sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A era de incertezas passa a ser a era de ansiedade


Paul A. Samuelson*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A humanidade se assemelha mais à avestruz do que à coruja, famosa pela sabedoria. Tanto na moderna macroeconomia quanto na moderna geopolítica, os otimistas acham que já podem vislumbrar o começo de melhores dias futuros.

Afirma-se que os Estados Unidos e seus aliados “derrotaram” os talebans no Afeganistão. Será que fizemos isso mesmo? Esses inimigos extremistas costumam voltar à vida como a Fênix, incessantemente.

Observe-se, ainda, que o envio de mais tropas americanas ao Iraque neste momento parece fortalecer a esperança racional de que a cooperação do Iraque caminha para seu autogoverno, o que justificaria uma futura saída dos militares americanos do país. Entretanto, estrategistas experientes não se surpreenderiam se os benefícios desse reforço evaporassem daqui a seis meses.

Na França, De Gaulle entendeu do pior modo possível os altos e baixos dos franceses na Argélia e no Vietnã. Os presidentes Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon aprenderam igualmente graves lições no Vietnã. No fim, sem vitórias nem honras exageradas, todo o sangue e os recursos sacrificados para derrotar o governo de esquerda daquele país resultaram vãos.

Segundo esse mesmo esquema na geopolítica, sucessos temporários seguidos por graves derrotas podem parecer óbvios nas atuais crises financeiras globais. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) e os bancos centrais de outros países foram obrigados a entrar em ação a fim de aliviar a situação na oferta de crédito. Não fizeram isso para salvar irresponsáveis instituições de crédito hipotecário e mutuários dos prejuízos dos seus investimentos. Mas, lembrando a gravidade da queda das economias globais durante a Grande Depressão, os governos de hoje agiram rapidamente para proteger a economia dos ventos adversos da recessão.

Quando o fundo de hedge Long Term Capital Management foi contemplado com um resgate preparado pelo Fed, em 1998, o motivo alegado foi a preservação da prosperidade do investidor médio.

Os seguidores do presidente Herbert Hoover em 1929 e do secretário do Tesouro Andrew Mellon criticam todos esses resgates do governo porque alegam que estimularão um “perigo moral” - ou seja, um aumento do risco futuro dos investimentos em razão das expectativas de ajuda imerecida.

A maior parte de meus colegas macroeconomistas é jovem demais para lembrar da Grande Depressão. Na época, eu ainda não havia me formado na conservadora Universidade de Chicago e pude sentir isso dentro e fora da escola.

Então aprendi algumas lições permanentes: (1) O capitalismo puro não pode evitar alguns ciclos econômicos. Tampouco pode-se contar com o “laissez-faire” dos mercados para cuidar dos próprios males. (2) As decisões do Fed de elevar ou baixar os juros de curtíssimo prazo a fim de se “proteger contra os ventos” adversos podem conter indefinidamente a volatilidade da real macroatividade do pequeno investidor. Não é uma quimera acadêmica. Desde 1989, nós e o mundo desfrutamos de fato de uma forma de “Grande Moderação”: altos e baixos mais modestos nos ciclos econômicos. (3) Entretanto, nas épocas de turbulência mais profunda, as correções adotadas pelos bancos centrais em suas metas das taxas de juros de curto prazo tornaram-se cada vez mais impotentes. Taxas de juros próximas de zero só servem para encorajar a acumulação e não para gastar dinheiro. (4) Finalmente, em épocas de graves choques do lado da oferta, como agora e na década de 70, quando os preços do petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo podem quadruplicar da noite para o dia, ao mesmo tempo em que as colheitas e a produção de metais são afetadas e os preços das matérias-primas se encontram em uma bolha de alta, a economia sofre uma “estagflação” maléfica.

Infelizmente, o mesmo ziguezague de otimismo e pessimismo é endêmico na batalha entre as paridades do dólar americano e as do euro, do iene japonês ou do won coreano. Um mês atrás, uma ligeira melhora das exportações americanas provocou a recuperação do dólar em relação ao euro e às outras principais moedas.

Algo que pode ser impressionante para especuladores irresponsáveis.

Entretanto, o gráfico dos déficits de longo prazo do balanço de pagamentos dos EUA em geral, mostra apenas certa ondulação em sua crônica tendência à alta. Se isso provoca pesadelos em Warren Buffett, talvez as massas americanas de consumidores contumazes também devessem prestar alguma atenção ao fato.

Se os economistas tivessem sido informados, em 2007, da gravidade da “tempestade perfeita” (provocada pela concorrência de poderosos fatores) dos mercados financeiros que ocorreu em 2008, acredito que teríamos previsto racionalmente uma recessão americana muito pior em 2008, do que tivemos até agora. O que nos tranqüiliza um pouco.

Mas quanto tempo durará? Nada de pânico! Acho que deveremos esperar uma maior debilidade macroeconômica para o futuro, que poderá persistir até o fim de 2009. Hoje, ficamos sabendo do colapso do Lehman Brothers. Aprovo totalmente a decisão de não ajudá-lo a sair do buraco, ao contrário do que foi feito com o Bear Stearns.

Corporações gigantescas como o Citigroup e o American Investment Group (do setor de seguros) mais uma vez foram profundamente afetadas.

Enquanto ninguém se preocupava de resgatar a Merrill Lynch, a maior corretora de varejo dos EUA, ela foi engolida pelo Bank of American.

O ex-presidente do Fed Alan Greenspan admitiu publicamente que nossa “tempestade perfeita” de meados de setembro, em Wall Street, é uma dessas coisas que só acontecem “uma vez em cada século”. É estranho, portanto, que no dia 16 o Fed tenha se recusado a cortar um pouquinho sua taxa de juros, e que nada tenha mencionado sobre nova ajuda ao crédito.

Se esse foi apenas um pecado venial e não mortal, mesmo assim, na minha opinião, é a primeira falha de Ben Bernanke para lembrar que, acima de tudo, a razão de ser do banco central é ser a instituição de empréstimos de última instância, quando uma sociedade de mercado democrática é atingida pela calamidade mais grave.

Espero que o dr. Bernanke prove que tinha razão, e ficará provado que eu estava errado.

*Paul A. Samuelson escreve para o ‘Tribune Media’

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