segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Daqui para o futuro


Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Não é exagero dizer que o Brasil anda sem sair do lugar, como quem se esfalfa para fazer quilômetros na esteira. Haja paciência. Não há recordes nem recordistas no desempenho humano sobre esteiras rolantes. Os que saírem vitoriosos das urnas, em número muito inferior aos que entraram, celebrarão como for possível, e os derrotados simularão júbilo cívico por conta da democracia. Como nada muda, a não ser de endereço postal, a democracia segue em frente com a ilusão dos mais novos temperada pelo cansaço dos mais velhos. Faz parte do ritual. Os eleitores vão reincidir na conclusão de que na democracia sempre se volta ao ponto de partida, ou então não é.

A despeito do que possa acontecer e, com toda a certeza, do que vai ocorrer de um jeito ou de outro, o bordão nacional entoará que o Brasil nunca mais será o que era. Uma pena, se for privado do que tem de melhor, que é a disposição para a democracia. Pesquisas adiantam o resultado das urnas, não o futuro cuja existência universal Santo Agostinho negou em suas confissões. Dizia ele que, depois de muito esperar, quando percebia, o futuro já tinha passado. Fugidio por natureza, quando sai de onde está, vai direto para o passado. O presente não é com ele, mas conosco. Não quer dizer muito, mas o que está para acontecer deixa no ar a impressão de conteúdo histórico denso. Vai ver são as mesmas bolhas de sempre. Seja o que for, o pacote estará dialeticamente correto quando sair das urnas, e politicamente resolvido, sem esquecer de apresentar novas dificuldades a velhos problemas.

O Brasil está preparado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais do que grande eleitor no plano municipal, mantém a forma no vazio da própria sucessão, que continua em todas as cabeças, inclusive dos favoráveis ao terceiro mandato. Acredita-se que a hipótese se desfez mas se refaria como bonificação pelos dois anteriores. Um mandato a mais, não faz diferença. A versão segundo a qual o raio não cai duas vezes no mesmo lugar não se aplica ao mandato presidencial no Brasil, onde o precedente da reeleição abriu a porteira. Somos experimentalistas natos. Não haverá mais presidente que se contente com o primeiro mandato, nem argumento que o detenha. Pode-se garantir que, excluídas as mulheres, fogo de morro acima, água de morro abaixo e o terceiro mandato presidencial, ninguém pode impedir quando chega a oportunidade.

Se o desempenho do governador José Serra mantiver a preferência acintosa nas pesquisas, a futura sucessão presidencial manterá curso natural? Não é preciso pagar para ver. É de graça. O Brasil continua politicamente aberto. Os partidos escondem-se exatamente quando deviam apresentar, como responsáveis pelas candidaturas, programas de governo – municipal, estadual ou federal _ e alguém com capacidade pessoal e compromisso de realizar o que for proposto, e proposto por ser viável, não para enganar. No caso de José Serra, o interesse contrário não está nos concorrentes ocultos, mas ao lado dele na mesma social-democracia nominal. O terceiro mandato pode até ressuscitar. Há tempo de sobra.

O PSDB tem endereço histórico à esquerda, embora ilegível desde que o neoliberalismo se dissipou e as variantes perderam o rumo. A democracia se diz imunizada contra o golpismo republicano, mas não avalia o efeito negativo da falência da representação política. Os partidos fazem de conta que não tem gravidade o desencontro entre a opinião pública, de fundamento pequeno-burguês, e a representação política de costas para o eleitor. Tem, e muita. Trará perigo o efeito tardio da pérfida solução de manter aberto, mas vazio de poder, o Congresso Nacional nas duas décadas de controle militar da República. O efeito perverso explica-se com o desinteresse pelo debate de qualidade e o gosto pela ociosidade de alta remuneração, mas sem dignidade política. As conseqüências mantiveram-se ocultas por falta de oportunidade, mas reapareceram por necessidade. As sementes da ditadura eram de uma planta venenosa: deixar o Congresso aberto só serviu para expor o vazio legislativo à execração pública e erodir a credibilidade representativa.


A primavera chegou com buquês de pesquisas que garantem a Lula, por cima da confusão, votos de prosperidade eleitoral da maneira que for possível.

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