inabalável, sobre o tripé Rússia-Ucrânia-Geórgia, as repúblicas asiáticas e os países do Leste Europeu, inclusive a antiga Alemanha Oriental.

A Guerra Fria, apesar do conflito sino-soviético, durante 40 anos, rumou noutra direção. Primeiro foi a Revolução Cubana, depois o colapso do colonialismo na África, a derrota norte-americana no Vietnã, os aiatolás do Irã no poder e a democratização da América Latina. A partir da década de 1990, porém, o jogo virou completamente. Os soviéticos foram volatilizados, o antigo regime comunista virou um folclore que ainda atrai turistas. A Alemanha voltou a ser uma só, a Estônia, Lituânia e Letônia se tornaram independentes, Ieltsin dissolveu a União Soviética. A Iugoslávia implodiu em guerras civis nos Bálcãs, berço de duas guerras mundiais. As fronteiras da Conferência de Yalta, desenhadas pelos vitoriosos na II Guerra Mundial, foram descongeladas e os países do Leste Europeu ingressaram na Comunidade Européia. Cuba e Coréia do Norte pagam o preço do dogmatismo; a China do massacre da Paz Celestial resultou num “capitalismo de Estado” que ninguém sabe ainda aonde vai, mas que o mundo observa de bem perto nestas Olimpíadas de Pequim.

O que será?

Quem dá as cartas no “grande jogo” das potências ocidentais no Oriente são os Estados Unidos: um pé no Afeganistão, outro no Iraque, a mão peluda na Bósnia e outra, de gato, na Geórgia. O olho ianque da direita vigia a Rússia, que tenta se reerguer com potência energética da Europa; o da esquerda, a China, cuja influência cresce na Ásia e na África. Onde entra o Brasil nessa história? Fica de fora, na arquibancada da Rodada de Doha, onde a diplomacia brasileira apostou todas as fichas, em busca de um acordo multilateral mais favorável aos emergentes no mercado globalizado.

E daqui a 50 anos, o que será? Seremos uma grande potência energética, com petróleo em abundância na plataforma continental, grandes hidrelétricas e minerais estratégicos na Amazônia, num cenário de esgotamento de reservas mundiais. O futuro da América Latina, porém, ainda é uma incógnita, devido às contradições crescentes no subcontinente, como a ameaça separatista na Bolívia, a presença militar norte-americana na Colômbia, a belicosidade da Venezuela de Chávez, os ressentimentos do Paraguai, sem falar do narcotráfico.

Infelizmente, no Brasil, quem pensa nos interesses nacionais de longo prazo são, principalmente, os militares. A maioria dos políticos olha para os interesses de curtíssimo prazo, às vezes os do passado. Essa é a diferença, por exemplo, entre a polêmica criada pelo comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro, sobre os riscos à soberania na reserva Raposa-Serra do Sol, e o debate patrocinado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre a Lei de Anistia. A guerra na Ossétia do Sul é um conflito no fim do mundo, mas suas causas estão muito próximas de nós por causa do velho padrão energético que o mundo pós-moderno herdou da sociedade industrial.

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