domingo, 10 de agosto de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

ELEIÇÕES SEM FESTA
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do instituto Vox Populi

Estamos, como se diz em inglês, jogando fora a criança com a água do banho. Se é louvável o esforço de tornar mais autênticas as eleições, os excessos proibitivos não levam a lugar nenhum


O mais grave das crises que desestabilizam o sistema institucional de um país são as conseqüências de longo prazo. Às vezes, pode levar anos até que ele se recupere das ondas de choque que sobrevêm ao abalo inicial. Pior, crises como essas podem ensejar respostas inadequadas, pensadas no calor dos acontecimentos.

Nos últimos anos, passamos por duas crises desse porte. À primeira, reagimos com calma e prudência, mas, à segunda, de maneira precipitada e equivocada.O impeachment de Fernando Collor de Mello quase provoca uma instabilidade permanente, da qual talvez nunca conseguíssemos sair.

A derrubada de um governo por acusações de corrupção, em um país com a experiência que temos com o tema, fez com que se difundisse a noção de que essa solução poderia ser usada quantas vezes fossem necessárias. Passou a ser comum ouvir pessoas dizendo que, se um político fizesse algo errado, “a gente impicha ele”. De recurso último, o impeachment por pouco se transforma em coisa banal.

O sistema político soube, no entanto, manter sob controle tais sentimentos, sem lhes dar trela. O tema voltou à geladeira, onde continua e de onde só deve sair em condições especialíssimas. O mensalão foi diferente. Interpretado com uma crise causada, pelo menos em parte, pelo modo como se financia a política entre nós, ele gerou uma seqüência de reformas, algumas relevantes, outras questionáveis, a maioria visando a reduzir as despesas com as campanhas políticas.

Uma tímida minirreforma chegou a ser aprovada pelo Congresso, mas o grosso das medidas foi sendo fixado nas decisões do Judiciário. Proibindo daqui, cortando dali, aos poucos o TSE foi promovendo as mudanças que entendeu adequadas, enquanto a Câmara e o Senado, onde a discussão deveria ocorrer, apenas assistiam.

A eleição municipal que fazemos é a primeira genuinamente pós-mensalão, pois as de 2006 ainda aconteceram sob as regras antigas. Agora, quase tudo mudou. O tom geral das mudanças é dado por uma espécie de horror ao “gasto excessivo”, como se houvesse alguém capaz de estabelecer o que é excesso, de maneira objetiva e inquestionável, nessa matéria.

Para dar um exemplo: está proibida a confecção e o uso de camisetas alusivas a candidaturas. É uma idéia bem-intencionada, vinda de quem se preocupa com o risco de uma distribuição tão maciça que mude os resultados de uma eleição? Ou é a proibição de que pessoas totalmente conscientes possam se expressar de uma maneira natural na sociedade contemporânea, pela roupa que usam?

Alguém é capaz de adivinhar por que camisetas, canetas e lixas de unha são proibidas? Por serem “benefícios ao eleitor”, que a lei equipara a cestas básicas e bens de elevado valor. Para impedir que as pessoas caiam na sedução de “vender seu voto”. Como se existisse alguém que o fizesse ou, existindo, que deixasse de fazê-lo por ser proibido distribuir camisetas. Por que proibir festas e comícios animados por músicos e cantores? Para proteger os incautos, que poderiam ser levados a votar em alguém ao ouvir uma canção ou ir dançar em um forró? Quem é que supõe que nossos eleitores são tão tolos?

Políticos que atuam em cidades sem televisão dão conta de um quase desaparecimento do “clima eleitoral”, tão típico delas em momentos como este. Sem a animação dos comícios, sem festa, as eleições ficam chochas, desanimadas, com pequena participação. Os candidatos estão acuados, com medo das interpretações sempre imprevisíveis de promotores e juízes pouco preparados para lidar com o assunto.

Nas cidades grandes, a televisão, de rainha, virou soberana absoluta. Nada, além dela, faz sentido, nas eleições de prefeito. É isso mesmo que nossos juízes queriam? Estamos, como se diz em inglês, jogando fora a criança com a água do banho. Se é louvável o esforço de tornar mais autênticas as eleições, os excessos proibitivos não levam a lugar nenhum.

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