sábado, 9 de agosto de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O USO DE ALGEMAS EM DEBATE
Editorial


O Supremo Tribunal Federal abriu caminho esta semana para um bem-vindo e necessário ajustamento do uso, hoje indiscriminado, das algemas. A partir de um caso específico de réu condenado por Tribunal do Júri, em julgamento durante o qual permaneceu algemado, o STF resolveu, por unanimidade, editar súmula vinculante segundo a qual o uso de algemas – não só em julgamentos de acusados de crimes dolosos contra a vida, mas também em audiências e, sobretudo em ações policiais com cobertura ao vivo por um canal de televisão privilegiado – deve ser medida de caráter excepcional, a ser tomada apenas quando for "absolutamente necessária", tendo em vista a segurança dos réus, dos acusados e de terceiros.

Em recente editorial, neste mesmo espaço, o Jornal do Brasil já antecipava a iminência dessa súmula, que terá como base os dispositivos fundamentais da Constituição que protegem a integridade física e moral das pessoas, a recente reforma do Código Processo Penal, o "abuso de autoridade" e a jurisprudência acumulada sobre a questão tanto no STF quanto no Superior Tribunal de Justiça.

A idéia da súmula, proposta inicialmente pelo ministro Cezar Peluso, surgiu ao fim do julgamento de um recurso em habeas corpus apresentado pela defesa de um pedreiro, que cometeu crime passional e foi condenado a mais de 13 anos de reclusão. Sua defesa postulou e conseguiu a anulação do julgamento. O ministro-relator tomou como ponto de partida de seu voto o princípio fundamental da Constituição Federal da "dignidade da pessoa humana" (artigo 1º, inciso 3) e o inciso 49 do artigo 5º, pelo qual "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral".

O ministro Marco Aurélio, relator do recurso, afirmou que "manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada a periculosidade, ante práticas anteriores, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante". Além disso – como lembrou o ministro Eros Grau – dispositivo da recente reforma parcial do Código de Processo Penal (Lei 11.689/08) estabelece que "não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".

No seu voto, Marco Aurélio referiu-se indiretamente aos excessos cometidos pela Polícia Federal, durante a Operação Satiagraha – com direito a espetáculo midiático – ao comentar que o país tem testemunhado "abusos de toda sorte, vendo-se, nos veículos de comunicação, algemadas, pessoas sem o menor traço agressivo, até mesmo outrora detentores de cargos da maior importância na República". Na sessão do STF, falou-se também da lei vigente sobre abuso de autoridade, de 1965, que – embora defasada e oriunda do período ditatorial – proíbe "submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei".

É uma decisão bem-vinda, insista-se. Muitos analistas sublinhados pela sensatez reforçam a tese de que os direitos dos criminosos são desrespeitados no Brasil. Isso vale, em especial, para os presos pobres. A própria regulamentação da Polícia Federal recomenda o uso da algema para quando o preso quer fugir, agredir ou se agredir. Já ficou patente que a utilização do recurso transformou-se em pirotecnia – um subproduto mal acabado da tentativa de livrar o país das chagas da impunidade. No afã de romper com a sina histórica de que a imposição da lei se dá desigualmente, corre-se o risco de devastar irremediavelmente a imagem de quem é, até prova contrária, um suspeito.

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