quarta-feira, 6 de agosto de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


CANDIDATA IN PECTORE
Rosângela Bittar

Neste momento, agosto de 2008, quando ainda faltam dois anos para o início legal da campanha presidencial que vai escolher o sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todos os seus interlocutores políticos, do PT e aliados, chegaram a um termo consensual: Lula já se fixou no nome da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, para representá-lo na disputa. A ministra não divide mais as listas de preferência com o candidato do PSB, Ciro Gomes, nem se incluem entre as possibilidades os petistas ministros Tarso Genro (Justiça), Fernando Haddad (Educação), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social).

Genro continua sendo uma espécie de candidato de si mesmo e a paciência geral com isto, do Presidente à ministra, teria chegado ao limite. A candidatura Fernando Haddad sim, é obra de Lula, mas teria o conceito de balão a ser desinflado no momento em que não for mais necessário preservar a ministra com um escudo interno, deixando-a finalmente isolada no pódio. Inclusive, Haddad está em uma frente, a da Educação, sem grande poder de mobilizar o eleitorado, mais sensível a benefícios na veia, como o Bolsa Família, ou a promessas de obras de arrasar. A avaliação do governo sobre Patrus, colocado no front no início da corrida, é de alguém que não soube usar os instrumentos que tinha em mãos para viabilizar-se.

Nos partidos aliados, o nome considerado para a equação de Lula foi sempre Ciro Gomes, embora o PSB lembrasse em várias ocasiões a possibilidade Eduardo Campos, que ninguém acredita trocará o governo de Pernambuco por uma aventura federal. Hoje, porém, mudou muito a visão que havia no Palácio do Planalto sobre a candidatura Ciro. Em alguns gabinetes próximos ao presidente, ainda se diz que a chapa tanto pode ser Dilma-Ciro como Ciro-Dilma, mas esta inversão está cada vez mais distante no horizonte. A candidata in pectore é Dilma. Até como vice teme-se Ciro Gomes. Diz-se que poderia, como é de seu perfil político, criar problemas para a candidata como já criou para si em outros carnavais eleitorais. Ciro, hoje, está citado nas avaliações mais como um dado eleitoral eventual, de pura e simples soma de votos, do que como um projeto político definido.

Existem, entretanto, duas hipóteses de candidatos que, embora não sejam ameaça efetiva hoje, podem retardar a consolidação definitiva do nome de Dilma. Uma, é Marta Suplicy. Se vencer as eleições para a Prefeitura de São Paulo, avalia-se no PT, seu grupo não se conformará em vê-la longe da disputa presidencial. Outra é o ex-ministro e atual deputado Antonio Palocci. A depender da decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal no processo de quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo. Se não houver provas contra Palocci, ele volta ao governo e, daí, à chance infinita. São, porém, horizontes cercados de nuvens, que podem até se desfazer se a candidatura Dilma, trabalhada com grande antecedência pelo presidente, estiver à época consolidada.

Transferência de votos é, no mínimo, de 20%

Há satisfação no Planalto com o fato de a ministra, ainda tão longe da exposição na TV, partindo do zero, ter atingido 9% nas pesquisas de intenção de voto. Lula acha isto uma verdadeira proeza, resultado da associação de Dilma com sua imagem, e está satisfeito com o fato de a ministra ter tomado gosto pela política depois de ter sido vista, durante todo o primeiro mandato, como uma técnica inflexível. Para Lula, esta primeira fase do projeto já deu certo.

Tudo o que a ministra faz, hoje, está monitorado pelo publicitário João Santana e pelos conselheiros políticos do presidente. Foram eles, por exemplo, que a aconselharam um certo recolhimento, quando começaram a surgir escândalos que a envolveram, tais como o dossiê preparado na Casa Civil contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua mulher, Ruth, sobre uso de cartões corporativos, e as denúncias de favorecimento ao compadre do presidente, o advogado Roberto Teixeira, em negócios da aviação civil. Passado o risco, a ministra voltou a ocupar o centro da cena.

Até o PT, que resistia muito até há pouco, está apoiando Dilma ao constatar que ela é a candidata do presidente. O partido fez, inclusive, uma pesquisa, este mês, para avaliar a transferência de votos e, com base nos resultados, chegou à conclusão ser balela a recorrente assertiva de que a transferência de votos não existe no Brasil. Existiria, sim, para alguém com uma popularidade inédita como a de Lula.

Os exemplos, da história remota ou recente, são realmente de dificuldades insuperáveis. Eurico Dutra quis Otávio Mangabeira, o PSD apresentou Cristiano Machado e ele teve que entregar o governo a Getúlio; Café Filho assistiu à derrota de Juarez Távora; Juscelino Kubistcheck tinha em Juraci Magalhães seu preferido, o PSD foi com o Marechal Lott mas Jânio Quadros venceu todos. De José Sarney, Ulysses Guimarães, por pressão de Waldir Pires, seu vice, recusou o apoio. Tantos fugiram que o presidente acabou sem candidato, embora em certo momento dissessem que estava com Iris Resende. O Plano Real impôs Fernando Henrique e não deixou a Itamar Franco a opção de pensar em alguém para chamar de seu. Fernando Henrique não conseguiu eleger o nome do seu partido, o então bem sucedido ministro da Saúde com sólida biografia, José Serra.

A pesquisa do PT aponta que o presidente Lula pode transferir, no mínimo, 20% dos seus votos a quem indicar como seu sucessor. No partido, afirma-se como irresistível um apelo do presidente, por exemplo, no Nordeste: "Estão satisfeitos comigo? Querem continuar? É ela". É impossível, nesta avaliação, o candidato de Lula ficar fora do segundo turno.

Todas as exceções às regras impostas aos membros do governo não valem para Dilma. Ela pode fazer campanha, agora e sempre, onde quiser, para quem quiser. Tem lugar cativo nos palanques Brasil afora para relançamentos e inaugurações do programa de obras ou reuniões políticas. É o processo, em tempo real, da transferência dos votos a ser conferida.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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