quarta-feira, 13 de agosto de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


OS FATOS E A CENA
Rosângela Bittar


Pode ser já o esperado vale-tudo para prospectar agora a campanha de 2010; ou, que seja, então, uma pré-aliança, uma espécie de desenho formal do que ficou apenas subentendido em encontros anteriores que vêm ocorrendo há pelo menos dois anos; talvez, ainda, uma maneira de criar fato que provoque e exaspere o candidato a presidente melhor situado no PSDB, que aparenta não se abalar com nada. Pode ser qualquer coisa. Mas o que a cena dos braços dados de Aécio Neves (PSDB), Ciro Gomes (PSB), Fernando Pimentel (PT) e Márcio Lacerda, em foto dos jornais de ontem, menos parece, é uma competente investida de campanha para levantar este último, o candidato do PSB à prefeitura de Belo Horizonte.

Márcio Lacerda não se move nas pesquisas de intenção de voto feitas em maio, em junho, em julho e neste início de agosto. A transferencia de votos, no caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para seu candidato a presidente, hoje a ministra Dilma Rousseff, seria automática, mas não no caso do governador de Minas, Aécio Neves, e do prefeito da capital, Fernando Pimentel, que ainda não conseguem movimentar a candidatura Lacerda .

Pesquisa do Instituto Vox Populi, feita para o PT, mostra que a transferência esperada para a sucessão de Lula não é aquela prevista para qualquer um que detenha a caneta de nomeação e concessão de verbas. O cientista político Marcos Coimbra, presidente do Instituto, diz que, no caso do presidente Lula o eleitorado concede-lhe quase um "cheque em branco". À pergunta se o entrevistado votaria em qualquer um que fosse candidato do presidente, independentemente de saber o nome, 20% respondem que sim. Ou seja, um em cada cinco eleitores está disposto a seguir Lula, de olhos fechados. No Nordeste, então, passa de 30% o percentual dos que votariam em qualquer um que fosse escolhido por Lula. Aqui, não é mais um em cada cinco, mas um em cada três eleitores informando que votariam em que seu mestre mandasse.

Além deles, passam dos 30% os dizem que poderiam votar no candidato do presidente dependendo de quem fosse. Assim, somando-se os dois tipos de seguidores, o presidente teria o potencial de influenciar a opinião de mais da metade dos eleitores.

O tipo de popularidade do presidente, que leva emoção ao eleitor e cria a adesão espontânea, não se repete nos estados, mesmo onde governadores ou prefeitos obtêm adesões maiores que as de Lula. As disputas nas cidades, porém, não estão definidas. Marcos Coimbra acredita ser impossível dizer, no momento, se Aécio Neves e Fernando Pimentel, com popularidade mais alta que a do presidente Lula, conseguirão ou não transferir votos para Márcio Lacerda, que amarga o terceiro lugar nas pesquisas em que pontua abaixo dos 10%. Menos ainda se sabe sobre em que Ciro Gomes poderá ajudar seu candidato neste momento.

Marcha dos mosqueteiros nada diz ao eleitorado

O quadro de informações do eleitor, no país inteiro, ainda é insuficiente, afirma Coimbra. Por esta razão as pesquisas feitas no fim de julho não foram em quase nada diferentes das pesquisas do final de junho, e essas quase nada diferentes do final de maio. " O quadro de informação do eleitor só vai mudar mesmo a partir do começo da propaganda eleitoral, seja dos programas gratuitos, seja dos comerciais, das inserções. Só quando tivermos uma mudança nesse quadro de informação é que faz sentido imaginar mudança na intenção de voto do eleitorado".

O caso de Belo Horizonte é completamente diferente do caso de uma eleição como a de São Paulo, compara o presidente do Vox Populi. Em SP, os quatro principais adversários são conhecidos por 100% dos eleitores, afirma. "O atual prefeito (Kassab), dois ex-governadores (Alckmin e Maluf), e dois ex-prefeitos (Marta e Maluf) estão disputando. Num quadro como esse, as pesquisas seriam capazes de dar, hoje, uma boa sinalização do cenário de setembro, quando já terá começado a propaganda pela televisão e, com ele, divulgação de mais informações sobre os candidatos.

Sobre Márcio Lacerda, candidato a receber a incontestável popularidade do governador de Minas e do prefeito de BH, apenas 5% dizem hoje que o conhecem bem. E apenas 10% informam que sabem alguma coisa sobre ele. "Inversamente, isso quer dizer que 85% dos eleitores da cidade sequer podem considerá-lo como opção, pois não sabem quem é", afirma Coimbra. Não será a marcha-passeio dos quatro mosqueteiros o canal eficiente desta informação ao eleitorado.

Fantasiado de recuo

Outra teatralização foi a que o governo federal produziu para retirar do Congresso a Medida Provisória que enviara há poucos dias criando o Ministério da Pesca. Numa cena de faz-de-conta, mas cheia de efeitos especiais, o ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, escalado desde a véspera para "conversar" sobre o assunto com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, que alertara o governo sobre as dificuldades políticas para aprovação da medida, suspendeu a MP e fez Chinaglia e líderes governistas prometerem, diante de tamanha concessão, aprovar rapidamente um projeto de lei com o mesmíssimo teor.

O governo se fez totalmente ausente da percepção de dezenas de outros obstáculos e críticas que continuam a condenar o projeto. Não explicou por que, mais de seis anos depois de iniciar seu mandato, descobriu que a pesca tem que estar em ministério e não em secretaria. Aliás, também nunca soube a razão pela qual a pesca inspirou a ampliação da máquina, com uma secretaria no Palácio do Planalto, a não ser a evidência de que foi obrigado a criar este posto, como ocorreu em dezenas de outros, para uma das muitas facções do PT que exigiam integrar o primeiro escalão.

Também não se sabe por que criar mais 350 cargos, 150 deles comissionados, numa nova estrutura, lá se vão quase a metade do segundo mandato. Está no DNA deste governo a ampliação da estrutura, a duplicação, a criação de cargos, o abrigo a todas as correntes do partido, a ocupação desmedida, o aparelhamento. A troca da Medida Provisória do Ministério da Pesca por um projeto de lei não muda nada. Dá apenas um discurso espetaculoso aos líderes que precisam vender o peixe.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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