domingo, 21 de setembro de 2008

Leis Eleitorais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Nunca criaremos uma democracia real se ela não se fundar no respeito integral a quem é e ao que deseja o eleitor

A população que vive nas cidades onde se capta o sinal das redes de televisão aberta ou do rádio, ou seja, a quase totalidade da população brasileira, está passando por uma experiência que vale a pena comentar. Menos no Distrito Federal, ela é alvo de uma das maiores e mais abrangentes campanhas de propaganda institucional de nossa história.

É a campanha que a Justiça Eleitoral está veiculando em todas essas emissoras, sobre as eleições municipais deste ano. Quem vê televisão ou ouve rádio nesses lugares, nem se quisesse, conseguiria deixar de receber seus efeitos.

Pelo que se pode perceber, ela se propõe a alcançar diversas metas. Comunicar aos eleitores que teremos eleições em 5 de outubro é apenas a mais óbvia e menos ambiciosa. Ela também quer ensinar coisas aos eleitores: a importância do voto, a necessidade de bem refletir antes de votar, que vender seu voto é errado, entre várias outras.

Parece algo tão normal que não haveria razão para discuti-lo. Mas há, pois a campanha nos permite ver quanto precisamos de uma reforma política.

No modo que fala, na forma que adota, ela revela o que temos pela frente, se quisermos melhorar o tônus democrático em nosso país.

Comecemos reconhecendo seu lado positivo. Em uma cultura como a nossa, onde a maioria do eleitorado tem níveis muitos baixos de escolaridade e existe obrigatoriedade de votar, são sempre bem-vindos os esforços de aumentar a informação da população sobre o processo político. A campanha contribui para isso, dizendo às pessoas quando será a eleição, quais os cargos em disputa, o que o eleitor deve fazer para registrar seu voto. São questões banais, mas que devem ser repetidas.

A pena é que a campanha fique nisso, no plano informativo. Se seus responsáveis soubessem quão sequiosa de informação é nossa população, talvez dedicassem mais tempo, da enorme quantidade de que dispõem, para essa finalidade. É de se perguntar por que não aproveitá-lo para explicar aspectos de nosso sistema político que poucas pessoas entendem. Para dar um só exemplo: por que determinados candidatos têm mais tempo que outros na propaganda eleitoral? Quase ninguém compreende uma coisa tão fácil de explicar.

O pouco que se investe na informação do eleitor é compensado pelo muito que é dedicado a tentar fazer algo totalmente diferente, sua pretensa formação. Parte expressiva da campanha é constituída por peças que visam a formar o eleitor, fazendo dele um “bom eleitor”. Nelas, se insiste na peroração de que “o eleitor não deve vender seu voto”, que deve “pensar bem”, que “votar mal prejudica o próprio eleitor”.

De onde seus autores tiraram que esses são problemas reais de nossa sociedade? A partir do que chegaram à conclusão que temos tantos eleitores irresponsáveis, inconseqüentes e venais que a Justiça Eleitoral “precisa fazer alguma coisa”? Que alguém precisa ser ensinado a pensar assim? Subjacente a esses “bons propósitos”, existe uma profunda desconfiança a respeito de nosso eleitor e de nosso povo. A reboque dela, sempre há um pedagogo, que se acha tão superior que se imbui da missão de “guiar os ignorantes”. Nunca criaremos uma democracia real se ela não se fundar no respeito integral a quem é e ao que deseja o eleitor. Não existe meia medida: toda vez que se quer proteger o eleitor, ensiná-lo a ser assim ou assado, evitar que seja alvo de qualquer coisa (influência, manipulação, etc.), o que se consegue é o oposto.

A campanha institucional da Justiça Eleitoral tem méritos, mas mostra muitas coisas que precisamos fazer (e outras que não devemos fazer) na hora que a sociedade brasileira se puser de acordo sobre a reforma política que tantos desejam. O lugar de onde fazê-la não é o Judiciário, mesmo que esteja cheio de pessoas com as melhores intenções. O espírito de uma verdadeira reforma não é proteger o povo, guiar seus passos, mas parar de tratá-lo com paternalismo e condescendência.


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