quarta-feira, 20 de agosto de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


CEIA ANTECIPADA
Luiz Carlos Azedo


É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu tirar o gênio da garrafa e promover uma reforma política. Fará seis pedidos aos Congresso: restaurar a cláusula de barreira, acabar com as coligações em eleições proporcionais, exigir fidelidade partidária, endurecer a lei de inelegibilidades , implantar o financiamento público de campanha e adotar o voto em listas partidárias. Com isso, o quadro partidário seria mais enxuto e definido ideologicamente. Acredita que assim acabaria o me-dá-me-dá na base governista. Hoje, a negociação é voto a voto, o que obriga o Executivo a comer pela mão de deputados e senadores da base governista a cada vez que precisa aprovar alguma coisa no Legislativo. Muitas vezes, um acordo com a oposição sai mais barato. Prevista para depois das eleições municipais, a reforma política proposta pelo presidente Lula é mais ou menos a mesma coisa do que convidar os perus para uma ceia de Natal antecipada.

Os partidos

Logo após o golpe de 1964, os militares também tentaram dar um jeito no que consideravam a “bagunça” dos partidos. Todos foram extintos, inclusive a UDN, que havia apoiado o golpe de Estado. O general Castelo Branco, que havia assumido a Presidência, tentou dar “racionalidade” ao sistema partidário e implantou o bipartidarismo. Além de uma Lei Orgânica dos Partidos, na qual foram criados a Arena e o MDB, implantou um código eleitoral e uma lei de inelegibilidades. A partir das eleições de 1974, porém, o bipartidarismo passou a funcionar contra os militares, porque aglutinou toda a oposição, com exceção dos que haviam aderido à luta armada.

Após sucessivas derrotas eleitorais, os militares promoveram nova reforma partidária, em dezembro de 1979, logo após a anistia política. Concebida pelo general Golbery do Couto e Silva, restabeleceu o pluripartidarismo para dividir a oposição. A antiga Arena virou PDS, o atual PP. O MDB manteve a sigla, o PMDB. Mas a oposição se dividiu com o “racha” do PTB, cuja legenda ficou sob controle de Ivete Vargas; o surgimento do PDT, de Leonel Brizola; e a fundação do PT, sob a liderança de Lula. Tancredo Neves fundou o PP, mas com a adoção do voto vinculado, que proibia as coligações, voltou ao PMDB, partido pelo qual foi eleito presidente da República.Os partidos comunistas (PCB, PCdoB, PSTU) só foram legalizados em 1985, pelo presidente José Sarney. Na Constituinte, peemedebistas dissidentes criaram o PSDB.

As eleições

Com o restabelecimento das eleições diretas em todos os níveis e a liberdade de organização partidária, consagradas pela Constituição de 1988, o quadro partidário se ampliou ainda mais, porém o sistema eleitoral continuou o mesmo. O próprio Congresso tem um regimento herdado do bipartidarismo. Todas as tentativas de reforma política, como a adoção do parlamentarismo ou do voto distrital, fracassaram. Os remendos aprovados pelo Congresso não modificaram significativamente o sistema eleitoral, que passou a ser aperfeiçoado muito mais em razão de medidas adotadas pela Justiça Eleitoral. Recententemente, graças a um ativismo jurídico que muitos caracterizam como a “judicialização da política”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a preencher o vácuo criado pela inércia do Legislativo. E adotou medidas para fortalecer os partidos e aperfeiçoar o processo eleitoral, algumas delas na contramão de decisões tomadas pelo Congresso. É o caso, por exemplo, da interpretação dada à cláusula de barreira, aprovada pelos parlamentares, mas invalidada pelo TSE, e da nova jurisprudência sobre a fidelidade partidária.

Apesar dos escândalos envolvendo os partidos e seus políticos, não se pode, entretanto, jogar a criança fora com a água da bacia. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto e secreto, apuração eletrônica e propaganda eleitoral gratuita na tevê e rádio. Está à frente de muitos países desenvolvidos, inclusive os Estados Unidos, e nem de longe pode ser comparado com a Índia, a Rússia e a China. Somos mais de 130 milhões de eleitores, num ambiente de ampla liberdade, com eleições limpas, apuradas no próprio dia da votação. É muito comum, em época de eleições, cronistas políticos espinafrarem os partidos e os políticos. E abominarem a propaganda eleitoral. Mas não se deve esquecer que só há democracia com eles. E a reforma política de Lula parece mais um casuísmo, cujo objetivo é reabrir as porteiras do troca-troca partidário e facilitar a vida do PT na sucessão presidencial de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário