terça-feira, 12 de agosto de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


REVISÃO DA LEI DA ANISTIA É DA JUSTIÇA
Raymundo Costa

Engana-se quem vê em Lula o ventríloquo da defesa que Tarso Genro (Justiça) fez da reabertura do debate sobre a punição dos militares acusados de torturar adversários do regime. No governo e no PT, essa é uma discussão que percorre outra trilha e tem outra ordem de prioridade. A primeira, é o que se chama de "direito à verdade" - a abertura dos arquivos da ditadura. Por essa vereda, a revisão da lei da anistia, questão na qual se enquadra a punição dos torturadores, é assunto da competência exclusiva do Poder Judiciário.

O argumento parece razoável. A anistia foi uma decisão política e constitucional avalizada pelo Congresso, em agosto de 1979. Era o ocaso do regime militar, mas a correlação de forças ainda favorecia o governo dos generais. Era o primeiro dos cinco anos de mandato de João Baptista Figueiredo. Na prática, um pacto de transição que refletia essa relação das forças políticas, tendo de um lado o Executivo, e do outro, a sociedade brasileira, representada no Congresso. Nesses termos, é o Poder Judiciário que deve discutir hoje a abrangência da lei de anistia. Não é o Congresso, não é o Poder Executivo.

Trata-se de uma questão delicada para o governo, que, se não for conduzida corretamente, dificulta uma solução negociada com as Forças Armadas. A punição dos torturadores é um assunto que "une e dá força aos dinossauros", como se diz entre as pessoas ouvidas sobre a questão, em Brasília. Prova disso teria sido a presença de dois oficiais generais - o comandante militar do Leste e o chefe do Departamento de Ensino de Pesquisa do Exército - num seminário realizado no Clube Militar, no Rio de Janeiro, semana passada. Para o governo Lula, um fato negativo, mesmo que os oficiais tenham comparecido em trajes civis, sem a farda e os seus galões.

A reserva falar, se manifestar, como é comum nas tertúlias do Clube Militar, é um direito democrático. Na realidade, uma tradição que em outras épocas era capaz de abalar governos, mas cuja importância se perdeu com a abertura democrática.

Abertura dos arquivos da ditadura é prioridade

Por isso é grave a presença dos dois comandantes militares, ao lado de oficiais ainda agora chamados de "supostos torturadores", porque nunca foram a julgamento, num evidente desafio a um ministro de um governo democraticamente eleito. Tarso Genro, aliás, já regulou o discurso e aos poucos recua para o que parece ser a posição possível de ser negociada com os militares, na ótica de quem participa intensamente da discussão e é parte da equação.

A avaliação no governo e em setores do PT é que o problema foi encaminhado de maneira errada, começando do máximo (a punição aos torturadores) para chegar ao mínimo (o direito à verdade). Atualmente, quem está envolvido na discussão defende que é necessário avançar por etapas. Primeiro, resolver a questão do direito à verdade, que é a parte que cabe ao Executivo. Já a interpretação da suposta cobertura que a lei da anistia dá aos torturadores é tarefa que está na agenda do Judiciário, por iniciativa do Ministério Público Federal. E deve ficar por lá.

Em resumo, a condução política não deve envolver a lei da anistia. O que efetivamente deve ser discutido é o inventário das informações que faltam ser divulgadas - porque muita coisa já saiu ao longo desses 30 anos - e o que precisa ser sistematizado para divulgação. Uma prestação de contas a ser feita pelo Estado, e não pelos comandos militares ou pelo ministro da Defesa, com pedido de desculpas, se for o caso.

Por esse raciocínio, o Estado deve fazer essa prestação de contas, porque a violação aos direitos humanos não foi ação de um bando de tresloucados, mas uma questão de Estado - houve um golpe e um AI-5. Um assunto a ser tratado em baixa intensidade. Isso para não contaminar a agenda com as Forças Armadas, que é o reaparelhamento, a melhoria salarial e o projeto de defesa nacional em discussão. Pois há o risco da condução política até agora dada à discussão contaminar o presente e o futuro com o que se passou há 30 anos.

Nesse sentido, não faltam críticas ao ministro Tarso Genro, pois uma coisa é o pronunciamento do secretário de direitos humanos ou de um deputado. Outra inteiramente diferente o posicionamento de Tarso Genro, comandante de uma das três Pastas que não são ministérios políticos, mas ministérios de Estado: Justiça, Defesa e Relações Exteriores.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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