domingo, 31 de agosto de 2008

Ruim com eles, pior sem eles


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Os partidos nunca conseguiram se consolidar no Brasil por causa da interferência autoritária do Executivo


É senso comum no Brasil atribuir as mazelas da política nacional aos partidos. Agora mesmo, na justificativa da reforma partidária encaminhada ao Congresso, o Palácio do Planalto responsabiliza o sistema partidário pelo fisiologismo e clientelismo que têm contaminado suas relações com o parlamento. Direciona suas baterias aos pequenos partidos, que pretende abater, como se os grandes não tivessem nenhuma responsabilidade pelo ocorre. Não é bem assim. O escândalo do Orçamento, durante o governo Itamar, foi protagonizado pelo PMDB. E o “mensalão”, no primeiro mandato de Lula, uma megatrapalhada do PT. Grandes partidos sobreviveram às crises. São os eixos de sustentação do governo Lula e vão muito bem, obrigado.

Criador e criatura

O Brasil já teve vários sistemas partidários, quase todos resultaram da forte interferência do Estado na vida partidária. A Justiça Eleitoral, ao longo dos anos, ajudou a construir um sistema eleitoral cada vez mais eficiente e democrático. Porém, consolidou a sistemática interferência do estatal na vida dos partidos. Constantes mudanças no sistema partidário, desde a monarquia, fragilizaram os partidos e tornaram suas lideranças mais personalistas.

Os partidos no Brasil surgiram na Independência, com o Partido dos Brasileiros liderado por José Bonifácio e o Partido dos Portugueses, alinhado a D. Pedro I. A divergência era óbvia: um queria consolidar a independência; outro, reunificar o império português. O fato de o Brasil ser uma monarquia fortalecia o projeto de reunificação, contradição que acabou provocando a dissolução da Constituinte de 1823 e, mais tarde, a abdicação de Pedro I, em 1831.

A partir de 1935, inspirados no parlamentarismo inglês, surgiram os partidos Liberal (luzias) e Conservador (saquaremas). Foram às armas a partir de 1842, quando a Revolução Liberal de Tobias de Aguiar, em São Paulo, com apoio do ex-regente Diogo Feijó, foi duramente reprimida. Os dois partidos, porém, protagonizaram a “política de conciliação” do Marquês de Paraná, a partir de 1853. Surgiu assim o modo de fazer política das elites brasileiras, cujo eixo é a aliança entre a União e as oligarquias regionais. O governo Lula não foge a esse espírito.

As oligarquias regionais deram forma, com a República, ao fraudulento sistema eleitoral que vigorou até a Revolução de 30. Os partidos eram regionais, com o nome de republicano. Derrotaram a Campanha Civilista de Rui Barbosa, em 1915; a Reação Republicana de Nilo Peçanha, em 1921; e a Aliança Liberal, em 1929, quando o mineiro Antônio Carlos de Andrade rompeu com presidente Washington Luiz por causa da candidatura do paulista Júlio Prestes.

Com a revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, os partidos republicanos desapareceram. Surgiram diversos partidos regionais, programáticos ou corporativos na Constituinte de 1934, quase todos inexpressivos. As novidades eram a Aliança Libertadora Nacional de Luiz Carlos Prestes, a Ação Integralista de Plínio Salgado e a União Democrática Nacional de Armando Sales, todos contra Vargas, que implantou o Estado Novo em 1937. O que houve depois é mais conhecido.

Cinismo oficial

Na Constituinte de 1946, surgiram os partidos que protagonizaram a crise de 1964:PSD, UDN, PTB, PSP, PR, PSB, PDC, PCB. Todos foram extintos após o golpe militar. Por ato institucional, foram criados a Arena e o MDB, em 1965. Os dois partidos foram obrigados a mudar de nome pelos militares em 1989 (PDS e PMDB, respectivamente) e surgiram o PDT, o PT e o PTB. O presidente José Sarney, em 1985, legalizou os partidos comunistas e liberou a formação de partidos para a Constituinte de 1988. Hoje, há cerca de 30 partidos em atividade no país.

Os partidos nunca conseguiram se consolidar no Brasil por causa da interferência autoritária do Executivo. Anunciada com o propósito de racionalidade e enxugar o quadro partidário, a reforma proposta pelo presidente Lula não é garantia de que será diferente. Seu objetivo de fundo é continuísta: favorecer a formação de uma nova coligação governista para a sucessão do presidente Lula em 2010. Por isso, a proposta de fidelidade partidária é um primor de cinismo oficial. Estabelece uma proibição e cria quatro regras para o “troca-troca” de partido com data marcada, cujo combustível é o fisiologismo e o clientelismo oficiais.

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