terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ganância e controle frouxo


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A economia, enfim, voltou a ser o centro da campanha presidencial depois do "domingo sangrento", e levou os dois candidatos ao mesmo diagnóstico, por caminhos distintos. O republicano McCain iniciou o dia tentando reafirmar que "os fundamentos da economia são fortes", mas teve que recuar diante das evidências. Depois de esse seu diagnóstico ser apontado pelo democrata Barack Obama como uma prova de que está descolado da realidade, McCain tentou consertar, dizendo que os fundamentos da economia americana são "os trabalhadores", que continuam sendo os mais eficientes e produtivos do mundo, enquanto em Wall Street "a ganância, a irresponsabilidade" colocaram tudo a perder. Obama não culpou McCain diretamente pela crise, mas culpou o fato de ele apoiar a política econômica de Bush.

Para o economista brasileiro Fernando Sotelino, ex-presidente do Unibanco e professor da School of International and Public Affairs, da Universidade Columbia, em Nova York, a proposta dos democratas "sempre teve uma visão mais holística do problema", citando como exemplo o governo Clinton. Sotelino lembra que, se a administração federal não controla a política monetária, "o estilo de liderança pode influenciá-la".

Quando Obama fala de déficit fiscal, investimento em educação, mas procurando achar recursos para pagar, "parece mais alinhado com uma visão de longo prazo", analisa Sotelino, que tem um diagnóstico objetivo sobre o que está acontecendo na economia americana: é a conseqüência de um período longo de aparente estabilidade e crescimento, induzindo otimismo excessivo de tomadores e provedores de crédito, e de uma política monetária frouxa, particularmente a de manutenção de juros inferiores a 2% ao ano, de dezembro de 2001 a novembro de 2004.

"Juro real zero em país que ama alavancagem levou a crescimento explosivo da demanda por crédito (contra riqueza "percebida") das famílias e da oferta de crédito (baseada em modelagens de risco otimistas) dos bancos. Não há dúvida de que criatividade de mercado, frouxa supervisão bancária e ratings inadequados dados por agências de classificação de crédito levaram a níveis adicionais de instrumentos financeiros mal avaliados", escreveu em recente artigo na revista "Foco, Economia e Negócios".

Também o economista Paulo Rabelo de Castro, no seu boletim eletrônico, atribui a euforia financeira do mercado americano a uma criação artificial de Alan Greenspan, o presidente do Fed, o Banco Central americano, "ao tentar conter os efeitos da recessão de 2001-2002 com a prática de juros ínfimos (1% ao ano) abaixo da inflação corrente. Tendo conseguido reverter o sinal de uma forte recessão nos EUA, Greenspan devolveu também euforia e novas armas para consumidores e especuladores".

Nenhum dos dois explicita a crítica, mas cresce a percepção de que o fato de o Fed só ter começado a elevar os juros depois da reeleição de George W. Bush, em outubro de 2004, foi uma manobra política. Fernando Sotelino, que dá aula de sistema bancário internacional na Universidade Columbia, lamenta que o Brasil não tenha aproveitado a onda de crescimento mundial dos últimos seis anos para fazer as reformas estruturais que permitiriam um crescimento sustentado mais forte.

No mesmo artigo da revista "Foco", ele situa em meados do ano passado o momento "mais favorável para o Brasil de todo o período republicano" para se fazer as reformas, momento de forte crescimento global alimentado por consumo em expansão nos EUA e robusta expansão de oferta de produtos industrializados a custos baixos por países em desenvolvimento (principalmente China e Índia).

Essa combinação permitia "continuado aumento de preço de vários produtos da pauta de exportação brasileira, geração de crescentes superávits na balança comercial e caminhada na direção da redução para praticamente zero do endividamento externo líquido".

Permitia também expectativas de crescimento econômico sustentado mais robusto e progressiva redução da taxa de juros. "Mas seguia o Brasil com endividamento público elevado (40% do PIB) para o seu custo de carregamento (juros reais de 8% ao ano) e níveis baixos de investimento (20% do PIB)".

O rigor na política monetária é elogiável, ressalta Sotelino, pois é preciso preservar a conquista da "inflação sob controle". Mas seria necessária a implementação de reformas, como a fiscal, que tribute o consumo e o lucro e desonere a produção; a trabalhista, para reduzir os custos indiretos da força de trabalho e estimular o emprego formal; e a da Previdência, que, respeitando o direito adquirido, estimule a poupança futura.

Para Sotelino, essas seriam condições para transformar superávits fiscais primários "heróicos" em perspectiva confiável de equilíbrio fiscal nominal sustentado.

Ele acredita que se deve esperar uma desaceleração econômica global em conseqüência da desaceleração da economia nos EUA. "O Brasil é um país que tem uma economia doméstica relativamente grande, tem algumas áreas em que há vantagens competitivas de exportação, e, como o país não chegou a atingir níveis de crescimento do padrão da Índia, da China, ou de outros emergentes, estava caminhando para lá, não haverá uma parada. Mas vamos voltar a entrar nos 3% a 4% de crescimento do PIB".

O economista Paulo Rabelo de Castro diz que a negação do ajuste em 2002, pelos EUA, proporcionou cinco anos muito bons, inclusive de muita sorte para o Brasil de Lula. Porém, 2008/09 serão "os anos do ajuste, os anos "maus", por causa da inversão de ciclo tão intensa quanto foi o delírio consumista e empilhador de compromissos financeiros nos anos precedentes".

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